“o grupo de punks que estava na roda de pogo parte para cima dos carecas”
Chega a noite em São Paulo, no inferninho Madame Satã, o ano
era 1986, a banda punk “Inimigos do Poder” tocaria naquela noite fatídica. A
banda era um power trio com o vocalista e baixista Paulão, o guitarrista Carlos
Soares e o baterista Biriba. O local começou a apinhar de gente já na banda de
abertura, a banda “Porcos na Lama” e tudo foi muito divertido, a banda tinha um
toque humorístico em suas letras que cativou o público.
O público agora tinha uma tribo de punks bem da suja e
agressiva, só não contavam com uma malta de carecas que estava do lado de fora,
aquela malta mal encarada do ABC paulista que vivia farejando confusão. Biriba,
o baterista, que antes do show estava bebendo cerveja com uns conhecidos e fãs,
percebeu a movimentação e informou tudo para a organização do show, um policial
entrou para um canto do inferninho para ficar observando tudo.
No intervalo entre a apresentação dos “Porcos na Lama” e o
começo de “Inimigos do Poder”, o vocalista e baixista Paulão já tava sabendo de
tudo, e sabia do nome de uns carecas que tavam em volta do Madame Satã, eram
uns tipos skinhead neonazi que tinham sangue negro, mas eram racistas e
antissemitas em pleno país tropical. Paulão tinha um espírito de porco e tava
maquinando armar algo durante a apresentação de sua banda, que não levava
desaforo para casa.
Paulão já começa a sua provocação antes mesmo de sua banda
entrar no palco, pois no camarim tinha uma bandeira da URSS, ele pega a tal
bandeira e pendura perto da entrada do show, aquela foice e o martelo aparecem
para quem estava do lado de fora, a movimentação dos carecas começa a ficar
ressabiada, uns punks de moicano azul e vermelho saem para beber cerveja perto
de onde estavam os carecas e começam as provocações mútuas, algo estava para
ferver.
Um dos carecas chega mais perto do grupo de punks que bebia
cerveja balançando a sua correntinha, esta provocação não passa em branco, um
dos punks atira uma cerveja na direção do grupo de carecas, mas, naquele
momento, eles não reagem, queriam entrar no show para ver tudo ferver lá dentro
do inferninho, e o careca volta para seu grupo, dá uma mijada num canto e tira
uma bandana com uma suástica e amarra na própria testa.
O show logo ia começar, Paulão agora pega a bandeira da URSS
e pendura atrás do palco, para a vista geral do público, ele começa a pegar seu
baixo, com adesivos do Black Flag e do Dead Kennedys colados no instrumento,
começa a afinar o baixo de ouvido, solta um “Viva Che Guevara!” do nada no
microfone e volta a afinar o seu baixo. Carlos Soares agora entra e começa a
afinar a sua guitarra, junto com as afinações de Paulão. Biriba, junto com o
roadie Ronald, acertam as tarraxas para bumbo, caixa, ton ton, surdo e os
pratos. Paulão vai no microfone de novo e grita : “Pau no cu do Hitler!”.
No show, que estava para começar a primeira música, já tinha
vários carecas bem putos nas laterais do público, e no centro uma nuvem de
punks prontos para formar a roda de pogo. Paulão não parava de provocar os
carecas e solta mais uma : “Nazistas fuck off!”. E começa a tocar seu baixo
logo em seguida, soltando o seu vocal rouco no primeiro petardo de “Inimigos do
Poder” que era a música “Cheirei um corrosivo”. A música é rápida e dura dois
minutos, como uma onda de corrosivo.
Segue a música “Poder inimigo da paz” que dura três minutos,
seguida de “São Paulo do caos” e depois Paulão fala durante uns minutos com o
público e saúda os punks, depois dizendo que tinha uns “doentes mentais” pelos
cantos, procurando provocar os carecas, e chama novamente os carecas de “gente
podre do caralho”, e um dos carecas joga uma garrafa na direção de Paulão, que
abaixa a cabeça e a garrafa passa lotada, e Paulão começa a tocar logo em
seguida “Alarme do asfalto”.
Um dos carecas vê que tinha um policial num dos cantos do
inferninho e chega num ângulo mais perto deste e taca uma garrafa que estoura
na cabeça do policial, que desmaia, e Paulão, que agora tocava com a banda a
música “Inferno urbano”, para o show e começa a dar esporro nos carecas que
estavam ali, um grupo de sete carecas vai para o meio do público, perto da roda
de pogo dos punks, começa uma pequena confusão, alguns dos seguranças conseguem
apartar a confusão e o show recomeça com a música “Petardo mortal”.
A confusão, no entanto, recomeça, e desta vez fica
generalizada, o grupo de punks que estava na roda de pogo parte para cima dos
carecas, Paulão interrompe o show e grita “porrada nos carecas” e depois solta
“Cuba libre!”. Ele se enrola na bandeira da URSS que estava pendurada, a banda
ainda tenta tocar “Moinho da cana”, mas o show termina com dez carecas
ensanguentados, eles eram minoria, e achavam que iam pegar os punks, mas alguns
da roda de pogo eram também grandes como os carecas, e a bandana de suástica de
um dos carecas é queimada com isqueiro no centro da roda de pogo.
Os seguranças expulsam alguns punks e carecas do show, os que
estavam fodidos são levados para o pronto-socorro, e Paulão volta com seu baixo
e disse que a banda tocaria a saideira, e eles tocam “Cerveja”, o show termina
e Paulão acende seu charuto Cohiba e solta fumaça, Biriba, junto com o roadie,
recolhe a bateria, Carlos Soares, que era quieto e só tocava, fala com Paulão
que aquilo tudo tinha sido muito doido, a banda de abertura “Porcos na Lama” se
junta aos “Inimigos do Poder” e as duas bandas, um pouco depois, vão para fora
do inferninho beber cerveja com os punks que ali ficaram para aproveitar a
noite.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário : https://www.seculodiario.com.br/colunas/gustavo-bastos
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