“na bússola que sonha, delírio é poesia”
Numa garganta diabólica se faz o Homem, este ente que não se
reduz ao solo de um ser inanimado, embora seja pó quando confrontado com a
morte. Seu sonho rutila como foice e trabalho duro que se expande no cosmos e
na mente universal, logo eu que sou poeta teria que contar-lhes do destino
cósmico, como um grande som que faz melodia na escalada do tempo infinito, como
um pássaro que vê luz e sombra, mas não perde o voo.
Assinatura dos artistas em suas pinturas, eu vi em um grau
violento os ângulos da visão filosofal, em termos que o notório saber se
anulava frente ao dom místico e visionário que somente a poesia em seu ébrio
fardo poderia nos decifrar sua simbologia, é o dom do ocultismo que revela as
águas de Caronte, os vinhos que não se detêm no mar dos mortais, eu tinha uma
velha arma de brinquedo que eu trazia no meu colo quando eu era ladrão, e minha
ideia de luta era um nariz quebrado.
Eu deleitava os chifres de um diabo azul, eu carregava em vermelho
as astúcias de uma dose de uísque quando derretia o gelo. Lá na pedra ametista
remava com langor o santo beberrão que idolatrava o anjo caído dos sóis, leve
como a pluma um vingador lutava também, com a cara na areia, seu deserto
intelectual, seu academicismo que era deglutido pelo mundo cão das
efervescências de álcool e patifes.
Dentro do proscênio andava a diva dos horrores, pintava a
cara de rosa, como uma feiticeira olhava ao derredor, era casta, embora na
galhofa se portasse qual prima-dona. Uma ópera se enegrecia no campo do fastio,
o solo seco em que o vinho indócil descia era feito dos ossos de antepassados
que nos velhos trágicos de Ésquilo vestiam-se de embriaguez e máscara.
Ali, perto do Oriente, dravidianos faziam um ensaio do
Mahabarata, velhos lemas contorciam-se no barato transcendental de um soma
pré-Huxley. Eu cantava de gaiato um pouco desta concórdia besta de estar
impressionado com a natureza e a paisagem, um futuro se abrindo como um leque
florido e cheio de vivo calor, somente quando eu entrava em transe é que era
possível ver o fantasma que morava dentro da poesia de salão, um meneio de
menina rosa somava-se ao caos que o trabalho ajudava a desenhar naquele átrio
de pedra.
Um cachorro cego e louco latia com estribilho rouco, eu disse
ao dono da banca de jornal ali perto que o dono deste cão deveria estar preso,
um homem vitruviano e renascentista do futuro não poderia tolerar violência
contra o cachorro louco, era contra a paz urbana que reinava na manhã de
domingo quando eu lia na página de cultura que um poeta havia passado por uma
prova de fogo, saía da lama e do lodaçal e agora vivia num jardim com seus
gnomos cantando alegria do lótus e mantras da era de aquário, ele e seus bobos
cantores subiam a montanha para se embriagar de vinho e ver na estrela vésper
talvez um disco solar ou uma nave vinda de órion ou do portal que um médium de
umbanda havia psicografado na noite de sexta na festa de exu.
Depois deste conhecimento oculto travado com os dravidianos,
se costumava ter uma certa memória fictícia de um tibet longínquo ou ainda de
Rama, mas mesmo no maior do silente campo, nada superava a dinastia atlante
depois das colunas de hércules, sete sábios e um livro do sol em que as
coordenadas já estavam postas, o dom da profecia estalava naquele sol vermelho
após o dilúvio. As bruxas do mar já dançavam, e as sereias ainda viviam naquele
mar de arquipélago em que creta ainda reinava. Somente o capitão fenício tinha
rompido as fronteiras em direção ao sol marroquino e a uma cartago que ainda
balbuciava nas primeiras casas de terra marrom.
O mapa que tinha o sol ao centro agora, neste mundo
contemporâneo, invadia-se de sinais de rádio, de sons de vidas conectadas,
elétrico sonho de hiperlink, o sonho faustoso dos programadores cobol, as
sinapses virando-se em máquinas em busca da imortalidade, o delírio subatômico
e a eterna busca da teoria de tudo, um certo rancor capitalista de injustiça e
sonhos derrotados, uma grande miséria rondando o progresso técnico, e o fim da
linha para uma sociedade que produz lixo.
Na beira do precipício vira o milênio o homem vitruviano,
este que para visionários tem o espírito completo, é uma luz búdica, e que
diante da técnica não se satisfez em ter o dom da luz, mas quer se unir ao seu
maquinário para ser um ser híbrido, confrontando seu espírito imortal, seu
corpo finito, e sua mescla robótica e sua memória que poderá virar um chip
dentro do circuito da imortalidade eletrônica. O futuro estará em mãos
androides, um fundo distópico sempre realizado em cibercultura, o hiperlink da
memória produzirá um super-ser, não mais homem, não mais máquina, este que
tinha o dom da luz, e agora tem como que um sonho de golem para conquistar a
natureza que lhe destruirá, o homem vitruviano que perderá seu ângulo com a natureza,
e como homem decaído, será levado pelo caos climático deste seu sonho de
indústria e máquina.
Corta agora para cá, a cinemática romperá a febre do milênio,
novos remédios, novas aventuras, abre-se a estrada do sol, como em toda road
trip, um poeta e alguns loucos, um filósofo e um cientista, um monge e um
ébrio. Abre esta carta náutica, temos dois pólos, uma linha equatorial, eu
espero sinceramente que o feitiço que produziu o universo tenha um bom dom de
revelar talentos quando tudo está perdido, e o dom da poesia nos faça sol em
meio da tempestade, eu rimava bem como um furto, eu ia bem antes do surto, mas
não tem tempo de lamento, tem tempo de razão, e minha mira já derrubou diabos e
pobres diabos, tenho em mim várias cores em que firmo meu diapasão, e na
bússola que sonha, delírio é poesia.
Acerta teu contrato com o editorial do dia, o julgamento
político atingirá os carreiristas, os afortunados passarão por provação, já
ligo os pontos que um idiota tentará se eleger, em vão, o dia brilha e o sol é justo,
vamos em frente com toda a rotina, as cartas estão na mesa e na manga, tira um
coelho e mata dois coelhos, tira um ás e guarda teu coringa, um diabo faz
guerra, um anjo traz paz, entre os demônios da roda de sangue, a guerra acaba,
e a paz mais funda tem poema que lhe dê a forma, que é a forma do riso, poema
que enforma, a forma alegre, o dom de ser feliz.
Mas, não fique aí, este teu lamento é de poetas que se
suicidam, não seja um poeta triste, se és um homem vitruviano, você, homem e
mulher, trans ou o que quiser, teu dom já vem todo inteiro, como Buda, já temos
tudo, o dom de ser é que já temos, e nada mais importa, viverá mais quem for
ver que tudo cabe em um mundo mais justo, o mundo cão dos injustos cairá, nada
restará aos porcos do sistema, vejo luz em vocês, cada um ao seu tempo, como
uma orquestra ou big band que se inspira com o raio do sol.
Segue aqui o último trecho do poema :
TEMPO SOLAR :
Eis que tudo é ritmo, eu sei, eu sei,
Acendo um cigarro ou um charuto
e parece sempre tudo a mesma coisa,
mas nem toda revolução se dá no susto,
o território a se tomar muitas vezes
tem o tempo, este mestre, para
nos dar a razão com que sempre
sonhamos.
(POEMA EM PROSA)
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
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