Se ouvia o ritmo pacato daquela abadia milenar, os beneditinos, e uma mistura de renunciantes e estudiosos, havia uma escola de teologia, filosofia e ciências naturais, entre horas de orações e penitências que dominavam aquele ambiente dedicado à vida espiritual.
Na cela, o jovem Isaías, com nome de profeta, começava a sua vida de renúncias e provações, ali ele tinha que ler a Bíblia e se dedicar a várias horas de constantes orações. O cardeal Heringer, que tinha feito a sua ascensão eclesiástica em Dusseldorf, agora comandava um episcopado em Roma, e tinha canal direto com o Sumo Pontífice, o Papa Pio VII, e vinha visitar periodicamente a abadia para se certificar de todo o seu funcionamento sobre as rotinas e cumprimento dos dogmas da Igreja Católica segundo a confissão da cúria conservadora romana, centrada no poder papal do Vaticano.
A Regula Benedicti era seguida rigorosamente pelos monges e o abade se certificava do cumprimento das rotinas de sete orações diárias, o trabalho manual de alfaiataria, panificação, produção de cerveja, trabalho no jardim, a hora de silêncio e recolhimento, e tudo recomeçava às cinco da manhã do dia seguinte, tudo na máxima moral do “ora et labora” herdada de São Bento de Núrsia.
A abadia ficava em Roma e tinha o nome de Benedicti Clausura, ficava perto da igreja Sant`Ambrogio Alla Massima, que passava por uma nova ocupação de freiras franciscanas, depois de uma desocupação de monges beneditinos que ali habitavam e que tinham sido transpostos para uma abadia para fora de Roma, e esta abadia na Via Regia, por sua vez, era a abadia beneditina principal de Roma, a mais tradicional, enquanto a igreja agora das freiras franciscanas ficava na Via Di Sant`Ambrogio.
Dos novos monges que adentraram, então, esta abadia Benedicti Clausura, se destacavam tanto Isaías, como Giorgio e Felippo, estes vinham de colégios internos perto de Roma, e suas famílias os enviaram para a vida monástica para evitar que eles se perdessem na boêmia de uma Roma noturna e báquica.
Isaías já vinha de leituras prévias e meditadas da teologia paulina, toda uma noção de consagração e sacramentos, e seu diálogo que veio de sua escola secular antes de ingressar no seminário e se decidir pela vida monástica, tanto pela salvação dos outros, em orações desprendidas ao mundo, como uma certa tendência a um temperamento contemplativo que encontrava na alternativa de vida beneditina um refúgio para seu desenvolvimento espiritual e a aquisição de habilidades manuais e a formação de seu caráter na rígida disciplina que vinha no bojo deste recolhimento de orações.
A mãe de Giorgio se dirigiu ao abade Antonino e suplicou que seu filho fosse salvo, que a sua astúcia ainda estava desperta, mesmo depois de uma passagem em um rígido colégio interno, que Giorgio estava impossível desde que aprendera coisas na rua e na noite, o abade disse que teria uma visão especial sobre o novo monge e que Giorgio passaria por uma transformação espiritual, uma metanoia. O caso de Felippo vinha de pequenos furtos em feiras e lojas, ficou três anos neste colégio interno em que conhecera Giorgio, ele tinha um pai durão e conservador e que estava decidido a por um fim naquelas ideias perversas de seu filho. Ele conversou longamente com o abade por uma noite e contou toda a ficha corrida de seu filho e que somente a clausura daria a Felippo a sua salvação e um futuro na vida.
Ainda temos a chegada de um garoto de Madri, de apelido “Manolo”, que era também chamado de Manuelito, que tinha sido mandado para Roma há dois anos, aprendeu italiano num colégio secular e logo em seguida foi forçado a ficar num seminário gélido, profundamente contrariado, e agora a sua rica e influente família em Madri queria vê-lo longe e numa vida monástica que ele não escolheu, pois desonrara os valores da família com travessuras em Madri, o que incluiu soltar todos os cavalos de um haras nas ruas do centro de Madri.
Antonino chamou Manuelito para a sua sacristia e escritório em que ficava a vasta biblioteca da abadia, e disse para ele que o conhecimento e a sabedoria fariam dele um grande homem, que as suas travessuras em Madri virariam uma inteligência sutil ao mergulhar naquela biblioteca e sentir as intempéries do trabalho manual, que na primeira semana Manuelito passaria por árduas provas para ficar hábil na alfaiataria, fabricando roupas, sapatos, chinelos, costurando e tecendo sem parar todas as tardes. Manuelito ficou apavorado e pensou que a sua vida tinha acabado.
Isaías chegou radiante da biblioteca nesta mesma tarde em que Manuelito se sentiu morto na alma, o menino com nome de profeta bíblico carregava os volumes de Mitologia Grega e as obras completas de escritores italianos, incluindo a Divina Comédia de Dante, que ele leu com voracidade. Isaías conheceu Manuelito no dia seguinte e disse que ele parecia estar indo para uma sessão de tortura, que teria que dar um jeito de ter prazer na leitura, pois ali isto seria exigido em demasia, o regime de vida beneditino era muito reconhecido pela excelência intelectual, e a indolência mental de Manuelito agora estava diante de algo avassalador, o intelecto cultivado dos beneditinos.
Os monges que ficavam lá por mais tempo, e que já ajudavam o abade Antonino com tarefas pré-determinadas, eram Gianluca, que havia chegado àquela abadia há 15 anos, e agora era um profundo teólogo paulino e estudioso da vida de São Bento e da vida dos santos, ele estava escrevendo um grande compilado chamado “Vida dos Santos” e teve um encontro com o Papa Pio VII, que lhe teceu grandes elogios pelo empenho e estatura intelectual conquistada. O abade Antonino tinha toda a confiança em suas tarefas espirituais, intelectuais e manuais, pois Gianluca dominava também a panificação e trabalhava arduamente na produção de cerveja, bebendo muitas vezes na companhia do abade Antonino, junto com três outros monges também já mais escolados, que eram Albertini, Federico e Gianni.
Estes monges eram todos crias de uma Roma secular, mas que tinham sido resgatados para uma vida espiritual, Gianni tivera os mesmos problemas de comportamento que alguns garotos que acabavam de chegar na abadia, seus pais chegaram ao então abade da época, que morreu poucos anos depois, com a mesma e velha ladainha de salvarem a alma daquele jovem profano, Gianni teve dificuldades de se adaptar à vida monástica nos primeiros anos, mas de uma hora para outra teve um despertar e virou um azougue intelectual, só não sendo páreo para as pesquisas mastodônticas empreendidas por Gianluca.
