“A Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou a interrupção
do uso da cloroquina e hidroxicloroquina em testes para tratamento contra a
Covid-19”
A cloroquina deriva da quina, uma árvore usada por indígenas
para curar febres desde antes da chegada dos europeus no continente americano,
esta substância foi sintetizada em laboratório em 1934, e virou medicamento no
combate da malária, devido à sua eficácia para matar o parasita da doença. A
hidroxicloroquina, por sua vez, foi desenvolvida em 1946, e foi uma versão
menos tóxica e mais aprimorada da cloroquina, em tratamentos de longo prazo, e
é aplicada nas terapias de doenças autoimunes como artrite reumatoide e lúpus,
além dos casos de malária provocados por protozoários resistentes à cloroquina.
Em 2007, pesquisadores liderados pelo infectologista Didier
Raoult, da Universidade de Medicina de Marselha, na França, fizeram testes in
vitro para demonstrar que a cloroquina e a hidroxicloroquina poderiam ser
usadas contra infecções bacterianas, fúngicas e virais, como o HIV e o
Sars-CoV-1, e no surto do novo coronavírus, baseados neste estudo francês, pesquisadores
resolveram testar a aplicabilidade ao Sars-CoV-2, e o primeiro teste foi feito
por cientistas chineses e publicado no início de fevereiro de 2020, mostrando
efeitos similares aos da pesquisa de 2007. Outro, também realizado na China e
divulgado em março, validou a eficácia destes medicamentos in vitro.
Contudo, o uso de tais medicamentos implica riscos, pois a
cloroquina e a hidroxicloroquina podem provocar problemas gastrointestinais, de
visão, fraqueza muscular, sangramentos, alterações de humor, problemas
cardiovasculares, com seu perigo aumentando no caso do coronavírus. A cloroquina
e a hidroxicloroquina aumentam o risco de arritmias e de mortes, o que
demonstra os resultados do maior estudo já feito sobre esses dois possíveis
tratamentos contra o coronavírus, que analisou mais de 96.000 pacientes em 671
hospitais do mundo todo. Os dois medicamentos chegaram a ficar esgotados em
muitos países e seu uso indevido já provocou mortes.
O estudo publicado pela revista médica The Lancet, analisou a
eficácia da cloroquina e da hidroxicloroquina administradas isoladamente ou
juntamente com um antibiótico macrólido em comparação com doentes que não
receberam nenhum desses tratamentos. A mortalidade no grupo de controle que não
recebeu os medicamentos foi de 9,3%. Já entre os que tomaram esses medicamentos,
morreram 16% no grupo que tomou apenas cloroquina e 23% no que tomou
hidroxicloroquina e antibiótico, também demonstrando que todos os pacientes que
tomaram algum dos remédios analisados tiveram um risco maior de sofrer
arritmias, o que pode provocar morte súbita.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou a interrupção
do uso da cloroquina e hidroxicloroquina em testes para tratamento contra a
Covid-19, motivado pelo estudo publicado pela The Lancet, visto que a
cloroquina era uma das substâncias consideradas promissoras para o tratamento
da doença pelo novo coronavírus, por isso entrou no projeto SOLIDARITY da OMS,
em março deste ano, que é um estudo colaborativo mundial para avaliar a ação
das principais drogas no tratamento da Covid-19.
Segundo o diretor-geral da entidade, Tedros Adhanom
Ghebreyesus, a interrupção vai acontecer enquanto o Conselho de Monitoramento
de Segurança de Dados, do Grupo Executivo do estudo SOLIDARITY, analisa os
dados disponíveis sobre benefícios e malefícios da cloroquina e
hidroxicloroquina em pacientes com Covid-19. Contudo, Tedros ressaltou a
importância do uso desses medicamentos em doenças autoimunes e contra a malária,
não devendo haver interrupção para estes casos.
Nesta segunda-feira, a FDA (Food and Drug Administration),
agência que controla a aprovação de medicamentos nos Estados Unidos, publicou
um documento que revogou a permissão de emergência para o tratamento com
cloroquina e hidroxicloroquina para pacientes com COVID-19. A autorização foi
emitida pela primeira vez em março e aplicada em pacientes hospitalizados
submetidos a ensaios clínicos (pesquisas). Em abril, a FDA fez um alerta contra
sua aplicação para casos do COVID-19, fora dos locais de testes, e o documento
que foi publicado agora não deve atingir os ensaios clínicos.
A revista Lancet também publicou sobre resultados
satisfatórios sobre testes clínicos realizados em Hong Kong com uma combinação
tripla das substâncias interferon beta 1-b, lopinavir-ritonavir e ribavirin em
127 pacientes adultos diagnosticados com covid-19, que foi um estudo do tipo
clínico randomizado controlado, e o artigo, assinado por mais de 40 cientistas,
liderados pelo professor da Universidade de Hong Kong, Kwok-Yung Yuen, mostra
que a combinação tripla eliminou o coronavírus em média sete dias após o início
do tratamento.
Os 127 pacientes envolvidos foram diagnosticados com covid-19
através de testes e foram internados entre 10 de fevereiro e 20 de março, pois
em Hong Kong, toda pessoa que tem resultado positivo para o novo coronavírus é
hospitalizada. Os pacientes que receberam a combinação tripla, neste período, continuaram
recebendo tratamento padrão para covid-19, como ventilação, diálise e
antibióticos.
No surto de SARS em 2003, a combinação lopinavir-ritonavir (normalmente
usada contra o HIV) e o ribavirin (usado contra a hepatite C) reduziu
significativamente a ocorrência de insuficiência respiratória e mortes em
pacientes hospitalizados, e o interferon beta 1-b, desenvolvido para tratar da
esclerose múltipla, também levou a redução da carga viral e melhora nos pulmões
em testes com animais para MERS.
Fora da equipe responsável pela publicação no Lancet, Sarah
Shalhoub, pesquisadora da Universidade Ocidental do Canadá, comentou por
escrito à imprensa sobre o artigo da Lancet : “A maioria dos estudos publicados
até agora foram do tipo retrospectivos ou observacionais. Portanto, esse estudo
controlado e randomizado, com objetivo prospectivo, agrega um valor
significativo ao acúmulo de evidências sobre tratamentos, eliminando uma série
de limitações inerentes aos estudos retrospectivos. (...) No entanto, como os
autores reconhecem, são necessários estudos futuros para examinar a eficácia do
interferon beta-1b sozinho ou em combinação com outros medicamentos para tratar
pacientes graves com covid-19, além de uma comparação com placebo.".
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário : https://www.seculodiario.com.br/colunas/a-peste-parte-v
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