“O projeto de lei que estabeleceu a vacinação obrigatória que acarretou nos protestos foi enviado ao Congresso em 1904”
O que ocorre no contexto da vacinação contra a Covid-19 agora
no Brasil, com a influência do governo Bolsonaro, tanto pelo tratamento precoce,
como por movimentos contínuos de colocar a eficácia das vacinas em questão, é
uma tentativa de negacionismo da ciência, mistificação e charlatanismo.
Houve recuos do governo, no entanto, dada a pressão do senso
crítico jornalístico e de reiteradas posições de cientistas, não apagando este
vestígio atávico que mistifica estudos consolidados sobre métodos de imunização
da população pelo advento da vacina.
Em 1904, na então capital federal, Rio de Janeiro, durante o
governo do presidente Rodrigues Alves, que durou de 1902 a 1906, tivemos a
chamada Revolta da Vacina, também conhecida como Quebra-Lampiões, que foi um
protesto violento contra a obrigatoriedade decretada da vacinação contra a
varíola.
O projeto de lei que estabeleceu a vacinação obrigatória que
acarretou nos protestos foi enviado ao Congresso em 1904, sendo aprovado pelo
Senado em 20 de julho e na Câmara no fim de outubro, virando lei no dia 31 de
outubro de 1904.
Logo tal lei ganhou a oposição liderada por Lauro Sodré no
Senado e pelos deputados Barbosa Lima e Alfredo Varela na Câmara, e tivemos
também a oposição do Apostolado Positivista do Brasil. Tal oposição contra a
vacina também foi um pretexto para adversários políticos se rebelarem contra o
governo Rodrigues Alves.
Acontecia nesta época a reforma urbana da capital federal,
com a derrubada dos cortiços, no chamado “o Bota-Abaixo”, numa tentativa de
modernização da cidade do Rio de Janeiro, encampada pelo prefeito Pereira
Passos, tendo também sido feitas medidas de higienização da cidade.
O prefeito, neste movimento de reforma urbana, também
empreendeu uma série de obras públicas na área portuária da cidade, enquanto
Paulo de Frontin, também engenheiro como o prefeito, comandou as obras de
abertura da Avenida Central, atual Rio Branco, avenida do Cais, atual Rodrigues
Alves, e do canal do Mangue.
Em 1903 o prefeito Pereira Passos nomeou o sanitarista
Oswaldo Cruz, que teve uma passagem pelo Instituto Pasteur, na França, como
diretor geral de Saúde Pública, e seus desafios seriam enfrentar a febre
amarela, a peste bubônica e a varíola. No caso da varíola, teve esta aprovação
de vacina obrigatória que acarretou numa reação contundente de políticos e da
população.
A vacina foi desenvolvida no século XVIII por Edward Jenner,
médico e naturalista francês, e já tinha chegado no Brasil desde o início do
século XIX, com dom João VI criando a Junta da Instituição Vacínica em abril de
1811.
Em 1832 houve o Código de Posturas do Município do Rio de
Janeiro, estabelecendo vacinação obrigatória de crianças de “qualquer cor” e
com multas para quem descumprisse a determinação, mas tal medida, no entanto,
não se popularizou.
Um encontro em 5 de novembro de 1904 liderado por Lauro Sodré
no Centro das Classes Operárias, levou à fundação da Liga Contra a Vacina
Obrigatória. Nos dias 10 e 11, no largo de São Francisco, houve reuniões com
uma maioria de estudantes, e começaram embates com a polícia, prisões e
distúrbios urbanos, e vários incidentes se multiplicaram em vários bairros do
Rio de Janeiro.
O nome da revolta como “Quebra-Lampiões”, por exemplo, está
relacionado ao evento em que mais de 20 bondes da Companhia Carris Urbanos e
muitos lampiões da iluminação pública foram destruídos pela revolta popular
contra a vacina.
Representantes das forças armadas foram deslocadas para o Rio
de Janeiro, junto com uma repartição da cidade em três zonas de policiamento.
Em paralelo à revolta popular contra a vacina, houve um movimento militar para
derrubar o governo de Rodrigues Alves.
Tal movimento militar foi controlado, enquanto ainda
continuava a revolta contra a vacina, que só arrefeceu quando no dia 16 de
novembro foi decretado o estado de sítio e revogada a obrigatoriedade da vacinação.
Não houve no caso da pandemia de Covid-19 uma revolta popular
como a de 1904, mas o paralelo que se traça é o de desacreditar
sistematicamente da eficácia de imunização realizada pelas vacinas, que não
possuem um estudo totalmente conclusivo, pois tais constatações se dão por uma
comprovação de eficácia prévia feita com voluntários, uma vez que existem
muitas oscilações nos experimentos e testes com vacinas.
Mas crer, contudo, que não tomando a vacina nós podemos nos
prevenir de efeitos adversos, preferindo correr o risco de contrair um vírus
imprevisível em seus efeitos nos diferentes organismos humanos, com inúmeros
casos de sequelas e óbitos, é um tipo de negacionismo.
Este negacionismo também alimentou a antiga revolta popular
numa longínqua república velha, e que agora esta “nova política”, com seu
negacionismo em pleno século XXI, e a sua aliança com o centrão para sobreviver
no parlamento, é a velha política de uma república decrépita.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário : https://www.seculodiario.com.br/colunas/republica-velha
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