“O jogo se sofisticou, e o truco mambembe deu lugar a ataques na veia”
Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado, anunciou que a CPI do MEC será realizada após as eleições, num acordo no Colégio de Líderes em que a escolha dos membros para a instalação da CPI se dará em momento oportuno. Tudo pode soar coerente quando se vê a agenda política tomada por compromissos eleitorais.
Contudo, esperar o momento passar ou a oportunidade de um inquérito após as eleições pode levar esta instalação da CPI para as calendas gregas, isto é, com o pano de fundo de proteger o governo de ataques e investigações em pleno processo eleitoral. Por sua vez, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) ameaçou ir ao Supremo Tribunal Federal (STF) para viabilizar a instalação da CPI desde já.
A expectativa era a de que em vias da leitura do requerimento, que já tem 31 assinaturas, quatro a mais do que as necessárias, no plenário do Senado, para organizar o colegiado que iria instaurar a CPI do Ministério da Educação, esta poderia, então, se viabilizar durante a legislatura eleitoral.
O ministro Milton Ribeiro, que chegou a ser preso, e depois solto pela interferência do desembargador do TRF da 1ª Região, Ney Bello, que mira uma vaga como ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça), em caso da instalação da CPI do MEC, não se livraria, no entanto, do processo político, em que ele se vê envolvido em atos de corrupção passiva, prevaricação, advocacia administrativa e tráfico de influência.
Em meio a este escândalo em que aparecem os nomes dos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, numa relação escusa do FNDE para favorecer prefeituras em troca da construção de igrejas, na liberação de verbas da pasta, temos agora o escândalo de assédio sexual do ex-presidente da Caixa Econômica Federal, que renunciou, Pedro Guimarães.
O caso escabroso em que aparece uma mistura tóxica de regime de trabalho que transitava entre os assédios sexual e moral, de um personagem que se envaideceu em um cargo de poder, querendo promover a sua imagem junto à Caixa, o tempo todo, mirando uma eventual vice-presidência da República, caso houvesse um segundo mandato do presidente Jair Bolsonaro, revela muito deste universo da administração pública, que pode, algumas vezes, variar entre poses pró-forma, e este mistifório escandaloso e tóxico de um poder que constrange e subjuga até ser denunciado e tudo cair por terra.
Indo além, neste ano eleitoral, o governo faz uma jogada de mestre, saindo de seu padrão de jogador de truco, e faz um movimento de xadrez, dando um xeque-mate na votação, a toque de caixa, de uma PEC, que tinha sido inicialmente chamada de kamikaze, pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e que agora cai como um garrote, fazendo senadores da oposição engolirem a seco e também aprovarem as medidas da PEC, que incluem o aumento do Auxílio Brasil para 600 reais, dobra o vale gás, e institui um voucher caminhoneiro de 1000 reais para compensar o aumento do diesel.
A discussão para a votação da Câmara, agora, é a de tentar evitar a judicialização da PEC no STF, com o argumento do estado de emergência. O custo da PEC de R$41,2 bilhões tenta ser justificado fiscalmente pelo ministro Paulo Guedes por receitas extraordinárias, dizendo também que tais despesas terão limite de prazo e de custo. O próprio relator da PEC, o senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), tentou justificar a viabilidade das despesas, dizendo que estas seriam compensadas por receitas extraordinárias vindas da venda da Eletrobrás, e de dividendos da Petrobras e dos bancos públicos.
Na verdade, é uma bomba fiscal que atua como uma gambiarra eleitoreira, podendo afrontar a Lei de Responsabilidade Fiscal, a regra de ouro e o teto de gastos. Tal bondade não foi feita nos três anos e meio de governo, o que expõe o caráter eleitoreiro escancarado desta PEC. Por outro lado, a votação poderá ter até o aval de deputados petistas, assim como houve no Senado, com seis votos petistas, mas com esta ressalva de um presidente desesperado, e que tenta ter pegada no Nordeste, o que não leva muito a crer numa virada mágica, no entanto, coisa que não se deu nem no seu auge como “mito” nas eleições de 2018.
Ao forçar a barra com estados e municípios na questão do ICMS, por sua vez, também vemos a corda sendo esticada para um estelionato eleitoral insustentável, tudo feito à luz do dia, e que prepara uma terra arrasada na educação, por secar a fonte do Fundeb. Tudo isso ocorre em meio a estes gestos radicais que estão todos relacionados a esta legislatura que envolve nova eleição presidencial.
O óbvio ululante é o de que se trata do que parece, a PEC é uma tentativa de reverter a queda de Bolsonaro diante da liderança de Lula nas pesquisas. Ou seja, um casuísmo que pode configurar abuso de poder econômico e político, o que é inconstitucional, e gerar questionamentos na lei eleitoral, que é uma lei ordinária, de caráter infraconstitucional.
A vergonha moral que avança, por sua vez, está nos nomes do ex-ministro Milton Ribeiro, e mais um que virou leproso para a imagem de Bolsonaro, esta figura medonha de Pedro Guimarães, em meio a um funcionalismo da Caixa que parece ter emergido de um pesadelo, e agora o banco estatal, sob o comando de uma mulher, Daniella Marques, tentará recompor-se moralmente, com todo o gabinete do ex-presidente do banco já sendo limado, sem mais.
O alinhamento que se faz agora é de uma campanha lulista que se equilibra contra um bolsonarismo decadente, mas passando ao largo da questão fiscal, pois o populismo parece ser um tipo de bala de prata para aprovar benesses com as quais a oposição, seja ela qual for, tem que se dar sem se arriscar eleitoralmente. É só ver a tergiversação em que ficou a senadora Simone Tebet (MDB-MS), a presidenciável que sobrou para a terceira via, no seu voto com ressalvas da PEC de bondades. O governo Bolsonaro, depois de movimentos autodestrutivos durante a pandemia, parece ter se tornado mais pragmático, e este cuidado da oposição diante do populismo não é força do acaso.
O jogo se sofisticou, e o truco mambembe deu lugar a ataques na veia, de jogadas de xadrez político, em que a oposição tenta se calçar e não tomar tombos. O apelo eleitoral do governo Bolsonaro irá até às últimas consequências. A pequenez sempre é previsível. Contudo, no jogo político, esta se permite ser eficaz, quando o apelo é grande e ilimitado.
Também temos uma dinamite já plantada em caso do plano eleitoral e populista dar água, que é a contestação do pleito eleitoral, com a conversa fiada de auditar eleições eletrônicas corroboradas no sentido de segurança cibernética por meio de diversos testes com hackers, e referendadas pela experiência do TSE. Por sua vez, os problemas que se deram na contagem de votos nos anos 1990, foram justamente antes do voto eletrônico, e não depois. A jogada é falaciosa, mas deixou esta dinamite engatada para o caso de sinistro na reeleição de Jair Bolsonaro.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário : https://www.seculodiario.com.br/colunas/cara-no-fogo
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