DATA : 12/07/2020 :
DOMINGO 22:30 H
A LEI NATURAL NO
ESTADO DE NATUREZA E NO ESTADO CIVIL
A Teoria do direito natural que precedeu a nova concepção que
fez Rousseau desta ideia considerava que este direito natural já existia
anteriormente ao surgimento das leis civis e também era anterior às convenções
humanas, e a lei natural teria fundamento na natureza humana, tão imutável como
as verdades eternas, e extrairia a sua autoridade do direito racional,
impondo-se a todos os homens igualmente.
A diferença da concepção de Rousseau sobre a lei natural vem
do fato de ele considerar que esta só é concebida após o homem sair do estado
de natureza, pois neste estado ele viveria aquém da moral, sem poder fazer
juízos, e se submeter ou não a normas e preceitos. Portanto, em Rousseau a
moralidade não poderia ser anterior ao Estado civil.
Para Locke a lei natural é válida no estado de natureza e já
se encontra inteligível a todas as criaturas racionais, donde não se exclui o
uso do direito racional. Rousseau, diversamente, coloca o homem diferente dos
animais por possuir razão, mas no estado de natureza esta razão se encontra
potencialmente, só adquire o uso desta razão ao se tornar sociável. Lembramos
que a descrição de Rousseau sobre o estado de natureza exclui o uso do direito
racional, pois neste estado ele é guiado pelo instinto.
Quanto ao uso da razão, o homem só passa a exercer este seu
espírito ao se relacionar com seus semelhantes e usar a palavra para se
comunicar, saindo da enorme distância que separa a sensação da inteligência
propriamente dita. Por fim, é com a instauração da sociedade civil que o homem
cultivará a sua razão, pois, para Rousseau, o progresso da razão e da
sociabilidade são estreitamente solidários.
O homem, quanto à lei natural, não a poderia compreender no
estado de natureza, pois esta tem preceitos que se confundem com as máximas do
direito racional, pois a lei natural, na sua forma racional, só aparece com a
vida social e com o uso da razão que esta sociabilidade proporciona, as máximas
da razão só são conhecidas com o uso da razão. A consciência da lei natural
supõe o desenvolvimento da sociabilidade.
A primeira lei conhecida pelo homem é a lei civil, mas, ainda
assim, a lei natural lhe é superior. O Estado não se configura como autoridade
suprema na área da moral. Para Rousseau, por sua vez, coloca o respeito à lei
natural como um dos limites para o poder soberano, portanto, temos que a lei
civil não pode contrariar a lei natural.
Esta concepção de Rousseau é diferente em relação à tradição
do entendimento sobre o que é a lei natural, mas esta concepção tradicional
ainda não é de todo abandonada por Rousseau para explicar a comunidade
política. O que Rousseau opera de diferente sobre a lei natural é situá-la no
Estado civil e não no estado de natureza.
Por sua vez, em Rousseau, o direito natural se aplica tanto
no estado de natureza como no Estado civil. No estado de natureza o direito
natural é anterior à razão, com os princípios de amor de si e piedade, e as
máximas da razão só surgem no Estado civil. No estado de natureza temos o direito
natural propriamente dito e no Estado civil temos o direito natural racional.
Na concepção tradicional do direito natural este já aparece
apoiado na razão como uma noção única, ao passo que Rousseau distingue um
direito natural primitivo anterior à razão, e o direito natural racional,
restabelecido pela razão.
No processo de estabelecimento da sociedade civil esta moral
natural baseada na bondade e na piedade se tornam insuficientes, surge a
necessidade de uma sanção, e é a lei civil que estabelece esta sanção às
máximas do direito natural, garantindo uma reciprocidade suficiente para a
prática da justiça.
O poder soberano assegura o gozo possível dos direitos
individuais, que são um limite à soberania do Estado, aqui temos os direitos
individuais e o direito privado como anteriores ao direito público, este último
que serve para garantir a cada um o livre exercício de seus direitos e deveres.
É por meio do contrato social que a lei natural tem uma sanção que não possuía
no estado de natureza, e por meio do contrato social temos a garantia dos bens
e das liberdades.
Rousseau se difere de Locke e Hobbes, pois em Locke o homem é
por natureza apto à vida social, em Hobbes, por sua vez, temos um estado de
guerra anterior à sociedade civil, nele o estado civil visa anular o estado
natural, para dar fim a este estado de guerra, o homem renuncia aos seus
direitos originais em favor de uma pessoa civil representada por um homem ou
uma assembleia.
O soberano, em Hobbes, não é limitado pelo direito privado,
pois é este soberano que fixa este direito, numa concepção da natureza humana
oposta a de Locke, pois em Hobbes o homem está distante da imagem de animal
político construída por Aristóteles, pois suas paixões e instintos originais
não o tornam apto à vida social.
Para Rousseau, por sua vez, o homem sai de seu estado
solitário para viver na sociedade civil, é a operação de desnaturar que coloca
o indivíduo que se encontrava solitário, feito para viver só, agora dentro de
um todo coletivo que altera a sua constituição para reforçá-la, e a partir daí
ele se orienta pela justiça racional e não mais por uma bondade natural.
