PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

MOVIMENTO WOKE - PARTE 1

“movimento imerso numa fábula de perfeição imaculada, de virtudes absolutas de um politicamente correto neurótico, paranoico”

 

Woke é uma palavra inglesa que significa “acordei” e que ganhou um sentido cultural contemporâneo que herdou tiques do que nos anos 1990 se chamava de politicamente correto. No caso do movimento woke, o exagero de uma pretensa virtude pode descambar para posições caricaturais sobre o certo e o errado, numa construção moral exacerbada e que tenta realizar uma patrulha irreal de escrutínio linguístico e com o famigerado cancelamento, que é a imagem cristalizada de um viés irrealista, de falta de conhecimento do mundo real, da vida como ela é.

Verdadeiros estetas do mundo, a superioridade do movimento woke é esboroada, parecendo um pastiche involuntário de palmatória do mundo. A origem do uso da palavra woke em contexto cultural surgiu na comunidade afro-americana, como um modo de estar alerta em relação à injustiça racial. 

O editor de notícias e cultura Elijah Watson, do website de música norte-americana Okayplayer, que escreveu artigos sobre a origem do termo woke, por sua vez, afirma que o termo foi cunhado pelo romancista William Melvin Kelley. Este romancista publicou, em 1962, um artigo com o título If You`re Woke, You Dig It (Se você estiver acordado, entenderá). 

Na última década o movimento Black Lives Matter fez ressurgir o termo, e que foi criado para denunciar a violência policial contra pessoas negras. Contudo, seu uso se ampliou e ganhou os contornos do que se chama movimento woke. Em 2017, finalmente, o dicionário Oxford definiu o termo woke como “estar consciente sobre temas sociais e políticos, sobretudo, o racismo”. 

O termo woke pode ser motivo de orgulho ou ser usado como insulto, dependendo da interpretação dada. As ideias progressistas do termo woke, portanto, podem representar uma quebra de paradigmas, e sua deturpação produzir pessoas que se sentem moralmente superiores, querendo impor suas ideias aos demais.

A crítica principal sobre o que se chama de movimento woke recai sobretudo no exagero de patrulha do uso de expressões linguísticas e na prática de cancelamento que ocorre nas redes sociais, sempre em relação a polêmicas que nem sempre existem, mas que na interpretação woke ganha contornos de julgamento moral e que levam a boicotes sociais e profissionais. O policiamento da linguagem, por sua vez, se refere a expressões consideradas homofóbicas, racistas ou misóginas, dentre outras..

Da esfera cultural podemos passar à realidade política, em que o termo woke pode se relacionar às pautas afirmativas de igualdade racial ou social, como o feminismo, o movimento LGBTQIA+, o ativismo ecológico e do direito ao aborto, a vacinação, o uso do gênero neutro na linguagem, o multiculturalismo etc. 

Nos Estados Unidos temos a presença do termo woke na política, que tem crítica do Partido Republicano, e no Partido Democrata, por sua vez, existem críticas por parte de Barack Obama, porém, ganhando aderência na parte mais radical do partido, em figuras como os congressistas Bernie Sanders e Alexandria Ocasio-Cortez. 

No mundo empresarial o debate woke levou a alguns casos marcantes, como da campanha da Gillette, em 2019, em que se condenava a masculinidade tóxica, contra o sexismo, o bullying e o assédio sexual. A campanha foi bem vista por muitos, mas no YouTube levou a um boicote contra a marca, e a empresa dona da marca, a Procter & Gamble, sofreu um golpe econômico e ainda teve que lidar com um meme que se popularizou na direita política : “Get woke, go broke” (“vire woke, vá à falência”).

O que se vê é que jovens progressistas, que no começo da década passada se levantaram contra a Grande Recessão, ocupando as ruas (Occupy Wall Street), e trazendo à baila a obra de Thomas Piketty, Teoria das desigualdades econômicas, mudaram, e agora vemos a juventude tomada pelo termo woke, com questões raciais e de gênero sobrepondo pautas econômicas. 

O exagero woke, contudo, leva à autocensura universitária, a questionamentos em escalações de filmes, tem influência na publicidade, no jornalismo se começa a citar o supremacismo branco, etc. No movimento woke, um fato mais irrealista se dá na tentativa de interferir em obras literárias, peças de teatro, e demais obras que foram feitas em outras épocas, com contextos de costumes e comportamentos antigos em que o movimento woke pode detectar diversos problemas e pedir uma revisão no texto, em desfechos e desenlaces etc.

O maniqueísmo do movimento woke tende a entender os próprios valores como absolutos, inquestionáveis, e a hipersensibilidade é uma característica que leva a estas ondas de cancelamentos e de controle quase delirantes da linguagem. O crivo do ativismo woke, portanto, atua com um moralismo irreal, revisionista, meio que palmatória do mundo, e intolerante para com erros supostos e imaginários. Ou seja, o movimento woke, quando se torna deturpado e exagerado, perde o contato com a realidade mais elementar, de que há gradações na realidade e de que nem tudo é condenável ao menor deslize.


Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Blog : http://poesiaeconhecimento.blogspot.com


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