Gianluca também estava escrevendo uma obra tomista, e sua pesquisa sobre a Summa Teologica já lhe rendera meses de meditações e leituras, uma exegese infinita de conceitos de São Tomás de Aquino lhe tomava o tempo, e não se sabia como ele conseguia dar conta de todas as outras atividades obrigatórias da abadia e outras nas quais ele se imbuia por um tipo de curiosidade ilimitada. Gianni, que tomara gosto já há um tempo pelas questões intelectuais, e pesquisava incansavelmente, não conseguia acompanhar o apetite mental de Gianluca, suas especulações tomistas eram tímidas perto dos estudos que Gianluca já fazia. Antonino, que era mais teólogo que filósofo, era mais um estudioso bíblico do que de Patrística e Tomismo, a prova ontológica de Santo Anselmo, por exemplo, lhe parecia um objeto tão estranho quanto a filosofia pagã, ele frequentemente tinha que consultar Gianluca ou Gianni quando tinha que aplicar a filosofia cristã em alguma instrução sua, ao passo que Federico era mais um pândego do que um estudioso, o seu intelecto beneditino era bem cultivado, porém, ele fazia mofas sobre todas as coisas e nunca fizera uma pesquisa intelectual séria sobre nada. Antonino, por seu turno, agora estava ocupado numa listagem insana de heresias, uma tarefa ordenada pelo cardeal Heringer, pois agora todas as ordens religiosas deveriam estar cientes de uma lista atualizada de heresias e aplicar ao regramento de convivência dos monges e monjas.
O professor que ficaria encarregado de disciplinar os novos membros da abadia deveria ser Gianni, ele teria que travar conhecimento e fazer duras entrevistas com Manuelito, Giorgio e Felippo. A primeira entrevista foi logo com Manuelito, que passou por duras provas disciplinares e um interrogatório impiedoso, Manuelito teria de expurgar todas as suas tendências indolentes e a sua frouxidão moral adquirida numa vida urbana dissipada. Gianni conhecia toda aquela história, pois também tinha feito traquinagens antes de ingressar na vida monástica, mas agora virara um inquisidor, um arauto de virtudes e de dureza moral, o mal que acomete ex-devassos que passam a perseguir os espelhos de seu passado. O mal da dureza moral que é um vício da virtude ou da suposta virtude absoluta, que é vã e quimérica. Manuelito saiu da sessão com Gianni querendo matá-lo.
Giorgio foi interrogado e teve que enfrentar uma série de exemplos de situações em que teria de tomar decisões éticas, Gianni fez várias armadilhas para Giorgio, que começou a gaguejar e a suar frio, logo Giorgio teve que fazer exercícios de memorização de orações que deveriam estar prontos em uma semana, o castigo se ele não conseguisse memorizar as tais orações com perfeição seria a de ficar uma semana inteira em uma cela de reclusão sem direito a sair, fazendo as necessidades numa bacia com água que seria trocada de seis em seis horas, e receberia as suas refeições por debaixo da porta, apenas o café-da-manhã, almoço e janta, sem lanches da tarde. Felippo, por sua vez, tentou fazer troça das perguntas de Gianni e recebeu uma punição de ter que varrer toda a abadia em silêncio e limpar todas as latrinas e bacias com necessidades de todos os monges por três semanas seguidas.
Depois destas sessões, que duraram uma tarde inteira, Gianni se dirigiu ao abade Antonino, que recebeu o relatório para que fosse cotejado pelo abade, ele respondeu no dia seguinte e prescreveu doutrinas específicas para cada um dos meninos, Gianni seria responsável por ensinar os três o que cada um precisava, segundo o parecer de Antonino, para aquele momento, em que eles eram novatos na abadia. Antonino exigiu resultados rápidos de Gianni para aqueles meninos, pois isso tinha sido uma ordem expressa de suas respectivas famílias, e no caso de Manuelito, a sua única salvação, pois tinha sido expulso de sua família espanhola, estava deserdado e teria que dar conta de si mesmo.
Federico ouviu as impressões de Gianni e fez galhofas com aquilo tudo, lembrou que conhecera Gianni na entrada da abadia e que os dois pareciam pivetes perdidos agora num novo mundo terrível, frio e desolador, a vida monástica, e que Gianni estava muito endurecido, teria que reaprender com ele, Federico, algumas outras coisas, a vida contemplativa era mais interessante se fosse um relaxamento espiritual, mas Gianni se irritou e disse que Federico tinha estacionado intelectualmente em algum setor perdido chamado comédia bufa para histriões.
Isaías continuava seu caminho intelectual que parecia ser nutrido pela mesma curiosidade avassaladora que nutrira Gianluca, a sua proximidade natural com este monge não veio ao acaso, e uma certa aversão da moralidade arrogante de Gianni era na alma de Isaías algo que vinha intuitivamente, a sua formação seria sólida, e a sua sorte era ter sido agraciado pela providência com uma intuição poderosa que lhe indicava exatamente o que fazer e o que não fazer. Ele conhece Manuelito e se interessa genuinamente por suas histórias, pois era diferente do que ele tinha vivido, a sua vida tranquila antes de ir para a abadia contrastava com o relato caótico que Isaías ouviu de Manuelito assim que o conheceu. Isaías se deu bem com Manuelito, mas os dois eram bem diferentes, havia uma curiosidade de que toda aquela história de Madri poderia ser recuperada, que a vida de Manuelito não estava perdida, e seu desespero era compreendido por Isaías como produto direto do veneno que se espalhava na abadia com a presença monolítica do monge Gianni.
Felippo, nesta sua primeira semana, com a sua punição, limpava silenciosamente toda a abadia, quando foi limpar as latrinas e as bacias cheias de merda com água, a sua raiva de Gianni explodia em seu silêncio, a sua vontade era de gritar, contudo, ele recebeu orientações do monge Gianluca, que tinha uma sagacidade e presença de espírito que logo percebera o perigo daquela situação, parecia que depois de uma breve conversa com Gianluca, as luzes e o ânimo de Felippo tinham sido reanimados, a inteligência de Gianluca passava do plano intelectual para o emocional com a mesma habilidade e sofisticação, ele era uma espécie de reserva espiritual de toda a abadia, contrastando com o rigor oco de um Gianni envaidecido com a própria fúria religiosa, ele que tinha sido um menino tão perturbado quanto um Manuelito, e também tinha feito coisas parecidas com as que Felippo tinha feito antes de ingressar na abadia.
