“o bolsonarismo embarcou nesta onda da cloroquina como uma panaceia”
Jim Jones fundou e foi líder do culto Templo dos Povos, iniciado
nos anos 1950, em Indiana, e migrou para a Califórnia nos anos 1960. Em 1974, o
Templo dos Povos arrenda uma gleba de terra na Guiana, onde se ergue o “Projeto
Agrícola”, é aí que surge a comunidade denominada Jonestown.
É neste local de Jonestown que ocorre o suicídio coletivo
mais conhecido da História, o do Templo dos Povos, liderado por Jim Jones, que
resultou na morte de 909 pessoas por envenenamento por cianeto. Jim Jones foi
encontrado morto em uma cadeira de praia com um tiro na cabeça, supostamente
auto-infligido.
Diante do caso do governo brasileiro frente a milagres sobre
remédios não comprovados contra a Covid-19, a conduta do presidente Jair
Bolsonaro me lembra algo como uma mistificação, que, não sendo religiosa, no
entanto, tem seus ares que podem remeter a uma mentalidade alienada de seita.
Por sua vez, o primeiro-ministro da França, Jean Castex, na Assembleia
Nacional, anunciou o fechamento da França para voos vindos do Brasil.
A revista Science colocou em evidência todo o
descontrole atual da pandemia no Brasil, em um artigo, com as seguintes
palavras : “O surgimento de novas variantes isolará o Brasil como uma ameaça à
segurança da saúde global e levará a uma crise humanitária completamente
evitável”, tal artigo foi publicado por brasileiros e americanos um dia após o
anúncio do premier Castex.
O vexame, para o Brasil, desta passagem do premier
pela Assembleia ficou evidente. O mico internacional do governo Bolsonaro, que
no início era um exotismo que virou chacota na imprensa alemã, agora é uma
extensa e dramática tragédia que, em seu outro lado, é o ridículo de um governo
que compra ilusões, e que agora também virou piada de francês. Pois, na
Assembleia francesa, Castex fustigou um deputado da oposição que tinha
defendido o uso da hidroxicloroquina na França, em 2020, contra o Coronavírus.
É bom lembrar que foi um médico francês, Didier Raoult, quem
primeiro defendeu o uso da cloroquina para combater o vírus, e o bolsonarismo
embarcou nesta onda da cloroquina como uma panaceia, um modo de não encarar a
realidade, pois primeiro minimizou a pandemia, como uma gripezinha, em
pronunciamento oficial do presidente Jair Bolsonaro, numa das cenas mais
marcantes e abomináveis deste governo no ano de 2020.
Tivemos, também, no início da pandemia no Brasil, declarações
estapafúrdias, como o dono do restaurante Madero, que disse que morreriam
apenas 3 mil pessoas, e hoje temos mais de 3 mil pessoas morrendo a cada dia.
Didier Raoult, por seu turno, mais tarde, reconheceu que estava errado, esta
panaceia é uma ficção. A piada de francês, então, se deu quando Castex declarou
: “Gostaria de avisar que o Brasil é o país onde ela é mais prescrita”, e
arrancou risadas no parlamento francês.
Agora temos o ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello,
sofrendo um processo judicial pela tragédia no estado do Amazonas, ele é acusado
de improbidade administrativa pelo Ministério Público Federal, pois demorou
para agir nesta tragédia, houve omissão na iminência de falta de tubos de
oxigênio, e ainda temos a famigerada pressão do SUS que aconteceu para o uso da
cloroquina. No mesmo dia do colapso amazônico, foi enviado 120 mil comprimidos
de hidroxicloroquina ao estado do Amazonas.
A demissão de Nelson Teich do ministério da Saúde veio no
influxo desta história toda, quando o ministério baixou um protocolo
recomendando cloroquina para uso em qualquer fase do tratamento da Covid-19. O
Laboratório do Exército passou a produzir o medicamento em escala industrial, e
foram feitos milhões de comprimidos. Para piorar, o contrato com a Pfizer foi
questionado entre agosto e setembro de 2020, atrasando a vinda de vacinas que
já poderiam ter tido doses ainda em dezembro de 2020, e três milhões de doses
até março de 2021.
No Brasil, agora, o governo começa a fazer as encomendas,
mais por pressão do que por convicção, mas ainda estamos dependendo da Fiocruz
e do Butantan. E isto porque a CoronaVac, atacada por Bolsonaro, que hoje
responde por 70% das doses aplicadas no Brasil, foi produzida pelo governo de
São Paulo, senão teríamos apenas as vacinas da AstraZeneca/Oxford. As doses da
Pfizer, agora, podem chegar em maio, tempo perdido.
Tivemos um festival de ilusões sobre medicamentos inúteis
para combater a Covid-19, como cloroquina, ivermectina, nitazoxanida e
azitromicina, e que passaram a integrar o chamado Kit Covid que impulsionou o
famigerado “tratamento precoce”. Tivemos o aval para este Kit Covid e
tratamento precoce tanto do presidente Jair Bolsonaro como do Conselho Federal
de Medicina.
O caso de Chapecó é emblemático, Jair Bolsonaro desembarcou
no município para louvar os resultados de tal tratamento no local, o milagre da
cloroquina, este que fora feito pelo prefeito João Rodrigues, do PSD, e agora
temos o município com números sobre o vírus piores do que a média estadual
catarinense e nacional.
O TrateCov, por sua vez, é outro escândalo que foi
patrocinado pelo Ministério da Saúde, um aplicativo que recomendava o
tratamento precoce, e isto durante o auge da tragédia no estado do Amazonas, e
diante do escândalo todo, o retiraram do ar.
A OMS deu reiterados alertas contra o uso do medicamento
cloroquina, e Bolsonaro, no entanto, continuou a vender esta panaceia que não é
nada mais que uma ilusão para incautos, e produto propício para mistificadores
produzirem este transtorno em torno de uma tragédia contínua, e que só pode ser
interrompida com a chegada das doses de vacinas que estão sendo produzidas para
a população brasileira e mundial.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário : https://www.seculodiario.com.br/colunas/piada-de-frances
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