“A dexametasona é um corticoide, não cura a Covid-19, mas
contribui fortemente como possível tratamento”
Recentemente a OMS (Organização Mundial da Saúde) suspendeu,
pela segunda vez, os estudos envolvendo o uso da hidroxicloroquina para o
tratamento da Covid-19. O projeto internacional da OMS, o Solidarity tinha
quatro frentes de estudo para o tratamento contra a Covid-19, incluindo esta
droga, os estudos sobre a hidroxicloroquina já haviam sido suspensos em maio,
como foi colocado no artigo anterior nesta série sobre a Covid-19, mas acabou
sendo retomados.
Desta vez, a suspensão destes estudos, vem em seguida à
revogação do uso da cloroquina e da hidroxicloroquina feita pela FDA nos
Estados Unidos, agência americana semelhante à Anvisa no Brasil. Não há
comprovação de que a hidroxicloroquina possa diminuir o índice de mortalidade
pela Covid-19, e tais estudos estão no escopo do projeto Solidarity, além de um
ensaio conduzido pela Universidade Oxford, do Reino Unido. A decisão técnica
foi de parar com a randomização com o ensaio da hidroxicloroquina. No caso da
suspensão feita pela OMS, esta tem caráter definitivo.
A primeira suspensão dos estudos sobre a hidroxicloroquina
feita pela OMS veio depois da publicação, feita pelo periódico científico The
Lancet, de um estudo sobre a droga, que dizia não haver benefício de seu uso no
tratamento da Covid-19, em um teste que foi descrito no meu texto da coluna
anterior. A seguir foi feita uma revisão dos dados sobre a droga e o conselho
do Solidarity retomou os estudos.
Por fim, a The Lancet retratou o artigo, o que equivale à uma
correção, o que implicou numa auditoria solicitada por três dos autores deste
artigo em relação ao trabalho da empresa Surgisphere Corporation e de seu
fundador e coautor da publicação, Sapan Desai, dados que foram base para o
artigo, e eles descobriram que a empresa não transferiria os dados completos,
por motivos de não violar acordos de confidencialidade e também contratuais com
clientes, e então não foi possível revisar estes dados, o que levou e não se
ter a garantia de veracidade das fontes de dados primárias, e então os autores
solicitaram a retirada do artigo.
A suspensão da OMS e a revogação da FDA vêm agora no momento
em que temos a descoberta, por parte da Universidade de Oxford, que o uso da
dexametasona reduz consideravelmente a mortalidade por Covid-19, e a OMS disse
que isto é um grande passo para combater a pandemia, tal redução de
mortalidade, por sua vez, se concentra em casos graves e moderados de contágio,
e tal promessa de tratamento traz o perigo da automedicação, comum quando
surgem novidades reais ou baseadas em fake news sobre a Covid-19.
A dexametasona é um corticoide, não cura a Covid-19, mas
contribui fortemente como possível tratamento dos casos graves e moderados da
doença, pois este corticoide não ataca o vírus diretamente, mas ajuda a
controlar a reação inflamatória causada pelo coronavírus em pacientes graves. E,
de acordo com a nota de duas páginas apresentada à imprensa pela Oxford (que não
é, ainda, uma divulgação de dados completos), o uso da dexametasona aumentou a
sobrevida de pacientes hospitalizados por Covid-19. A divulgação feita pela
Oxford ainda se trata de um ensaio clínico com a droga (ou estudo clínico
randomizado).
O resultado, de acordo com a Oxford, reduziu em um terço a
mortalidade de casos graves sob ventilação mecânica, um quinto dos que estavam
recebendo oxigênio suplementar (sem uso de respiradores), e não houve
benefícios para os casos sem necessidade de ajuda para respirar. O ensaio faz
parte do estudo clínico randômico Recovery, que investiga seis potenciais
tratamentos contra a Covid-19 em mais de 11 mil pacientes.
Por sua vez, circulou um texto nas redes sociais que indicava
o uso de azitromicina, ivermectina e nitazoxanida para curar a Covid-19, o que
foi uma fake news, pois não há respaldo científico para o uso destas drogas,
nem para o tratamento da Covid-19, e muito menos para a sua cura, e tais fake
news configuram também um perigo, pois podem induzir à automedicação, o que pode
trazer riscos à saúde.
Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde) “o uso de
produtos para tratar a Covid-19, que não foram investigados de maneira robusta,
pode colocar as pessoas em perigo, dando uma falsa sensação de segurança e distraí-las
da lavagem das mãos e do distanciamento físico, que são fundamentais na
prevenção”. A entidade também ressalta que orientações enganosas “também podem
aumentar automedicação e o risco para a segurança do paciente”.
Em revisão publicada no dia 16 de junho, o Ministério da
Saúde diz não haver evidências suficientes para garantir que o azitromicina, um
antibiótico, “em uso isolado ou em combinação com hidroxicloroquina, é eficaz
para o tratamento da COVID-19”, e de acordo com a Fiocruz (Fundação Oswaldo
Cruz) tal droga é usada contra infecções bacterianas, tal entendimento
científico também é atestado pelas “Diretrizes para o tratamento farmacológico
da Covid-19”, que reúnem o consenso da AMIB (Associação de Medicina Intensiva
Brasileira), SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia) e SBPT (Sociedade
Brasileira de Pneumologia e Tisiologia).
A ivermectina, remédio contra vermes e parasitas, também não
tem eficácia comprovada contra a Covid-19, como indica expressamente a FDA dos
Estados Unidos. Tal uso da ivermectina contra a Covid-19 se baseou numa
pesquisa publicada na Antiviral Research no início de abril deste ano, que
indicava que a ivermectina tinha servido como inibidor do Sars-Cov-2 em células
de laboratório. Contudo, tal resultado in vitro, para ter a mesma efetividade
em humanos, demandaria uma dose bem maior da droga, que vai além da dose
aprovada hoje pelas agências reguladoras, por risco de um efeito neurotóxico.
Tampouco a nitazoxanida (Anitta), um vermífugo, comprovou-se
eficaz para tratar a Covid-19. O medicamento passou a ser tratado como possível
meio de combate da Covid-19 em abril deste ano, quando o ministro da Ciência e
Tecnologia do governo Bolsonaro, Marcos Pontes, anunciou que testes com o
composto haviam identificado redução de 94% da carga viral do novo coronavírus
em células in vitro. Ainda em abril deste ano, a Anvisa liberou o estudo do
composto em humanos, em maio, Pontes anunciou a segunda fase dos testes do
medicamento para verificar o uso profilático, mas não foram ainda apresentados
resultados.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário : https://www.seculodiario.com.br/colunas/a-peste-parte-vi
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