"por que Descartes partiu para a Holanda?”
Este livro, com um humor filosófico, foi escrito por Frédéric
Pagès, e se trata de uma alegoria que coloca, de um jeito leve, Descartes no
contexto de sua longa estadia na Holanda, e com uma especulação que tenta
situar a presença do filósofo que deu origem ao termo cartesiano numa trama
enfumaçada de consumo de maconha, e pior, de que a inspiração que ele teve para
suas meditações metafísicas e o discurso do método tenham tido origem num
suposto transe místico quando Descartes teria estado enfurnado num quarto.
A pergunta do subtítulo do livro vem com a pergunta que é o mote
do livro : Por que partir para a Holanda? Eis a questão e a tendência do livro
de associar o nome do filósofo René Descartes ao consumo de maconha e as
propriedades filosóficas da planta que poderia expandir seus horizontes
especulativos. Segundo o prefácio de Paulo Roberto Pires, intitulado “Sob o
signo da viagem”, ele diz que Frédéric Pagès faz uma “divertida reportagem
filosófico-histórica”.
Um parágrafo do prefácio resume bem o trajeto que fazemos ao
ler “Descartes e a Maconha” : “Em busca desse Descartes pra lá de Marrakesh,
Pagès empreende uma investigação narrada com pique de romance policial. São
conversas num coffee-shop de Amsterdam, visitas à casa-museu de Descartes e uma
leitura atenta da correspondência e de biografias do filósofo, bem como de
livros de história.”
Pagès começa a sua reflexão se indagando sobre Descartes ter
decidido deixar a França, e então este filósofo partir para Amsterdã, Breda,
Leiden e outros lugares mais obscuros. O livro se passa em 1996, em que a
França festeja o quarto centenário do nascimento de Descartes, e Pagès narra
aqui a sua estadia em Amsterdã e sua investigação sui generis sobre a figura de
Descartes no contexto holandês.
Pagès se encontra num bar chamado Bogt van Gune (Golfo da
Guiné), neste bar ele conversa com o dono deste bar, Tobie, francês exilado em
Amsterdã. E logo Tobie questiona Pagès a respeito de Descartes. Tobie lembra,
então, que Descartes viveu quase toda a totalidade de sua vida adulta na
Holanda, e foi neste país que o filósofo
escreveu e publicou todos os seus livros. E Tobie tascou a sua tese de que
Descartes veio para a Holanda para fumar maconha, para admiração, perplexidade
e ceticismo de Pagès.
Outra tese mais chocante de Tobie é a de que o motivo de
Descartes fazer constantes mudanças dentro da Holanda é a de que o filósofo não
somente fumava, como também traficava. Pagès, diante daquela tese extravagante
de Tobie, vai rumo à casa de Descartes em Amsterdã, num lugar chamado
Vijzelgracht.
Pagès então nos diz : “Na biblioteca, pedi todos os escritos
a respeito da vida do filósofo. Lá havia especialmente as obras de Samuel de
Sacy (Descartes), Gustave Cohen (Ecrivains français en Hollande dans la
première moitié du XVIIe siècle), Maxime Leroy (Descartes ou le philosophie au
masque) e sobretudo a edição de Adam-Tannery das obras completas com cinco dos
onze volumes da correspondência de Descartes ... tudo isso para ler em três
dias.”
Pagés então se imbui da missão de desfazer a tal tese
“cannábica” de Tobie, e revelar as razões verdadeiras da estadia de Descartes
na Holanda. E Pagès decide seguir o método do próprio Descartes, que em sua
obra filosófica “Discurso do Método”, no fim da segunda parte, nos diz o
seguinte : “O primeiro era nunca aceitar nenhuma coisa como verdadeira sem
tê-la conhecido evidentemente como tal.”
E segue Descartes : “O segundo era dividir cada uma das
dificuldades, que eu examinaria em tantas parcelas quantas fossem possíveis”. E
segue : “O terceiro, encadear ordenadamente meus pensamentos, começando pelos
objetos mais simples e mais fáceis.” E finalmente : “E o último, fazer em todo
lugar enumerações tão abrangentes e fichamentos tão completos que deem a
certeza de nada omitir.”
Na época de Descartes, a Holanda era o país mais próspero da
Europa, e Descartes parecia bem satisfeito neste país, segundo o que se pode
ler em suas correspondências. Foi na Holanda que Descartes publicou as
primeiras edições de O Discurso do Método, Os Princípios de Filosofia e O
Tratado das Paixões da Alma.
E Pagès, no entanto, traçou uma investigação sobre o filósofo
pouco citada pelos professores de filosofia que Pagès teve contato, ou seja, a
estadia holandesa de Descartes, o que leva à indagação de Pagès neste livro
“Descartes e a Maconha”, segundo Pagès : “Primeiro : por que Descartes partiu
para a Holanda? Segundo : por que aí ficou?”.
(continua)
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário : https://www.seculodiario.com.br/cultura/descartes-e-a-maconha-parte-i
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