PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

domingo, 28 de abril de 2013

ORWELL E DISTOPIA DE 1984

"O GRANDE IRMÃO ESTÁ DE OLHO EM VOCÊ. "

  Eric Arthur Blair foi um escritor e jornalista inglês, mas escrevia sob o pseudônimo de George Orwell. Ficou muito conhecido, sobretudo, por duas obras literárias: A Revolução dos Bichos, e pelo romance distópico 1984, que foi a sua última obra antes de morrer em 1950, aos 46 anos. O livro 1984 foi publicado em 1949, e se tornou um dos mais famosos romances ingleses do século XX.
   1984 se passa numa Londres do futuro, já como principal cidade da chamada Faixa Aérea Um, terceira mais populosa das províncias da Oceânia. O mundo orwelliano de 1984 consistia em três superpotências isoladas entre si: Oceânia, onde se passa todo o romance, e as outras duas, Eurásia e Lestásia.
   Winston Smith é o personagem principal do romance 1984. Ele trabalha no Departamento de Documentação, vigiado por um sistema totalitário em seu último grau de poder pelo poder, o chamado poder puro do Partido, onde o Grande Irmão, pelas suas teletelas, vigia os passos de todos, e pôsteres colados por toda parte, mostravam a imagem de um rosto de bigode negro a olhar para baixo, e o letreiro escrito como uma voz de coerção: O GRANDE IRMÃO ESTÁ DE OLHO EM VOCÊ.
   Pois era assim que o Partido, entidade onipresente em Oceânia, exercia seu poder. Winston Smith escondia em pensamento sua contestação a tal ordem das coisas. Mas é exatamente no pensamento que o Partido e sua personificação no Grande Irmão tomam para si o poder, o que será chamado de poder puro. Não havia um projeto de sociedade, os "proletas" (proletariado) não tinham ideias políticas, eles viviam no seu mundo, quem dominava tudo era o Partido, a coletivização era em função de um projeto de poder, o viés social não existia, toda estratificação era reflexo deste mundo do Partido como poder puro.
   Winston buscava uma saída, ele estava atrás de algo que o libertasse daquilo, ouvia dizer numa tal de Confraria, onde as ideias de um ficitício Goldstein circulava como promessa de libertação do pensamento. Já que, no mundo particular de Oceânia, o Partido manifestava seu poder sob a face do Grande Irmão, enquanto o rosto de Emmanuel Goldstein, o Inimigo do Povo, surgia na tela como exemplo do que não crer. O Grande Irmão e suas teletelas vigiavam o trabalho e a rotina da população, só escapava de tal controle alguns guetos dos proletas, lugares nos quais Winston se refugiaria e conheceria Julia, uma refratária do sistema do Partido, e que simbolizava uma liberdade sexual que tinha sido esmagada pelo Partido em sua onipresença e onisciência brutal.
   O Socing (abreviação para Socialismo Inglês), a filosofia vigente da Oceânia, atuava como o agente ideológico para dominação do pensamento da coletividade. Em seu fundamento de destruição ou modificação do passado, em que toda a História anterior ao domínio do Partido é apagada, todas as informações que constituam uma espécie de memória são manipuladas pelo princípio do Socing de deformar tal memória, criando uma realidade de acordo com os objetivos do Partido. Tudo o que era pensado não pertencia aos indivíduos, tudo era pensado pelo Partido, culminando na deformação da realidade de toda ideologia, que vai resultar numa ferramenta excelente de domínio do pensamento através da linguagem: a Novafala, a qual consistirá na redução do vocabulário de Oceânia a novas palavras ideologicamente adequadas ao Partido, e na eliminação de palavras supérfluas e de outras que possam levar alguém a cometer o que se chamava de "pensamento crime".
   Todas as possibilidades de elaboração de um discurso contra o Partido seriam minadas na sua origem, a linguagem, e na Novafala, até sua conclusão final, se tornaria impossível qualquer oposição ao poder total do Partido, que era o poder sobre o pensamento e não mais sobre os corpos, a mente era o objeto de domínio almejado pelo projeto de poder do Partido em Oceânia, e que se fundava também no chamado duplipensamento, que era nada mais que pensar uma coisa e seu oposto, uma alusão de Orwell aos projetos de poder totalitários que surgiram no século XX, em que a ambiguidade era uma regra de sobrevivência e até de conduta para a perpetuação do poder, era o fundo de cinismo de todo poder total.
   Winston Smith tenta lutar contra o domínio do pensamento do Partido, mas acaba sendo capturado pela Polícia das Ideias e é levado ao falso revolucionário no qual havia confiado, O`Brien, este que era o perfeito agente do Partido, o reflexo do Socing, o próprio discurso do Socing: "A realidade existe apenas na mente humana ... não na mente individual ... A realidade existe apenas na mente do Partido, que é coletiva e imortal. Tudo o que o Partido reconhece como verdade é a verdade." (p.292, Orwell, 1984). E continua: "O Partido não se interessa pelo ato em si: é só o pensamento que nos preocupa. Não nos limitamos a destruir os nossos inimigos; nós os transformamos." (p.297, Orwell, 1984)
   Era o equilíbrio mental o objeto do discurso de O`Brien, o que queria dizer a completa destruição da individualidade e a introjeção do Partido na mente para tornar o ser dócil, alienado e mais uma peça do poder puro. O Socing era o pensamento do Partido, e a Novafala era o Socing como o instrumento de dominação da mente individual pela limitação da linguagem, que impossibilitaria, por fim, a manifestação de um pensamento individual. Tudo era questão não de submissão, mas de capturar o âmago da mente, remodelar o herege. O equilíbrio mental era a aceitação do pensamento do Partido, e aí, da aceitação nasceria a convicção, e então não haveria mais resistência da individualidade ao Socing, todos se tornavam membros do poder puro do Partido, o Socing era a ideologia, o Partido o poder puro manifestado, o Grande Irmão uma entidade onipresente e onisciente, e o domínio do pensamento teria sua efetivação total na Novafala.
   Não era a disciplina dos corpos, como se vê no micropoder de Foucalt, a ideologia do Socing e o objetivo do Partido, mas um macropoder que é o poder puro, que é, para se tornar tal, o poder sobre o pensamento, um poder muito mais radical e eficiente que qualquer submissão ou coerção conhecida dos corpos dóceis. No fim, Winston Smith passa por uma lavagem cerebral e resiste ao máximo, seu corpo também sofre, mas é sua mente que capitula e ele passa a amar o Grande Irmão.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário: http://www.seculodiario.com.br/exibir.php?id=6189&secao=14

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