Giorgio passa uma semana tentando memorizar as orações prescritas pelo monge Gianni, ele consegue repeti-las à exaustão, mas, quando chega na hora do teste, ele vê Gianni, fica nervoso, e na hora de citar as orações de memória, confunde tudo, leva uma surra de palmatória e vai para a cela ficar uma semana de reclusão, lá ele deveria aproveitar o seu tempo para tentar memorizar as orações, que tinham sido acrescentadas de outras, e em sua cabeceira teria uma Bíblia que ele deveria começar a ler obrigatoriamente. Antonino sabia dos métodos de Gianni, e parecia aprovar de certa forma, pois tinha sido formado por um abade que era bem violento na hora de disciplinar os monges, aquilo parecia normal para o abade Antonino, sobretudo com novatos dissipados. Contudo, a sua verdadeira admiração ia na direção de Gianluca, devido à estatura intelectual deste monge, que era algo inaudito na história daquela abadia.
Gianni, depois de ter dado uma surra de palmatória em Giorgio, e de ver Felippo numa postura humilhante limpando merda de monge por três semanas, agora abre um vinho numa das adegas da sacristia e conversa calmamente com o monge Albertini, que era o monge contemporâneo seu com o qual ele tinha mais proximidade, uma vez que desdenhava do humor infantil de Federico, e tinha uma certa inveja de Gianluca ser mais inteligente que ele, uma vez que Gianni tentava de todas as formas alçar graus em sua formação intelectual, mas sempre se deparava com um Gianluca a anos-luz de seus inúteis esforços, e para seu ego agressivo, aquilo lhe calava como um soco em suas pretensões.
Albertini não tinha as ambições intelectuais de Gianni e nem os dons naturais de Gianluca, ele era mais um perverso, que se divertia com os relatos de humilhações que Gianni agora lhe relatava e disse a Gianni que este Felippo teria que ver toda a merda que era uma vida dissipada que levara cheirando agora a vala fétida de todos os seus pecados, eles riam e bebiam o vinho da adega, e no fim da tarde já estavam bêbados, Antonino chega e diz para os dois se recolherem na noite, pois aquilo já bastava, agora faltava dar no dia seguinte as primeiras ordens para Manuelito.
Isaías termina aquela noite com a imaginação ardendo ao ler A Divina Comédia de Dante e começa a ensaiar escrever uns versos, no dia seguinte pega um volume de Petrarca e mergulha de cabeça na poesia clássica, ele aproveita o ensejo e leva A Odisseia e A Ilíada de Homero e um volume crítico sobre o poeta latino Horácio. A sua fome de leitura só era incomodada quando tinha que fazer as orações e os trabalhos manuais, de resto, estava sempre lendo vorazmente.
Felippo, que tinha sido tranquilizado por Gianluca, agora se via diante de uma aversão à presença de Gianni, mas no dia seguinte se depara com as ironias maldosas do monge Albertini, e tenta controlar a raiva, pois Felippo estava segurando uma vassoura e tinha um balde de água com bucha, ele pensou em atacar aquele monge maldito com vassouradas, mas pensou que poderia ser mais castigado ainda, e teve que engolir todas as provocações de Albertini, este monge patife que depois foi cuidar do jardim e conversar com Federico, que seria o seu companheiro de trabalho durante aquele dia.
Por sua vez, Giorgio se encontrava num estado deplorável em sua cela fechada e fazendo esforços hercúleos tanto para ler a Bíblia como para memorizar orações, a sua indolência agora estava sendo testada como nunca, e seu ânimo tinha desaparecido, este seu esforço vinha de uma pura obrigação e instinto de sobrevivência, pois não via a hora de poder ir para o jardim da abadia e respirar ar puro e aproveitar a luz solar do dia, pois na sua cela predominava uma penumbra gelada e sem vida. Giorgio passaria aquela semana confinado e recebendo refeições insossas, feitas sob medida para quem estava passando por punições na abadia.
Isaías fazia as suas leituras, e entre estas suas atividades, conversou novamente com Manuelito, e muito, o monge Gianluca começou a orientar os dois meninos sobre comportamento e fez alertas sutis sobre Gianni e Albertini, que era para os dois abrirem os olhos e não darem sopa para o azar, pois o abade Antonino não os protegeria de nada, havia ainda uma tradição entranhada naquela abadia que tinha o fetiche das obrigações e punições e que Gianluca até então lutara inutilmente para mudar ou ao menos amenizar, mesmo tendo a plena simpatia do abade Antonino, uma vez que este velho abade tinha sido educado naquele regime interno e violento de um outro abade antigo, e antes de ter ingressado na abadia, passara por um colégio secular interno em que os castigos corporais eram comuns.
Gianni agora estava encarregado pelo abade Antonino de passar as doutrinas que Manuelito deveria ler e estudar, pois Manuelito faria uma primeira avaliação sobre conhecimentos bíblicos, e teria cinco semanas para ficar estudando, enquanto também teria que cumprir uma rotina rígida de afazeres na alfaiataria, contudo, com sorte, pois a direção da alfaiataria cabia a Gianluca, que era tanto um intelectual como um homem de senso prático, e não deixava escapar nada de seu escrutínio, a sua disposição para atividades simultâneas era impressionante e o controle que ele exercia sobre tudo vinha mais de uma postura convincente do que autoritária.
Os trabalhos sobre heresia de Antonino avançavam e ali perto, na igreja Sant`Ambrogio Alla Massima, na Via Di Sant`Ambrogio, as freiras chegavam e ocupavam as celas e os quartos, sob a liderança da abadessa Maria Agnese Firrao, ela e suas freiras franciscanas começavam a delirar em misticismo e lesbianismo, e uma aura de santa começava a cobrir a abadessa Firrao, que era mais uma charlatã e impostora, que fazia seu mercado próprio da fé, do que uma mulher pia e séria que de fato liderasse uma igreja de ordem franciscana, que tinha as suas responsabilidades, e parecia que ali tinha virado um antro de sexolatria e devassidão assim que fora ocupada pela liderança perversa da abadessa Firrao.
