Quem se abisma como fera nas ruas de uma fumaça metafísica,
fuma teu intento como um mártir, o poema que lhe diz que a alma sombreia e
margeia o caos sabe do poeta toda a cor de seu drama existencial. As drogas
alucinógenas fazem o número do verso como um meteoro que se espatifa entre os
sóis que dormiam antes da bomba.
Longe um castelo, e eu rumo a Paris com um canto de Lautréamont
sob efeito de beladona, viés romântico anulado, cadafalso azucrinado como um
rei decapitado, lembro de meu maldoror, de meu matrimônio do céu e do inferno,
uma pintura astuta de Blake que surgia em notas subconscientes.
Veja : os silentes monges levitam sob a fumaça de erva
mística, uns poucos idólatras se ressentem de um ataque de riso de um poeta,
pois da poesia burilada temos um ardor e um torpor inigualáveis, maldoror veste
vermelho, o fragor da rosa estoura meu olfato, eu vejo em sinestesia o sentido
metafísico desta alucinação divina.
Veste a rosa fundada em espírito e corpo, dando às nuvens
sentidos de sedução e vitória, com a poesia mais estourada como uma boiada e o
forte impacto de um touro. Vem, e de Lord Byron tens um tanto de noite opiácea,
de um Percy Shelley o naufrágio poético, se mata como Florbela, reflui e volta,
se irmana de seus asseclas como um guru virado em lua, um lunático que é escutado
por autoridades das mais diversas, como um Rimbaud nascido de uma lótus
embriagada.
A nuvem translúcida ecoa em vento a matriz destes cantos
ébrios, um ópio futurista que embebeda todas as cores de funda metafísica, o poema
se funda como um eixo insuperável da flor universal, eu tenho toda esta fúria
como um animal que sai da jaula, eu tenho toda esta fortuna e vitória
conquistada pela firmeza de propósito e um lance divino inconteste.
Venho de longe com as sedes desérticas de um beduíno, venho
de longe com as águas de um oásis que some na amplitude da visão, venho com
todo o peito forte que rege astutamente toda a fábula do caos. A poesia canta
na rua, os doentes mentais têm dela um vislumbre, os idiotas dela fazem troça,
os embriagados dela têm o sumo supremo como uma flor nauseada que ruma ao campo
vasto que dorme como um nababo depois da orgia.
Vento que se ruma todo feliz sem cadafalso ou carrasco, vento
de poesia que ruma indelével e idôneo como grande saúde frente à guerra brutal
dos sonhos. Passo rente aos filósofos que estudam filigranas, a visão geral me
evoca novamente a mística psicografada de Blake, os martírios derramados de
Florbela, os gritos primais dos poetas primatas, os lances de dados de um
Mallarmé que ecoa toda a próxima poesia de vanguarda. O louco das cartas
vaticina, como louco que é, a explosão de uma cidade, o louco delira como um
cavalo baio que pula entre as tropas assassinas.
O oásis de seu delírio vaticina como um idiota obsediado seu
caos brutal que vira pó. As notas febris e apaixonadas não eram nada mais que
cartas adolescentes rasgadas depois de um surto de raiva, seu sentimento como
Werther era a paixão idiota que sofre em seu âmago a dor do fim, funesto jovem
que caduca sem envelhecer, seu sofrer mesmerizado que canta poesia chorosa na
loucura do plenilúnio e chora rosa com um manto azul.
Maldoror e matrimônio do céu e do inferno lhe dão as flores
de um espírito grande que explode como grau de mestria, a barcarola e barcos
ébrios cantam e se movem como esferas numa harmonia de Kepler, ruma teu verso
em atavios que sobem ao céu em ascensão de Maria, e os pássaros que voam lá são
tão vistosos que ofuscariam a visão da carne mortal.
Lembra-te que o fino da bossa vem de uma resiliência máxima às
intempéries brutais, e forma teu estro sob o prisma imbatível que ferve força e
exibe o peito como um bicho treinado no fogo. Blake lhe serve ao espírito como
uma espada que corta rente toda a sombra de palco, que ruma todo inteiro com um
pincel que delira toda a cor que funda teu estro veemente e vituperante, lhe dá
toda a fortuna teu brio formoso que renasce, ressuscita, e qual fênix brota do
chão arrasado da morte e dá uma lufada qual um éolo louco e protuberante.
Graças ao Netuno que lida ao mar seu vinho mais fremente, e
lhe dá ao peito teu estro e profundidade de máquina, dá ao teu vinho o sabor
seminal que enlouquece toda a cor como uma fúria ébria que estoura champanhe na
noite dos fuzis, e ruma ao capital como um corsário que vive o espanto de seu
sonho qual lagar e giro de tempo em golpes de martelo. Vem a teu atavio cantar
Blake e seu canto visionário como este que é poeta e que delira.
O louco das cartas bombeia seu vento qual um coração de
absinto que juramenta seu trabalho como grande músico de trombeta e tambor,
bate no coração das horas o tempo e ventila sobre o céu estrelado longas noites
de som e de vinho, o louco delira Blake, e ressuscita, em toda a campanha em
seus campos de marte, as suas batalhas sonhadas com erva e diamante.
29/06/2019 Gustavo Bastos (poema em prosa – Netuno)
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