PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

SOBRE O SISTEMA DE COTAS RACIAIS E SOCIAIS NO BRASIL

   A chamada lei de cotas raciais e sociais em universidades públicas federais e institutos técnicos federais, que tinha sido sancionada pela presidente Dilma Rousseff no último mês de agosto, logo após sua aprovação no Senado Federal, da declaração de constitucionalidade pelo STF, e que também tinha sido aprovada pela Câmara dos Deputados em 2008, entrou em vigor nesta segunda-feira com a publicação da respectiva regulamentação, já valendo como regra para os próximos vestibulares das universidades e provas do ENEM.
   Dilma vetou o artigo 2° do projeto original da deputada Nice Lobão (PSD – MA), em que ficava determinado que os alunos das escolas públicas seriam selecionados segundo o seu “coeficiente de rendimento” no ensino médio, e que, portanto, retirava do ENEM a função de seleção para tais alunos, o que seria uma contradição com o interesse do Ministério da Educação de fazer do ENEM a grande ferramenta de acesso às universidades, o que, agora, com o veto da presidente, foi salvaguardado.
   O projeto de lei 180/2008 que regulamenta o sistema de cotas raciais e sociais tem, dentre suas determinações, o de separar, para universidades públicas federais e os institutos técnicos federais, metade das vagas para os cotistas, o que deve ser cumprido no prazo de 4 anos, tendo já em 2013 um limite mínimo de 12,5 % e para 2016 o cumprimento integral de um mínimo de 50% das vagas. Tal regra será aplicada por um prazo de 10 anos, quando o sistema será, então, reavaliado.
   Dentro da reserva de 50% de vagas para cotistas existem subdivisões, 25% para negros, pardos e índios, de acordo com a proporção dessas populações em cada estado, segundo o IBGE. A outra metade das cotas será destinada aos estudantes que tenham feito todo o ensino médio em escolas públicas e cujas famílias tenham renda per capita de até 1,5 salário mínimo. Para os que defendem a proposta, esse sistema de cotas raciais e sociais é o mais amplo e uniformiza as políticas de reserva de vagas nos institutos e universidades federais. Dilma afirmou que “essa lei contribui para saldar uma dívida histórica do Brasil com nossos jovens mais pobres”.   
   Bom, com o veto ao artigo 2° pela presidente Dilma, evitou-se um desequilíbrio nos critérios de seleção dos alunos de escolas públicas, uma vez que há diferenças de qualidade entre as escolas públicas, pela regra do coeficiente poderia haver o caso de um aluno com bom desempenho em uma escola pública ruim, superar outro com desempenho médio numa escola pública melhor, uma vez que inexistem critérios objetivos para avaliar se o currículo oficial foi mesmo ministrado, já que não existe um currículo nacional. Com a salvaguarda do ENEM como ferramenta principal de acesso destes alunos às universidades através das cotas, fica o equilíbrio nas seleções, pelo menos entre os estudantes de escolas públicas.
   O problema de acesso às universidades por parte da população é um problema atual, tomá-lo da perspectiva histórica da exclusão de negros e índios, por exemplo, pode ser contraditório, sem falar que o ensino público brasileiro já teve qualidade há muitos anos atrás, e o sucateamento de tais escolas atualmente, pode ser hoje uma boa justificativa para a política de cotas. Tentando justificar tal política, podemos dizer que o acesso às universidades por cotas é um dos modos (paliativo, diga-se de passagem) de desfazer uma exclusão histórica, não somente ao ensino, mas às benesses sociais que possam advir de uma formação universitária de camadas de nossa sociedade que se encontraram desde sempre na zona escura da ignorância, tornando-se, portanto, presas fáceis de manipulações políticas demagógicas e ideologias de poder que mantinham o status quo com medidas apenas pontuais (para não dizer eleitoreiras) de benefícios sociais que nunca promoveram, de fato, a mobilidade social esperada de suas promessas. Lembrando, então, que o conceito principal desta política de cotas é o da justiça histórica, o que é um fundamento que eu julgo suficiente para tal medida, embora uns digam que isso não passa de demagogia ou preconceito invertido, e que a política de cotas possa desencadear novos preconceitos, sobretudo dentro dos institutos e universidades em relação aos cotistas, o que pode até acontecer, mas a solução para isso seria a informação, ou seja, o complemento das cotas seria a política de informação dentro das instituições para evitar uma batalha “racial” ou “social”. Então a justiça histórica como conceito chave disso tudo não pode ser transformado em demagogia ou populismo, é uma questão que eu julgo de “ajuste” de nossa sociedade de classes e estamentos, o que pode ser entendido sociologicamente como fomento à mobilidade social.
   É bom lembrar que a Constituição prevê o acesso às universidades federais pelo mérito, mas também combate as desigualdades entre os estudantes nesse processo. Uns julgam a política de cotas inconstitucional, pois fere a autonomia das universidades, o argumento é de que as universidades têm o direito de decidir o que fazer com suas vagas e não se pode ficar intervindo nisso. Os bônus, que acrescenta percentuais às notas dos alunos beneficiados pela inclusão, alguns afirmam, são uma alternativa melhor às cotas, os bônus buscam preservar a questão do mérito do aluno. Outro argumento que questiona a política de cotas é o de que tal medida provocará o acirramento na briga pelas vagas de livre concorrência, que tendem a tornar-se duas vezes mais disputadas. E, para piorar, agora os cotistas pretendem que o mesmo modelo para universidades e institutos seja aplicado ao mercado de trabalho público e privado. O governo federal anunciou que vai ampliar seu programa de cotas raciais, também, para o serviço público. (É o que o governo chama de “políticas afirmativas”).
   Creio que a política de cotas é uma evolução das políticas afirmativas de transferência de renda tal como o Bolsa Família, e que tem como a mais urgente dessas políticas a de Erradicação da Miséria, o que é louvável. Muitos argumentam que há uma acomodação de parte da população com tais ajudas federais, o que não é inverdade, mas tal tendência está aos poucos mudando, o mercado de trabalho do país está aquecido, muitos destes da chamada nova classe C passaram de bolsistas e conseguiram trabalho, o que não impede de alguns se aproveitarem das bolsas para ficar em casa vivendo da pobreza e sem sair da “zona de conforto”. Mas, entendendo que a mobilidade social numa sociedade é fundamental para a sua evolução, tais medidas que eu chamo de “ajustes sociais” devem estar voltadas para além delas mesmas e para a sua superação no futuro, ou seja, política de empregos para os bolsistas, e política de investimentos públicos nas escolas públicas de ensino básico, uma vez que a qualidade deixa a desejar no ensino público, o que leva a tais políticas de cotas, e que mesmo com a universalização do ensino fundamental no país, temos índices do IDEB vergonhosos, e o ensino médio público tem se tornado constrangedor, temos que dar um jeito nisso, e é para já, pois quando houver a reavaliação do sistema de cotas depois de 10 anos, esperamos todos que as cotas não sejam mais necessárias, e se ainda forem necessárias, que sejam mais parcimoniosas do que estes urgentes 50% que o governo está implementando. Poderemos ver um ensino básico público de qualidade daqui a 10 anos e o fim das cotas que já terão cumprido a sua missão? Espero que sim!

18/10/2012 Gustavo Bastos, filósofo e escritor.   

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