A abadessa, assim que assumiu o comando da igreja Sant`Ambrogio Alla Massima, tomou providências de disfarçar a rotina que ali se estabeleceria para o poder papal, Pio VII. Um bispo teve um dia por lá, e toda a arrumação foi feita, as orgias que já duravam noites tiveram que ser interrompidas, o bispo passaria o dia todo fazendo vistorias com a sua equipe. Eles ficaram felizes com a organização da igreja, nem parecia que a abadessa Firrao havia liderado um grupo de ninfomaníacas nas semanas que tinham passado, de suas três escravas sexuais, as freiras franciscanas Margarita, Emília e Rosa Maria, novatas na entrada da ordem franciscana feminina, já com tendências ao lesbianismo desde que eram crianças. A ordem beneditina que havia saído daquela igreja deixara para trás uma biblioteca vasta ali, mas, a abadessa não era muito culta, a sua relação com as letras era inexistente, somente Margarita cuidava daquilo, e passou a deixar que alugassem alguns dos livros desta biblioteca, outros livros sumiram, foram furtados, entraram cupim, nada era feito. E Firrao vendeu algumas relíquias da igreja, incluindo livros raros que os beneditinos haviam deixado por lá, ela juntou uma boa quantia de dinheiro e viajou por três semanas para Florença, foi junto com as freiras Rosa Maria e a Emília, a sua preferida na hora de alcançar o orgasmo. Lá se imagina que as três ficaram horas em sessões que lembrariam um romance do Marquês de Sade. O clitóris de Firrao era enorme, mas o da Emília explodia, a Firrao nunca ficou tão louca na vida.
Margarita ficou junto com o bispo, despistando ele e sua equipe na vistoria, falsas relíquias foram colocadas no lugar das antigas para não revelar o desvio feito por Firrao, a biblioteca não era tão interessante na vistoria, as questões de higiene passavam mais pelos estoques de comida e equipamento de limpeza, se tinha ratos e baratas, e se os quartos estavam em tom austero, como manda a ordem doutrinária papal, contudo, edições fajutas foram colocadas na biblioteca para disfarçar que muitos livros raros já tinham sido vendidos pela abadessa Firrao. Emília despertara o interesse de um cônego que acompanhava o bispo, eles transaram num anexo do jardim da igreja, o bispo nem desconfiou de nada, Emília manteria contato com este tal cônego, que era mais um malandro que vivia da renda da Igreja do que um vocacionado, sua índole era mais perversa do que a de Emília, e os dois se entenderam rápido. Este cônego viria uma noite por semana na igreja Sant`Ambrogio Alla Massima só para ver Emília, despertando os ciúmes da abadessa Firrao, que se sentia dona de suas freiras franciscanas.
Emília era a freira mais esperta que acompanhava as ladroagens e argúcias da abadessa Firrao, e havia uma disputa de atenção de Emília e Rosa Maria pela abadessa, era uma disputa tanto por poder como pela fortuna da igreja, e que Firrao estava torrando com orgias com prostitutas de Roma e com viagens com suas freiras preferidas, e Firrao começava a forjar milagres para ficar com fama de santa em Roma. Margarita, por sua vez, se apaixonara por uma outra freira mais nova, Mônica, que queria se aproximar da abadessa Firrao só para poder viajar. Mônica andava com duas outras freiras novas, Larissa e Vanessa. As meninas lésbicas estavam com um apetite que era superado somente pela fúria uterina da abadessa Firrao que, se pudesse, faria uma coleção de freiras franciscanas para guardar em seu quarto. Por sua vez, a preferência de Firrao por Emília só cessaria com a chegada de Carina, uma freira franciscana nova que se tornaria a mais bonita da igreja Sant`Ambrogio Alla Massima, Firrao logo reivindicou direitos sexuais exclusivos sobre a tal freirinha Carina, que se aproveitou de Firrao para fazer viagens e extorsões, esta Carina então superava com sobras a perversão da freira Emília. As visitas do cônego, por sua vez, agora juntavam tanto Emília, como Carina, que ficou amiga de Emília e também era bissexual. O cônego, que era um priápico e sem vergonha, aproveitou aquilo tudo e enganava o episcopado com desculpas esfarrapadas para dar os seus pulos. Por sua vez, os falsos milagres de Firrao se propagavam em Roma, e o episcopado, sob a direção de um bispo romano de nome Benito, decide abrir uma sindicância, pois algo lhe dizia que aquelas histórias que estavam correndo em Roma eram escandalosas demais para serem verídicas, parecia uma busca por fama desenfreada desta abadessa, e algo não lhe cheirava bem, Benito procedeu para organizar a sindicância, pois tudo parecia um sensacionalismo de Firrao. Benito não tinha muita pena de gente desonesta, na verdade, ele poderia ser bem cruel com estas pessoas.
Seguiam os trabalhos na abadia Benedicti Clausura, Antonino já concluía a sua listagem de heresias para prestar contas ao cardeal Heringer, este cardeal tinha contatos em toda a esfera católica italiana e alemã, e já tinha sido alertado pelo bispo Benito de que algo não ia bem na igreja Sant`Ambrogio Alla Massima, Firrao agora estava recebendo o monge Federico, que ficou sabendo das histórias que aconteciam nesta igreja da abadessa tarada e quis ver aquilo de perto, e logo se encantou com a freira franciscana Mônica, uma lésbica que de vez em quando ficava com homens, os dois foram para um anexo depois da grande cozinha da igreja Sant`Ambrogio Alla Massima e fizeram sexo oral e tudo o mais que se possa imaginar, o pândego saiu contando vantagem e voltou para a abadia Benedicti Clausura tirando um sarro com Gianni, dizendo que tinha descoberto o verdadeiro paraíso, e que era para o monge Gianni relaxar e parar de bater em meninos ladrões, que Gianni estava ficando doente e logo viraria um daqueles inquisidores meio Torquemada com Savonarola, então Gianni tentou delatar o pândego Federico para o abade Antonino, só que este ironizou e disse para Gianni terminar o seu trabalho de doutrinação dos novos monges da abadia, e ficou por isso mesmo.
Benito então instala a sindicância, enquanto isso numa noite saem os monges Federico, Gianluca e Albertini para a igreja Sant`Ambrogio Alla Massima para encontrar com a abadessa Firrao, lá eles se esbaldam com Emília, Mônica, Larissa e Rosa Maria, todas ficam meio alquebradas de toda aquela noite maluca, e Gianluca disse que voltaria lá em uma semana, no que Federico dá uma gargalhada cheia de decibéis e disse que também voltaria em uma semana, enquanto Albertini ficou com medo daquilo ser descoberto e falou que não voltaria para a igreja Sant`Ambrogio Alla Massima. Os passos da sindicância do bispo Benito começam a dar passos largos e precisos, e já se sabia que a abadessa Firrao era uma charlatã que produzia falsos milagres em busca dos holofotes e mais nada.
