A peste se expande, caio na febre montanhesa sobre estrelas fugidias, na horda que nasce deste poema, primeiro o líder montês anuncia que cortará a cabeça de seus soldados, ele está delirando uma festa, chama o sacrifício pelo seu nome próprio : a fogueira.
Vá, pois os demônios da noite tocam tambores em transe, a
noite ferina que do fogo se haure, o peito intumescido do poeta que tem
delírios na seta que lhe corta a carne, a dama brumosa que da chuva cai aos
cântaros, sua chuva torrencial de sacrifício.
Em todos os ritos que o líder manda, as estrelas caem do céu,
o vinho derrama sob as luzes da lua, rente aos ídolos de madeira, um escravo
morre na sangria, os tambores entram em frenesi, um litofone ronca, os músicos
ardem no fogo, é o delírio da noite em seu êxtase de poesia.
Agora o cinéfilo olha novamente, deste primeiro momento antes
da Suméria, a horda some no tempo, passamos aos ritos de Gilgamesh, cada vício
em todos este vítreos versos do primeiro poeta, qual um Téspis, para depois
brindar Homero em seu documento sobre os micênicos, a Ática em polvorosa, Anacreonte
e a lira.
Vamos, os beats ainda não chegaram, temos versos metrificados
e enfadonhos, troqueus e espondeus para dar em bardos na cantilena do amor
cortês, os bas-fonds ainda não eram mainstream, ainda não havia punks de
boutique.
Bruma na suada cantata, vamos, os sete sonhos da curva, as
quedas monumentais, as enormidades com que fizeram da epopeia uma saraivada de
ignomínias, cantos porosos, um vidro se espatifa, o poeta sangra, se corta, quase
morre, ele delira outro século, grita feito um touro, pede anarquia no meio
acadêmico, em vão.
Eu vejo este cinéfilo, seu elenco é só de atores amadores, seu
plano-sequência chama ao trabalho duro, seu set encanta e o roteiro é improvisado,
o diretor filma fumando, charutos Cohiba, sim, o poeta tem suas suturas, tá todo
remendado, suas cicatrizes são de quem viveu, ele pensa em se afogar, em nadar
ao horizonte, ele pensa em tudo e não tem norte, seu livro é uma miscelânea de
sonhos infantis.
Fica pronto seu livro infantil, Os Poemas da Plêiade, seus
cantos anacrônicos não dão em nada, ele vai à praia, compra badulaques, sonha,
acorda, toca violão, nada. O filme fica pronto, o diretor fuma filmando, nada
vai dar certo, seu disco é flopado como um brio que morre logo, não dá em nada
este filme improvisado emulando Cassavetes, até seu P&B ficou afetado, uma
semana em cartaz e acabou.
Ponto e final, o poema que nasce da desordem é este vício
beatnik, vento e Buda, satori e maconha, tudo em escrita automática, um furor
literário sem eira e nem beira, ah, parou, porra, que é isso? As vontades
literárias são um estrondo, vem cá, eu vi a noite quente nos tambores, desmaiei,
estava bêbado, deitei no chão, dormi, acordei, ainda era noite.
Fui ao mar, a lua estava cheia, tudo claro, o mar refletia
esta lua potente, nadei, vi tudo em um mar de esmeralda, quase saí voando, era
um sonho, acordei suado numa manhã quente, sem janelas, encastelado como uma
cobra na toca, pensei que era um tipo de bicho, vomitei.
Melhorei e peguei meu bus para mais uma aventura sem destino,
fui ao morro cantarolar com as armas, meu vício virava fumaça, vi todos os meus
conhecidos se arrebentarem, sobrevivi, este livro que deixo é só um documento
vasto feito de sangue.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Poema em Prosa – 11/10/2020
Blog : http://poesiaeconhecimento.blogspot.com
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