PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quarta-feira, 22 de maio de 2013

DA POSSESSÃO

"Vejam como o fogo se levanta! Queimo como deve. Vá, demônio!"
(Do poema Noite no Inferno, do livro Uma Temporada no Inferno, Rimbaud, Arthur)

   Este eflúvio ou sangue que explode é a loucura, plena e sarcástica. Como se dá a plenitude? Ilusão demoníaca ou a mais pura graça divina em seu êxtase e esplendor? A psiquiatria tem uma resposta pronta e cientificizada, os espiritualistas divergem quanto à origem da possessão. O remédio amargo da luta espiritual é interrompida por uma brutal injeção, o ser é contido, alvejado, paralisado, amordaçado, Alice acorrentada se chama em todas as letras antes das tesouras libertadoras que lhe retiram da cama da morte, ele viu a morte, viu a face de Cristo pela madrugada doentia. O exorcismo foi feito, sem as agruras mistificadoras de Anneliese Michel.
   Se chamou Exú na encruzilhada, despencou da virtude com a voz trevosa, se colocou às alturas na entrada do hospício, regurgitou em todas as esquinas em sua corrida louca pelo trabalho, a luta pelo salário que lhe meteu a loucura em todas as ruas, a rua da estrela, mortal como a queda de sete anjos desfigurados.
   Se chamou Rimbaud, viu a África como uma miragem numa viagem de trem movida à ópio, fez a regressão, se fez chinês, se fez francês numa guerra brutal e viu Guilhotin morrer de febre.
   Igual Joana D`Arc! A voz espiritual lhe empestiou o cadafalso. Viu o Apocalipse, verteu a fórmula, dançou como Cristo, aniquilou a festa com Che na cara inchada. Surto psicótico delirante. Sintomas do espectro esquizofrênico. Bipolaridade. Sintoma do tempo. Sintoma de época. Cerne inenarrável da poesia. Esteve enfermo num sono de Morfeu. Amou o sono com a sonoridade psicodélica da paz dos paraísos artificiais. Lia Baudelaire, e explodiu com Rimbaud ao estridente trompete de Miles Davis em Bitches Brew ... Um soco!
   Voltou vivo! O esplendor se levantou de novo numa simples pescaria, pescou o sono na luz divina. Sorriu, vivo.
   Hipnose. Conversas literárias. A Filosofia se condensava em sua cabeça, não tinha tempo a perder. Vingou-se sem fazer nenhum gesto. O silêncio tonitruante de Deus ou seja lá o que for se manifestou e queimou a inveja mais anódina da História.
   Quadro de humor irritado, afeto aplainado, interpretações delirantes e símbolos, eis o simbolista fracassado, eis o Parnaso retumbando palavras, teve que beber outros, sair do ciclo dos antiquários, beber poesia moderna, fazer do som Neruda embriagado de Lorca, fazer peste e amor, encontrou o amor.
   A possessão é: psicologia interpreta o louco, a Igreja "cura", no terreiro só tem possessos, veja um psiquiatra numa sessão de Umbanda, veja os loucos numa sessão de tortura. Veja a tortura da mentira. Não, não veja nada, já viram demais, a visão do visionário pode derreter a própria cabeça, não ouse resgatar do inconsciente perigos jamais vistos, fantasmas do Espiritismo, leia apenas, seja pensador, jamais feiticeiro ou prestidigitador, louco apenas de prosa, é mais seguro do que ser possesso, mais "clean". O espírito da letra leva ao Espírito, este é o caminho.
   Ocultismo. Das visões egípcias guarde apenas o que viu, da meditação apazigue a teoria, rejuvenesça em cada campo de saber, vivifique seu bom, não seu mau. O demônio só entra em portas escancaradas, a mente segura é a mente da atenção, a mente segura é a mente prevenida, até ao amor seja prudente, sobretudo no amor.
   Tese materialista sobre um possesso: Delírio de grandeza. Síndrome do grande gênio. Van Gogh. O inferno de Rimbaud, de novo? Três vezes, é mais do que o suficiente para saber de todos os segredos místicos dos nervos, é o bastante para a pena inspirada, terá que retumbar por toda a vida, até a eternidade!
   Tese materialista sobre a possessão: Vítimas de mistificação, autossugestão, hipnose, Charcot, Wundt explicam. Viés reencarnacionista é rechaçado pelas evidências científicas, o Pensamento ainda é cartesiano. O fogo atômico-quântico é inexplicável e inaplicável para entender o "Homem". O ser integral é quântico, o pensamento lógico é necessário, a distinção cartesiana não é um artifício, é o método psiquiátrico, não adianta contestar, senão terá que fugir e pular muralhas, o canalha de si mesmo é a contestação, todo possuído é um contestador, todo possuído é um anarquista, todo possuído é um ente perturbador das leis, até das leis físicas, ele levita como uma pena como troça fundante do espanto. Exú foi expulso da rede inextricável da Psiquiatria, é certo, eu acho certo, errado é ser legião onde o melhor é ser indivíduo.
   Minha tese espírita é cética e agnóstica, eu falo de ideias, de conclusões lógicas, à parte mediunidade, comprova-se muito destas verdades. O conluio com os duendes que é a parte da farsa, o lamaísmo tibetano nos orienta muito bem sobre estas coisas, parcimônia, afinal os magos negros estão por aí, orai e vigiai. A correção budista: despertai tu que dormes. O ascetismo, no entanto, é um engodo. A compaixão é seu acerto, pensamento e ação corretos. E a chave da sabedoria: o caminho do meio.
   Tese espírita sobre a possessão: primeiro a obsessão simples, depois a fascinação, e por último a subjugação. Também é verdade. Mas a química é mais verdadeira ainda! As moléculas são a salvação da alma, cuide da sua alma medicando o seu corpo, o cérebro é destruído na fascinação, não tem volta, as medicações cortam o canal comunicador, a sensatez e a serenidade viram a nova obsessão. Não tem pajelança, é química para os doentes, com civilidade, sem isolar do campo humano, sem ser a velha fábrica de monstros. Tenho que ler Basaglia e Foucalt, como num contraponto, tenho que estudar como tudo funciona, neurociência, a cura não tem, mas estudo tem, e disciplina. O possesso é o doente imaginário de Moliére, a imaginação só serve bem à arte, em mais lugar nenhum! Júlio Verne nos dá a chave deste caminho.
   A subjugação é foda. A pessoa escreve em todos os lugares, até em paredes, é uma rede, é uma teia, o esperto percebe esse assédio, mas o neófito cai, e pode morrer se não tomar conta de si, o cuidado de si é a sabedoria primeira, a compaixão (o cuidado do outro) é o objetivo final da vida, mas ponha-se de si a ordem que encontrou, só depois pense nos outros. A ordem de si irradiará ao mundo, e sua missão será cumprida, a tese da possessão: as duas estão corretas. Olho vivo!

Gustavo Bastos (Pensamentos Livres, em 22/05/2013)
 
 
 
 

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