Benito recolhe informações sobre os milagres forjados pela abadessa Firrao, ele estava cada vez mais perto da verdade e seu faro não lhe enganava, esta abadessa era uma charlatã descarada e ele sabia disso, só faltava provar com todas as letras, e a sindicância estava no caminho certo para isto. Sua equipe toma testemunhos de algumas pessoas que sabiam das mentiras inventadas pela abadessa e tudo estava ficando nos conformes para colocá-la na prisão, Benito sabia que faltava muito pouco para toda aquela história ficar à luz do dia, do jeito que ele gosta, e colocar as coisas nos seus lugares. Firrao se achava muito esperta, mas este é o problema dos que se acham muito espertos, a húbris lhes trai com as consequências de seus atos, a falha da húbris, em geral, vem de um cálculo que se superestima e cai na própria pretensão. Firrao já tinha deixado para trás vários furos, e a sindicância comandada por Benito estava ligando todos os pontos ao mesmo tempo para dar o flagrante. O cardeal Heringer era constantemente informado dos trabalhos da sindicância feita por Benito, e também concordava com o bispo de que tanto barulho em Roma em torno do nome desta abadessa não cheirava bem, tudo que faz muito barulho é porque não é verdadeiro, e tanto o bispo Benito como o cardeal Heringer tinham esta mesma sensação, eles estavam lidando com mais um caso de charlatanismo envolvendo membros da Igreja. Estes casos manchavam o nome da Igreja, e o amor pela verdade unia os esforços tanto do bispo Benito como do cardeal Heringer, este que agora já informara o Papa Pio VII, que disse para preparar o flagrante quando todos os elementos relevantes sobre o caso de charlatanismo estivessem reunidos. O Papa Pio VII disse que queria ver aquela abadessa na prisão assim que possível. Enquanto Maria Agnese Firrao fazia mais uma viagem cara, nababesca, agora junto com Emília e Carina, despertando os ciúmes de Rosa Maria, que queria herdar a liderança e influência da abadessa, mas agora se via preterida pelo fascínio de uma Carina cheia de ardil e beleza. Emília, por sua vez, já dominava as paixões de Firrao com sobra, e nem se preocupava com nada, pois ela e Carina tinham se dado bem e já tinham se divertido horrores com o tal cônego priápico. Maria Agnese Firrao se julgava muito esperta e nem desconfiava que seu nome e ações já circulavam pela boca do episcopado de Roma, com a sindicância do bispo Benito, com a atenção desperta pelo cardeal Heringer, e principalmente, agora com as orientações do Papa Pio VII para capturar a charlatã, dito isto tudo, o fato é que nem passava pela cabeça da abadessa que as suas aventuras já estavam por um fio. A abadessa se sentia no auge de seu poder e com a displicência típica de quem perdeu a noção da própria capacidade e tamanho, de sua eventual vulnerabilidade, era o caso conhecido de uma esperteza estelionatária que é pega exatamente em sua ostentação. E como dizia o Conselheiro Acácio, personagem do romancista Eça de Queiroz, as consequências vêm depois, este era o caso para o que viria a ocorrer com a abadessa Maria Agnese Firrao.
Benito já estava para concluir toda a sindicância assim que a abadessa voltasse de sua viagem, e tudo já tinha sido monitorado por esta equipe de Benito, que concluiu que, além dos casos de falsos milagres, a abadessa liderava orgias entre as freiras franciscanas, e que a abadessa exercia uma espécie de liderança e subjugação sexual para o seu próprio prazer ilimitado. O cardeal Heringer disse que a sindicância de Benito já poderia se dar por concluída e expediu junto com a justiça romana a ordem de prisão da abadessa Maria Agnese Firrao, que seria consumada no retorno de sua viagem às custas do tesouro da Igreja, o que também indicava malversação do erário católico que, evidentemente, não se prestava para tais fins privados. Uma vez relatada a malversação ao Papa Pio VII, este disse que a detenção da abadessa era urgente e imediata, ela teria que ser punida exemplarmente. A justiça romana então acionou a polícia para fazer a prisão de Firrao na sua chegada à igreja Sant`Ambrogio Alla Massima de mais uma viagem ilegal, e já estava tudo pronto para a ação de detenção da abadessa. O título de abadessa também seria cassado pelo Papa Pio VII e seria feita a sua excomunhão.
Chega a manhã em que a abadessa voltava de mais uma viagem, ela vem acompanhada de Carina e Emília, quando as três chegam à igreja Sant`Ambrogio Alla Massima, cerca de onze da manhã, Firrao, a abadessa displicente, é supreendida pela polícia que já se encontrava dentro da igreja, uma vez que a freira Mônica, que estava responsável pela igreja, tinha sido obrigada a deixar os policiais entrarem, pois o comandante tinha uma expedição da justiça romana, e ali a abadessa sai presa, Emília e Carina, que estavam juntas da abadessa na viagem, são indiciadas, mas ficam livres, elas perdem o título de freiras franciscanas e são expulsas da Igreja Católica, ficando abandonadas à própria sorte, pois não sabiam fazer nada, e a abadessa Maria Agnese Firrao tem seu título religioso cassado, também sendo expulsa da Igreja Católica e é condenada à reclusão em regime fechado por quatro anos, sem progressão de pena. Maria Agnese Firrao, mesmo estando em uma situação vexatória, manteve uma empáfia e arrogância durante todo o seu julgamento e condenação, ela, já na prisão, recebeu a excomunhão do cardeal Heringer, com a assinatura do Papa Pio VII, e o cardeal passou uma carraspana duríssima na ex-abadessa, e então parece que a empáfia virou desespero logo em seguida, ela já estava vendo um futuro nebuloso pela frente e seu nome já estava conspurcado definitivamente em toda a Roma católica. Benito, por sua vez, junto com outros bispos e a sua equipe da sindicância, comemorava a prisão da ex-abadessa bebendo bastante vinho e festejando.
