"não é uma briga de santos que querem servir o usuário, mas uma competição feroz por domínio do mercado"
A Apple colocou em vigor em abril deste ano o App Tracking
Transparency, que inaugura uma nova política de privacidade que coloca pressão
sobre empresas como o Facebook e o Google para terem maior transparência. Neste
novo mecanismo da Apple todos os aplicativos serão obrigados a pedirem
autorização dos usuários para a utilização de dados de navegação que envolvam
publicidade.
No influxo do lançamento do novo iPhone 12, pacote de
assinaturas de podcast e iMac, no novo iOS 14.5 se terá esta nova política de
privacidade da Apple estabelecida. Tim Cook fez declarações de defesa da
privacidade de usuários, o que levou Mark Zuckerberg, do Facebook, a acusar a
Apple de práticas anticompetitivas.
As trocas de acusações que envolvem as Big Techs, por sua
vez, não é uma briga de santos que querem servir o usuário, mas uma competição
feroz por domínio do mercado de tecnologia, que está na berlinda agora por
iniciativas diversas de medidas antitruste. Portanto, a pressão vem de fora,
por medidas antitruste e por privacidade, e entre as próprias big techs, que
começam a disputar territórios do mercado de tecnologia, com diferentes
estratégias.
A Apple afirma que o usuário poderá não conceder o
rastreamento, o que deixará zerado o identificador e o aplicativo utilizado por
este usuário não poderá obter dados sobre a sua navegação. Tal mecanismo novo
da Apple pressiona Google e Facebook, por sua vez, pelo fato destas empresas
dependerem fortemente de publicidade para sustentar seus negócios, com um big
data imenso.
O Facebook, assim que ficou sabendo do mecanismo da Apple, já
em dezembro de 2020, se pronunciou, pretensamente em nome de todas as pequenas
empresas do mundo, dizendo : “No Facebook, as pequenas empresas estão no centro
de nossos negócios… Muita gente que está à frente de pequenos negócios vem
compartilhando preocupações sobre a atualização forçada do software da Apple,
que limitará a capacidade das empresas de veicular anúncios personalizados e
alcançar seus clientes de forma eficaz”, disse a empresa.
O Google também depende muito do rastreamento de terceiros
para alimentar seus negócios de publicidade, mas já tenta melhorar sua política
de privacidade, em anúncios conjuntos com a Apple, já promete medidas efetivas
para realizar uma forma mais amigável de compartilhamento de dados de usuários,
isto é, de um modo menos invasivo.
Neste quesito de uso massivo de dados de usuários, a empresa
que parece que vai entrar num impasse e sofrer com limitações será, certamente,
o Facebook de Mark Zuckerberg, empresa esta que se acomodou numa falta de
inventividade, fagocitando ideias novas dos outros, como nas aquisições do
WhatsApp e do Instagram.
A competição entre Facebook e Apple, não é nada mais do que entre
esta empresa que agora vive mais do WhatsApp e do Instagram do que de sua
comodidade original, e a empresa que teve Steve Jobs e que se tornou uma das
fabricantes de eletrônicos mais valiosas do mundo e a quarta maior empresa do
setor de celulares.
O Facebook depende muito dos dados de seus usuários para
poder personalizar seu conteúdo, receita e publicidade. Por outro lado, a rede
social acusa a Apple de realizar a sua própria coleta de dados, numa posição de
domínio como dona dos aparelhos, sistemas operacionais e lojas digitais. Diante
disto, o Facebook pensa em processar a Apple por práticas anticompetitivas de
mercado.
Pode ser que no pior cenário de todos, isto tudo possa
terminar nos tribunais, virando tema de fiscalização do Congresso dos Estados
Unidos ainda em 2021. Agora já chamam estas disputas e suas possíveis
consequências o caminho para um modelo de ética de dados.
Temos leis de proteção de dados já em mais de 140 países, em
diferentes estágios de avanço, e este mecanismo novo da Apple vai colocar em
prática uma parte dessas leis, e o jogo em que o Facebook se acostumou,
certamente a empresa mais acomodada das big techs neste sentido de controle de
dados e em uma dependência profunda dos mesmos, tenha que reaprender a jogar,
pois a Apple está sendo bem mais esperta.
As leis de privacidade e medidas como a da Apple não vieram
para acabar com o big data e a inteligência de negócios web, mas
estabelecer um limite e abrir o caminho, agora, dentro das próprias big techs,
de uma conciliação entre este big data e uma ética dos dados, com
recursos menos invasivos.
A Apple não está sendo benevolente, a sua grande jogada é
tentar controlar o Facebook, Google e outras plataformas numa tacada só, e
obter o seu próprio controle para benefício próprio, mas tal medida vem no
influxo das mudanças de modelos de negócios no mercado web.
Por outro lado, sem o ecossistema de personalização de
anúncios, pequenos e médios desenvolvedores serão obrigados a cobrar de alguma
forma pelos aplicativos, ou na hora de baixar ou via assinatura. E a Apple se
beneficia também disto, pois seu interesse será o de cobrar uma comissão desses
desenvolvedores em sua loja, a App Store. Por fim, a decisão da Apple diminui o
incentivo a criação de aplicativos gratuitos, baseados no modelo atual.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário : https://www.seculodiario.com.br/colunas/apple-e-facebook-entram-em-guerra
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