“a sucessão de instruções normativas e portarias completa o processo de desmonte do combate aos crimes ambientais”
Ricardo Salles já havia se pronunciado no seu episódio
polêmico da fatídica reunião ministerial de 22 de abril de 2020, no meio da
crise da pandemia, em que o Ministro do Meio Ambiente fez a seguinte declaração
alarmante : “É passar as reformas infralegais de desregulamentação,
simplificação ... Enquanto estamos nesse momento de tranquilidade porque só em
fala em Covid e ir passando a boiada ... Ir mudando todo o regramento”.
Agora, em um espaço de 12 meses, o ministro fez 721
canetadas, o que inclui 76 reformas institucionais, 36 medidas de
desestatização, 36 revisões de regras, 34 de flexibilização, 22 de desregulação
e 20 revogações. Tivemos um grande desmonte de toda a fiscalização, e o
desmatamento aumentou mais de duzentos porcento, com o garimpo avançando sobre
as terras indígenas.
As ações de mineradores, grileiros, madeireiros e pecuaristas, tudo de forma ilegal, foram constantes e aconteceram de modo orquestrado. As ações do ministro Salles, minando e sabotando toda a estrutura de defesa do meio ambiente, com o sucateamento sistemático do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o esvaziamento do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), são premeditados de modo que não haja controle sobre tais ações predatórias e orquestradas.
Tivemos a anistia de desmatadores da Mata Atlântica, e ações como a liberação de madeira nativa pelo Ibama, houve ainda a autorização de certificação de propriedades privadas em terras indígenas não homologadas, a Instrução Normativa 9, e tivemos a transferência para o Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) do licenciamento ambiental em comunidades quilombolas.
E, por fim, no desmonte da fiscalização, de outro lado, os
cargos estratégicos dos órgãos ambientais foram progressivamente sendo ocupados
por militares, e estes ocupam lugares de especialistas como geógrafos,
engenheiros ambientais e florestais, além de biólogos.
Salles ainda barrou operações contra crimes ambientais
pessoalmente, como a do garimpo ilegal na paraense Jacareacanga, e o ministro ainda
desfez a maior apreensão de madeira já feita no Brasil.
O Supremo Tribunal Federal (STF), diante deste fato, tem uma
queixa-crime tramitando. No caso da apreensão de madeira, a exoneração do
delegado Alexandre Saraiva da Superintendência da Polícia Federal do Amazonas
causou polêmica e repercutiu na imprensa.
Nesta quarta-feira (19), o ministro e servidores do Ibama
foram alvos de uma operação da Polícia Federal, por ordem do ministro Alexandre
de Moraes, que apura crimes contra a administração pública praticados por
agentes públicos e empresários do ramo madeireiro.
A ação de Salles que resultou na queixa-crime envolve
documentos fraudados pelo ministro para autorizar a apreensão de 43,7 mil toras,
que foi objeto de uma pseudoperícia, uma cena teatral em que o ministro fingiu
que não havia problemas nas escrituras apresentadas pelos madeireiros, e os
documentos fraudados possuíam vício de origem. Salles, por fim, é acusado de
fazer advocacia administrativa e de dificultar a fiscalização feita pelos
órgãos competentes.
Salles assinou uma norma que não permite mais que um fiscal multe um infrator, pois
este terá que submeter um relatório a um superior, que será alguém a serviço de
Salles, um pelego do ministro.
Por sua vez, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) está ameaçado e os ataques ao Ibama, Fundação Nacional do Índio (Funai) e ICMBio são sistemáticos, sempre no sentido de prejudicar o
funcionamento pleno de tais órgãos, com o aparelhamento dos mesmos por
militares, e com o fito de colocar tais órgãos sob um jugo que inviabiliza suas
finalidades originais de defesa do meio ambiente.
E a sucessão de instruções normativas e portarias completa o
processo de desmonte do combate aos crimes ambientais, tendo como resultado a
derrubada do edifício regulatório do Brasil para o meio ambiente. A atuação de
Salles no nível infralegal é a sua estratégia principal de desmonte das ações
dos órgãos ambientais.
Agora temos a aprovação pela Câmara dos Deputados do Projeto
de Lei 3.729/2004, que é o texto principal do relatório do deputado Neri Geller
(PP-MT), que é a Lei Geral do Licenciamento Ambiental, e se este PL virar lei
poderá produzir recordes de desmatamento, pois libera da necessidade de
licenciamento obrigatório algumas atividades, incluindo estradas e
hidroelétricas.
“O texto aprovado é tão nefasto que, de uma só vez, põe em risco
a Amazônia e demais biomas e os recursos hídricos, e ainda pode resultar na
proliferação de tragédias como as ocorridas em Mariana e Brumadinho e no total
descontrole de todas as formas de poluição, com prejuízos à vida e à qualidade
de vida da população. Por fim, pode se transformar na maior ameaça da
atualidade às áreas protegidas e aos povos tradicionais”, alerta Maurício
Guetta, consultor jurídico do Instituto Socioambiental.
“Com a aprovação da Mãe de Todas as Boiadas, a Câmara dos
Deputados, sob a direção do deputado Arthur Lira, dá as mãos para o retrocesso
e para a antipolítica ambiental do governo Bolsonaro. É o texto da não licença,
da licença autodeclaratória e do cheque em branco para o liberou geral.
Implodiram com a principal ferramenta da Política Nacional do Meio Ambiente”,
afirma Suely Araújo, analista sênior de políticas públicas do Observatório do
Clima.
Se aprovado no Senado, o texto ainda pode ser alvo de
questionamentos no Supremo Tribunal Federal. “Se o projeto de lei que dilacera
o licenciamento ambiental virar lei, vamos entrar no STF, pois fere a
Constituição”, avisa o ex-ministro Carlos Minc, que assinou com outros
ex-ministros do Meio Ambiente uma carta contrária ao PL 3.729/2004.
O texto que aprovou o desmonte do licenciamento ambiental,
que foi um texto enviesado discutido entre ruralistas e industriais a portas
fechadas, tem o objetivo de atropelar fundamentos do direito ambiental e
representa mais um retrocesso do governo na área ambiental.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Blog : http://poesiaeconhecimento.blogspot.com
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