Enquanto a igreja Sant`Ambrogio Alla Massima era reformada na sua liderança, com o intuito de desfazer a devassidão reinante pela presença nefasta e corrupta da ex-abadessa Firrao, que agora teria como abadessa a freira Margarita, já se tramava entre Maria Agnese Firrao e a freira Mônica, uma correspondência epistolar clandestina para manter a liderança espiritual da igreja Sant`Ambrogio Alla Massima ainda sob o poder da ex-abadessa, que conseguiu, nos anos seguintes, manter oculta esta correspondência, e a sua viva influência sobre aquelas freiras franciscanas, mesmo estando cumprindo uma pena de prisão, o que passou batido pela Igreja que, após a sindicância bem sucedida liderada pelo bispo Benito, deu o caso por encerrado, subestimando as artimanhas e a argúcia da ex-abadessa. Firrao era cultuada como santa por aquelas freiras, e sua liderança espiritual e sexual continuava intacta na rotina das freiras franciscanas daquela igreja. Portanto, com as visitas da freira Mônica, uma liderança fajuta da então abadessa Margarita, e a influência oculta aos olhos da Igreja e sobretudo da cúria romana que, depois da investida bem sucedida do bispo Benito, nem imaginava que tinham deixado este furo na correspondência clandestina da ex-abadessa Firrao direto da prisão, o poder da ex-abadessa agora virava um tipo de culto também clandestino de uma santidade de fancaria e que crescia em fanatismo entre as freiras franciscanas da igreja Sant`Ambrogio Alla Massima.
Dentro da abadia Benedicti Clausura, por sua vez, já corria a notícia da prisão da então abadessa Maria Agnese Firrao, e o abade Antonino nem imaginava que o monge Federico tinha se esbaldado por lá, um pândego nato, que nem quando tomava vinho com o abade Antonino, dava com a língua nos dentes, e o pior é que o abade Antonino cogitaria menos ainda que o monge exemplar Gianluca também tinha feito visitas noturnas e sexuais às freiras franciscanas da igreja Sant`Ambrogio Alla Massima, e um Albertini acovardado agora era uma piada de salão para o senso de humor tosco do monge Federico, cujo passatempo com Albertini, o provocando porque desistira das aventuras com as freiras, só não superava as abordagens capciosas deste monge pândego sobre a arrogância moral cada vez mais afetada do monge monolítico Gianni que, na verdade, soava pura hipocrisia para o monge Federico que, ao fim, tinha sempre uma sensação esquisita diante de Gianni, este monge prepotente angustiava um pouco a alegria aparvalhada de Federico, que nunca parecia estar triste, sempre tinha um chiste na manga para tudo.
Gianluca, nestes dias que se seguiram à prisão da abadessa Firrao, manteve contatos com a freira expulsa Carina, depois resolveu ir novamente à igreja Sant`Ambrogio Alla Massima, aonde se amassou vorazmente, desta vez, com a freira Larissa, e Mônica, meio ressabiada, deu umas investidas no tal monge intelectual, sem sucesso, ele agora estava hipnotizado pela freira Larissa, esta que também não lhe largava enquanto ele estivesse lá e não na Benedicti Clausura, foi quando ele depois retornou à tal abadia e contou a história para Federico, este riu muito, mas lamentou com mais um chiste o fato de não ter sido convidado para a festa. Numa outra semana, quem aparece na porta da Benedicti Clausura é a própria freira Larissa, quem vê primeiro é o monge Federico, que vai logo chamar Gianluca, este vai para fora da abadia e fica preocupado, que não era para a freira estar por lá, naquela hora, com o sol da tarde a pino, que estava ficando louca, e Larissa agarra Gianluca, os dois caminham desajeitados pelos corredores da abadia, no meio do caminho na direção da cela de Gianluca, o monge intelectual dá um jeito de esconder Larissa atrás de uma estátua de Santo Ambrósio, quando aparece o abade Antonino passando distraído, que cumprimenta Gianluca e vai para a sua sacristia para orar por três horas seguidas, que seria o tempo certo para Gianluca e Larissa fazerem sexo e darem as suas galimatias até antes do retorno do velho abade de suas orações rotineiras.
O trabalho doutrinário de Gianni sobre os novatos da abadia, que tinha sido designado pelo abade Antonino, agora também seria avaliado pelo próprio abade, pois já tinha se passado seis meses desde aqueles episódios iniciais da chegada dos garotos à abadia Benedicti Clausura, e os castigos iniciais pareciam ter contido a mofa de Felippo e o ímpeto de Giorgio, enquanto Manuelito escapara de tudo com fraudes ocultas que o monge Gianni nem percebera e que o menino espanhol só tinha revelado para o seu amigo Isaías, que ficava rindo de tudo o que Manuelito fazia, pois a vida tranquila de Isaías e seu pendor contemplativo não lhe davam aquela astúcia do “Manolo”, lhe bastava a diversão que Manuelito proporcionava para aquela rotina dele de leitura famélica. Ele pensou então que o monge Gianni na verdade era um tapado que achava que mandava em tudo, e estava adorando as trapaças de Manuelito com o monge inquisidor. Giorgio sofrera uma verdadeira avalanche de memorizações de orações e trechos bíblicos, as humilhações sobre Felippo deram apenas o resultado dele parar com mofas e engolir uma raiva animalizada a seco e que poderia explodir a qualquer instante sobre o nefando monge Gianni. Manuelito passara por todos os testes incólume. Antonino recolhe o documento probatório das avaliações feitas por Gianni e um relatório geral e elogia os resultados do trabalho realizado por Gianni, Antonino se surpreende positivamente com as notas elevadíssimas do menino Manuelito sem nem cogitar que se tratavam de seguidas fraudes do menino espanhol e que Gianni engolira que nem um pato. Dentre as fraudes de Manuelito foi ter copiado à mão vários gabaritos de provas que se encontravam nos arquivos da abadia e que Manuelito obtivera as chaves depois de uma incursão no escritório do abade Antonino e fizera uma cópia da chave e também recolheu outros documentos, como uma cópia que se referia a uma carta de sua família espanhola autorizando a sua tutela pela abadia Benedicti Clausura e a exposição prolixa das razões dele ter sido deserdado e proscrito pela família.
