Certamente que o osso duro de roer dá as cartas num vento de
força que urra e bate o martelo, fechado o contrato sem loucos senis, sem
floreios de mártir, sem nada a dever ao mundo cão, um livro que tem a
consistência de uma rocha, e os poetas de um elenco forte que lhe dão a mão,
poeta que reluz sua carne em espírito. Ossos do ofício, lembra do lumpen,
lembra dos dias sofridos da vida aberta e sem chão, daquela sua juventude que
se fortaleceu no raio impiedoso do desamparo, lembra de quem você é, lembra de
sua luta e por tudo o que você passou, ganhe vitória de sua luta também, mas
lembra, lembra.
A memória reluz este teu campo de azul que revira em verde,
veste tua armadura, gestos pontuais lhe trabalham o corpo, seu estro profundo
vem da guerra em busca da paz, sempiterno sentimento de garra, tua batalha gera
tua espada, teu gládio gera tua fortuna, se defenda dos precipícios, arme seu
dom, se defenda, sobretudo. Venha ao ataque também, funde uma república
alternativa, fume seu sonho e realize seu intento, ganhe teu rio castanho em
mar, volte ao tempo de infância, vire velho, torne-se adulto, conheça os
países, viva como um nababo, saiba viver como um renunciante, saiba que tudo
passa, volte e retenha este tudo que passa, viva o presente, lute pela memória
do passado, lute pela ambição nobre do futuro, seja seus três tempos, seja
completo, inteiro, sem estilhaço, sem fissuras, se revolte, bata de frente,
lute que nem um poeta, lute que nem um escritor, lute pela sua filosofia, ame
quem luta também, não se arrependa disto.
A poesia, numa lufada, ganha em tempo sua força, ganha todo
este tempo forte que nem um soco, verte sangue e música qual a barafunda de uma
azáfama de turba que gira como rebanho que parte em todo o caminho de povoados,
aldeias viram mundos na pena do artista, e seu canto universal pode vir de um
vilarejo de cantores trovadores e repentistas, a poesia do povo também registra
os sonhos de uma poesia de gabinete, de uma poesia erudita e declamada, tenho
no slam, certamente, a imagem mais bela da poesia do futuro, o futuro é slam,
bicho.
Eu logro vitória à poesia mnemônica, o slammer que diz “sou
aqui este que canta e rima, minha vida não foi sopa, mas tenho minha firma,
yeah, não dou mole para mané, pois aqui mantenho a minha fé”, e segue ali, em
meio ao burburinho e à cerveja. Não julgue teu passado, vire a mesa e ganhe o
jogo, mantenha a coluna ereta, o sangue frio e os nervos de aço, tenha nesta
regra a sua autoridade máxima, ao que negar o seu espaço, o chame de louco. Louco!
Diz o poeta. Primeiro, riram. Depois, choraram. E agora, respeitam.
Louco! Gritavam os loucos. Louco! Ah, mas a poesia é de uma ignorância
solene, bem ligadinha na cultura salutar e infalível do foda-se, venha aqui
lutar por um mundo melhor, mas fume seu baseado e se defenda com jah rastafári,
eles vão odiar. Louco! Gritavam os loucos. Louco! E depois calavam, atônitos
com a guerra que eclodia. Louco! Gritava o idiota. Louco! Chorava o idiota. E
todos ali se encastelavam depois da tragédia, pois faziam número para inglês
ver, e o poeta em seu foda-se tudo como uma grande denúncia. Loucos! Agora
gritava o poeta.
Mnemosyne, acho que alguns estão agora tanto ouvindo o
foda-se que acabam de se foder, a poesia solene ignora os sentimentos de
hipocrisia, os aniquila sem piedade, seu coração de poeta, memória, tem de seu
sentido reto seu mais perfeito mérito. E eles agora gritavam : Poeta! E o
poeta, depois de um foda-se bem dado, apenas dizia, numa serenidade de quem
passou por muito, obrigado.
29/06/2019 Gustavo Bastos
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