“A vida vivida e espontânea que nos guiava, este era o tipo de conhecimento comum do qual compartilhávamos”
Meu primo era uma pessoa fácil de gostar, conhecia muita
gente, com ele aprendi e, certamente, ele também aprendeu comigo. Nos dávamos
bem, sua vida foi marcada, no entanto, por uma tragédia em seu começo, o câncer
que matou sua mãe, minha tia, e agora este assassinato covarde que ceifou a sua
existência aqui conosco na Terra.
Me faz pensar, ou melhor, perceber, que a Vila de Itaúnas se
encontra em franca decadência, lugar de que ele tanto gostava e em que
aconteceu seu assassinato por um cara esquisito que nunca tinha ouvido falar.
Este cara esquisito não é músico, é assassino, e que tinha
comprado uma arma recentemente, e num enfrentamento físico com meu primo, logo
sacou esta arma de fogo e efetuou os disparos, nas costas, que não deram chance
de reação ou sobrevivência nesta última noite de sexta-feira, 18 de dezembro de
2020.
A família Medeiros e a família Del Nery estão em choque, no
meu caso é a segunda vez que passo por uma tragédia familiar resultante de
morte por assassinato por arma de fogo, pois meu irmão mais novo, Alex, morreu
de tiros num assalto no Rio de Janeiro, em 8 de janeiro de 2015.
E agora recebo mais esta notícia chocante e revoltante, meu
irmão tinha 24 anos, meu primo tinha 39 anos, vou fazer 39 e penso em como tudo
é tão frágil e delicado. De como o mundo ainda é povoado por alguns covardes
que causam tanta dor. Este assassino está para ser preso e espero que seja
assim, que tudo seja feito dentro das regras do Estado de Direito.
Na família Medeiros, perdemos nosso segundo jovem adulto,
primeiro foi minha tia Luciana, bem nova, de câncer, agora seu filho, Cuarassy,
de 39 anos, num lapso, tudo muito rápido. Eu disse que não ia ver o tal vídeo,
mas acabei vendo uns trechos sem querer, ao conferir uma reportagem de
televisão pelo WhatsApp.
Conheço aquilo tudo, andei muito pela vila, lugar em que não
piso nunca mais, não pelos moradores, mas pela memória que isto pode me
suscitar daqui para a frente. A certeza é de que não vou mais para Itaúnas, é o
terceiro homicídio na vila em poucos dias. É preciso atenção do poder público.
Disse que era fácil gostar de Cuarassy, e eu era um dos que
me dava bem com ele, uma vida intensa, sem paradeiro, mas que estava em todos
os lugares. Meu primo sabia viver, a capoeira foi sua escola, junto com a rua,
nós nos juntávamos e formávamos uma amálgama.
Nossa relação se completava na identidade de família e de
algumas semelhanças que nos unia, o sorriso frouxo dominava, algumas noites,
algumas praias, a vida vivida e espontânea que nos guiava, este era o tipo de
conhecimento comum do qual compartilhávamos.
Um dia vou te ver lá no céu, isso de certa forma me deixa
sereno. Em meio de uma tragédia, esta imaginação fértil sobre a vida após a
morte que me dá esperança de que nada tem fim.
Link de música : Legião Urbana : Vento No Litoral : https://www.youtube.com/watch?v=OR1_dmqAoGY
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário : https://www.seculodiario.com.br/colunas/cuarassy-guara
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