Gianluca agora já estava praticamente tendo um caso amoroso com a freira franciscana Larissa, e o culto em relação à santidade da ex-abadessa Maria Agnese Firrao lá na igreja Sant`Ambrogio Alla Massima estava cada vez mais com um verniz místico de loucura religiosa das piores, a afetação daquelas freiras só aumentava a cada dia que passava e a condução fajuta da então abadessa Margarita transformara aquele centro franciscano feminino num antro mais imundo do que na época em que Firrao ainda estava em liberdade, e as correspondências que a freira Mônica trazia da prisão com instruções da ex-abadessa não ajudavam muito, pois fomentavam o caos e a desídia intensamente e com um tipo de energia espiritual que só se comprazia neste estado de entropia e demolição de tudo ao mesmo tempo. Um ano depois, com a morte da ex-abadessa por tuberculose, o culto em relação à sua santidade se tornou ainda mais afetado e disparatado, a liderança lânguida de Margarita não dava mais conta de nada, e a igreja passou a ser comandada pela nova abadessa, Mônica, pois esta tinha tido proximidade com Firrao durante a sua prisão, e Margarita passou a um cargo auxiliar devido à incompetência notória de sua condução, que já tinha dado na vista do papado.
Antonino, depois de quase um ano, termina a listagem das heresias e entrega ao cardeal Heringer, este multa o abade pelo atraso da entrega, pois o abade estivera assoberbado em diversas outra atividades e todos os monastérios e abadias deveriam cumprir à risca as instruções dadas pelo papado, através da mediação e comando do cardeal Heringer, e quem descumprisse as regras e os tratados estipulados sofreriam sanções de diferentes intensidades de acordo com o problema identificado, no caso do abade Antonino, além do atraso da listagem, houve 34 erros de revisão e 15 fundamentações insuficientes, segundo a comissão julgadora da cúria romana. No caso da igreja Sant`Ambrogio Alla Massima, depois da administração leniente da abadessa Margarita, o trabalho de elencar heresias, que tinha passado de Firrao para ela, nem tinha começado, a nova abadessa Mônica fez um arremedo que não significava nada só para entregar à comissão avaliadora do cardeal Heringer, e em nome do Papado, depois de indeferir aquele rascunho tosco feito pela abadessa Mônica, com assinatura do próprio Papa Pio VII, foi nomeada uma interventora que ficaria naquela igreja por dois anos para impor a ordem naquela igreja franciscana feminina que tinha virado um antro de desídia e parvoíces. A interventora era uma velha freira austríaca, ultraconservadora, de nome Elsa Schneider, que levou a administração da igreja Sant`Ambrogio Alla Massima com mão de ferro por dois anos em que as tais freiras fanáticas do culto da santidade da ex-abadessa Firrao tiveram que se comportar exemplarmente, sendo que o culto à imagem de Firrao ficou adormecido nesses dois anos, e quando terminou o mandato da interventora, o papado não viu necessidade de prorrogar por mais dois anos a intervenção, e em poucas semanas, com a abadessa Mônica de volta ao cargo de chefe espiritual da igreja, todo aquele fanatismo afetado e aparvalhado em torno da imagem e da santidade da ex-abadessa Maria Agnese Firrao retornara com mais força, e com a abadessa Mônica cultivando um tipo de idolatria em torno de Firrao que, depois de morrer tuberculosa na prisão, teve a idealização de sua imagem levada aos píncaros. A abadessa Mônica resolveu contratar uma gráfica para editar as cartas que Firrao havia escrito na prisão, e ela escreveu uma introdução sobre a sua santidade, ela armou um lançamento em uma livraria de Roma, mas aquele culto era mal visto pela cidade, parecia a publicação feita por um louco destinada a idiotas e a tal publicação das cartas da “santa” foi um retumbante fracasso, vendas pífias, e depois veio a cobrança da gráfica sobre os exemplares que encalharam, um prejuízo pago pelo tesouro da Igreja Católica que se viu obrigada a multar a igreja Sant`Ambrogio Alla Massima e exonerar a abadessa Mônica, que foi substituída por uma abadessa mais jovem e inteligente, Maria Luísa, e que teria um tipo de ascendência sobre aquelas freiras que só teria paralelo ao culto à santidade da ex-abadessa Firrao, e que a própria Maria Luísa incutia dentro da igreja para manter a sua dominação espiritual e benefícios materiais de seu cargo eclesiástico.
Alegando uma viagem religiosa até Jerusalém, o monge Gianluca despistou o abade Antonino e viajou por duas semanas com a freira franciscana Larissa pelo sul da França. Enquanto isso, as humilhações de Gianni sobre Felippo eram contínuas, e o agora jovem monge já planejava matá-lo, mas não encontrava coragem suficiente para virar um assassino. Antonino redobra a atenção sobre a abadia Benedicti Clausura depois de ter recebido a multa do papado, e ficando idoso, a sua saúde pulmonar e óssea começa a decair, ele começa a andar de bengala e começa a ter muitas dores, estava cada vez mais assoberbado de tarefas e com menos energia para dar conta da administração da abadia beneditina. Antonino, ficando cada vez mais doente e fraco, decide a sua sucessão, e o nome de Gianluca é escolhido, enquanto a expectativa de Gianni se vê frustrada pela superioridade intelectual do monge Gianluca, enquanto Federico pouco ligava, pois não tinha ambição intelectual e nem de cargos eclesiásticos, ele apenas sorria de soslaio percebendo o incômodo de Gianni, que tentava dissimular a sua inveja que vinha à superfície como um tipo exangue e fracassado de empáfia. Albertini pensou que Gianni seria o novo abade devido aos esforços de Gianni na parte pedagógica da abadia, mas a preferência de Antonino em relação ao monge Gianluca sempre fora feita à luz do dia, até na própria cara do monge Gianni. Gianluca volta da viagem para “Jerusalém” e recebe a notícia do abade Antonino, já muito fraco dos pulmões e dos ossos. Depois de um ano e sete meses da notícia da futura nomeação de Gianluca, o abade Antonino finalmente cai bastante doente, vai para uma Santa Casa católica para ser internado e de lá não sai mais vivo, fica internado por treze semanas, agonizando na última semana uma luta inglória contra a morte que veio o buscar de madrugada, com o monge Gianni velando a sua última noite e sem entender a razão de não se tornar o abade da Benedicti Clausura, a sua maior ambição e o lugar para o qual ele dedicara todos os seus esforços, tudo em vão, no dia seguinte Gianluca vira abade e coloca o seu estilo de relacionamento para mudar alguns padrões rígidos reproduzidos