Desta alienação da individualidade solitária não se pode,
contudo, anular a liberdade, e o contrato social que Rousseau propõe visa
recuperar ao homem social os bens essenciais de que ele gozava no estado de
natureza.
A alienação total, para Rousseau, visava o objetivo de que o
homem vivesse sem dependência pessoal, um mal que Rousseau aponta na sociedade
civil que ele visa extirpar com seu contrato social, um contrato que não
anularia os direitos individuais e o direito natural, mas estes se encontrariam
transformados e restabelecidos pela razão, segundo a proposta de contrato
social de Rousseau.
O CONTRATO SOCIAL E
O PODER SOBERANO
Como vimos, para Locke, o pacto que faz nascer a sociedade
civil funda a propriedade, e para Hobbes resolve o problema da insegurança da
vida, em Hobbes o homem sai de um estado de guerra e de agressividade dos
instintos, e se submete a um soberano.
Em Locke, o homem naturalmente sociável do estado de natureza
pode fundar a propriedade dentro da instauração da sociedade civil. Isto é, a
fundação da sociedade civil, para Locke e Hobbes, têm em comum para ambos,
portanto, a solução de um problema que vem do estado de natureza.
Em Rousseau, por sua vez, temos três momentos, o estado de
natureza, em que o homem vive isolado, a fundação da sociedade civil, em que o
homem passa a viver coletivamente com seus semelhantes, mas Rousseau vê a
necessidade de uma repactuação, de um contrato social novo, pois a sociedade
civil existente se fundaria numa desigualdade que era consequência de um pacto
dos ricos baseado em astúcia e vantagens para poucos.
Enquanto em Locke e Hobbes a fundação da sociedade civil ser
resolve por si mesma, isto é, se legitima, em Rousseau, este pacto deve ser
refeito, pois ele denuncia a desigualdade e não a legitimidade desta sociedade
civil existente.
Na obra Contrato Social, Rousseau busca este novo pacto
social, ele estabelece os fundamentos do que viria a ser, para ele, a autêntica
sociedade política, que possuía os princípios da liberdade e da igualdade,
visando com isto o bem público, o Contrato Social, para Rousseau, representa o
modelo de sociedade que deve ser construído e que Rousseau irá chamar de
República.
Rousseau, na obra Contrato Social, diz o seguinte : “Encontrar
uma forma de associação que defenda e proteja a pessoa e os bens de cada
associado com toda a força comum, e pela qual cada um, unindo-se a todos, só
obedece contudo a si mesmo, permanecendo, assim tão livre quanto antes”.
O ato de associação que Rousseau coloca no Contrato Social é
o que funda a “suprema direção da vontade geral”, que é um ato que coloca toda
pessoa sob esta direção e no lugar de cada contratante surge um corpo moral e
coletivo, e a pessoa pública que surge desta associação irá se chamar
República, que é Estado quando passivo, Soberano quando ativo e Potência em
relação a outros corpos políticos.
Os membros que coletivamente recebem o nome de povo, em
particular chamam-se cidadão, enquanto participante da autoridade soberana e
súditos enquanto subordinados às leis do Estado.
Deste modo, para que este pacto social não seja uma fórmula
vã, este deve implicar que o membro que recusar a obedecer este compromisso
mútuo, que emana da vontade geral, será “constrangido por todo o corpo”, o que
significa que “será forçado a ser livre”, pois, somente cada cidadão
entregando-se à pátria é que poderá estar livre de toda a dependência pessoal.
Pelo contrato social o homem abdica de sua liberdade natural,
ilimitada, e ganha uma liberdade civil e a propriedade de todas as coisas que
possui, a liberdade natural que se encontrava nas forças do indivíduo, agora se
torna uma liberdade civil que inclui o direito de propriedade, que somente é
limitada pela vontade geral.
Do mesmo modo, tudo aquilo que cada particular adquire deverá
sempre estar subordinado ao direito que a comunidade tem sobre todos os membros,
assim Rousseau concebe um caráter ético da concepção do Estado em que o público
é considerado superior ao privado e é o valor máximo da comunidade.
Para Rousseau, portanto, a soberania de uma unidade política
tem sua origem e fundamento no interesse comum e não é outra coisa senão o
exercício da vontade geral, que se configura como um pacto social que proporciona
ao corpo moral e político um poder absoluto sobre todos os seus membros.
Tal poder que Rousseau chama de soberania está sob a direção
da vontade geral, esta que, por sua vez, parte de todos os membros e se aplica
a todos igualmente, portanto, não envolve interesses ou assuntos particulares.
O limite deste poder da soberania, por sua vez, não procede de fora, de um
outro poder ou interesse superior, mas dos limites inerentes ao seu próprio
projeto de existência e de ação.
Link de vídeo : Rousseau e a Vontade Geral : https://www.youtube.com/watch?v=bGff94NqcSw
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13/07/2020 : Rousseau
1 - A Lei Natural no Estado de Natureza e no Estado Civil
2 - O Contrato Social e o Poder Soberano
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
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