pelo velho abade Antonino. É redigido um novo estatuto para a igreja beneditina romana e Gianni se vê bastante contrariado, e uma guerra de egos se instaura, mais da parte de Gianni do que do agora abade Gianluca, que tinha outras preocupações, e não de ficar dando conta dos pruridos internos do monge Gianni que, para ele, parecia uma imagem patética do que não fazer da vida. O fato é que o monge Gianni teve que engolir o novo estatuto, e teve que mudar alguns métodos de sua pedagogia, para a alegria de Felippo e Giorgio, enquanto Manuelito, agora com notas altíssimas fraudadas, ria junto com seu amigo Isaías da ingenuidade do monge adulto Gianni que, dentro de sua ambição eclesiástica e afetação moral, não enxergava um palmo diante do nariz quando aparecia um jovem malicioso como Manuelito, que só fazia se divertir com a série de fraudes que ele enfiou na cara do monge Gianni sem ele perceber. Manuelito, na verdade, tinha planos de fugir da abadia beneditina e voltar para a Espanha, e seu plano era se vingar de sua família. O que ele realiza poucos anos depois, quando consegue uma carta falsificada de recomendação da marinha mercante espanhola e vai para as Canárias como marinheiro mercante, com o nome falso de Juan Caballero, e ficou conhecido na embarcação em que estava pescando como Juanito. Ele volta à Madri, e tinha economias tanto de seu trabalho de marujo como do roubo que fez do tesouro da igreja Benedicti Clausura, e que era um montante considerável de ouro e moedas valiosas, em Madri ele aproveita também para vender duas dezenas de relíquias que ele também levara da igreja beneditina e funda uma empresa de fachada para lavar dinheiro. Ele entra em contato com um primo seu de primeiro grau para negociar hipotecas e a sucessão da família Herrera, que era a família que o deserdara ainda menino e que o mandara para uma vida pálida de monge renunciante em Roma. As hipotecas eram falsas e foram vendidas para a família Herrera a fundo perdido, a dívida com o hipotecário, que era Juan Caballero, teve que ser paga e a família Herrera ficou à míngua, seus pais já tinham morrido, mas Manuelito, agora como Juanito, se divertia vendo a ruína de sua ex-família, ele pega toda a quantia tirada dos Herrera e volta para as Canárias para pescar como marinheiro mercante cheio de dinheiro e depois não tivemos mais notícias de Manuelito, o “Manolo”. Enquanto isso, Felippo, cada vez mais louco, delirava em planos de como matar o monge Gianni e fugir da abadia. A abordagem insidiosa do monge Gianni sobre Felippo guardava um tipo de crueldade mal resolvida que logo explodiu numa madrugada quando o monge Gianni assediou sexualmente Felippo, que ficou irado, e numa privação dos sentidos, em luta corporal com o monge Gianni, o colocou ao pé da janela de sua cela, que ficava a cinco andares do térreo da abadia, enquanto Gianni implorava misericórdia, era socado na cara por Felippo que, depois de muitos anos engolindo tudo seco, explodia aquilo tudo de uma vez, e já com o monge Gianni ensanguentado e todo socado na cara, ele joga Gianni pela janela, que bate com a cabeça num alpendre, e em seguida o seu corpo quica numa marquise e sua cabeça logo após bate em cheio numa estaca que ficava perto de um jardim logo abaixo das janelas das celas individuais dos monges, a cabeça de Gianni é atravessada por aquela estaca e seus miolos saem pela boca, orelhas e nariz, a sua desfiguração ficou horripilante. Felippo, sem saber o que fazer, confessou que a queda do monge Gianni tinha sido feita por ele, e logo de manhã, depois da confissão, tínhamos um abade Gianluca em choque e pela primeira vez sem ter ideia do que fazer, somente sabendo que teria que entregar Felippo para a polícia para cumprir a sua pena, pois Gianni estava morto, com seus miolos para fora e a sua cara desfigurada.
A administração da abadessa Maria Luísa na igreja Sant`Ambrogio Alla Massima, por sua vez, seguia um caos, era uma gestão competente do ponto de vista financeiro, bem diferente da languidez de Margarita, só que a abadessa Maria Luísa usava a sua inteligência para ir ainda mais longe do que Maria Agnese Firrao no quesito loucuras sexuais e delírios de santidade, também começando a forjar milagres para ter fama de santa, repetindo o mesmo itinerário de Firrao, só que pior. Poucos anos depois, adentrou a igreja uma nova noviça, que era a princesa Catarina de Hohenlohe-Waldenburg-Schillingsfürst, e que percebe logo o ambiente poluído em que havia se metido e passa a fazer denúncias sistemáticas à Inquisição sobre as atividades ilícitas no interior da igreja Sant`Ambrogio Alla Massima, uma acusação importante foi relatada à revista Salon, em que Catarina alegava que a mestra das noviças, Maria Luísa, fomentava “transgressões sexuais, práticas heréticas e esquemas homicidas”. A princesa Catarina ainda ficou espantada com a veneração à abadessa Firrao e também à Maria Luísa, e esta última agora forjava vários milagres e alegava receber mensagens de Jesus e realizando rituais permitidos apenas aos padres, e dormia com várias das noviças da igreja, com transgressões que incluíam incorporação de beijos e diversos atos sexuais como o ritual de imposição de mãos, enquanto também grassava casos amorosos entre freiras e padres. Catarina, depois de ter feito as denúncias, foi vítima de uma tentativa de envenenamento. Depois da sindicância aberta pela Santa Sé, as freiras foram finalmente removidas da igreja Sant`Ambrogio Alla Massima e a Santa Sé colocou a abadessa Maria Luísa em isolamento forçado. O edifício então foi cedido pelo papa Pio IX a monges beneditinos, que o transformaram numa universidade missionária.
Por fim, depois da morte do monge Gianni e da prisão do jovem Felippo, e depois da fuga de Manuelito, Gianluca passou a ser mais rígido nos exames de admissão à abadia, pois ele tinha um jeito leve de administrar costumes e comportamentos, mas sentiu a necessidade de evitar futuros problemas, e criou um novo sistema de ensino que preservasse a tradição de excelência intelectual da ordem beneditina como um todo, também na sua abadia, a Benedicti Clausura. Isaías seria o sucessor natural do monge Gianluca, pois os dois tinham o temperamento muito semelhante, e Federico, poucos anos depois, adoece e morre, Albertini vive muito tempo, mas sempre fora irrelevante, e a abadia seguiria agora em paz numa gestão fluida do então abade Gianluca.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor. (Conto pronto em 17-11-2021).
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