PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

domingo, 30 de junho de 2019

PROSA DA MEMÓRIA


Certamente que o osso duro de roer dá as cartas num vento de força que urra e bate o martelo, fechado o contrato sem loucos senis, sem floreios de mártir, sem nada a dever ao mundo cão, um livro que tem a consistência de uma rocha, e os poetas de um elenco forte que lhe dão a mão, poeta que reluz sua carne em espírito. Ossos do ofício, lembra do lumpen, lembra dos dias sofridos da vida aberta e sem chão, daquela sua juventude que se fortaleceu no raio impiedoso do desamparo, lembra de quem você é, lembra de sua luta e por tudo o que você passou, ganhe vitória de sua luta também, mas lembra, lembra.
A memória reluz este teu campo de azul que revira em verde, veste tua armadura, gestos pontuais lhe trabalham o corpo, seu estro profundo vem da guerra em busca da paz, sempiterno sentimento de garra, tua batalha gera tua espada, teu gládio gera tua fortuna, se defenda dos precipícios, arme seu dom, se defenda, sobretudo. Venha ao ataque também, funde uma república alternativa, fume seu sonho e realize seu intento, ganhe teu rio castanho em mar, volte ao tempo de infância, vire velho, torne-se adulto, conheça os países, viva como um nababo, saiba viver como um renunciante, saiba que tudo passa, volte e retenha este tudo que passa, viva o presente, lute pela memória do passado, lute pela ambição nobre do futuro, seja seus três tempos, seja completo, inteiro, sem estilhaço, sem fissuras, se revolte, bata de frente, lute que nem um poeta, lute que nem um escritor, lute pela sua filosofia, ame quem luta também, não se arrependa disto.
A poesia, numa lufada, ganha em tempo sua força, ganha todo este tempo forte que nem um soco, verte sangue e música qual a barafunda de uma azáfama de turba que gira como rebanho que parte em todo o caminho de povoados, aldeias viram mundos na pena do artista, e seu canto universal pode vir de um vilarejo de cantores trovadores e repentistas, a poesia do povo também registra os sonhos de uma poesia de gabinete, de uma poesia erudita e declamada, tenho no slam, certamente, a imagem mais bela da poesia do futuro, o futuro é slam, bicho.
Eu logro vitória à poesia mnemônica, o slammer que diz “sou aqui este que canta e rima, minha vida não foi sopa, mas tenho minha firma, yeah, não dou mole para mané, pois aqui mantenho a minha fé”, e segue ali, em meio ao burburinho e à cerveja. Não julgue teu passado, vire a mesa e ganhe o jogo, mantenha a coluna ereta, o sangue frio e os nervos de aço, tenha nesta regra a sua autoridade máxima, ao que negar o seu espaço, o chame de louco. Louco! Diz o poeta. Primeiro, riram. Depois, choraram. E agora, respeitam.
Louco! Gritavam os loucos. Louco! Ah, mas a poesia é de uma ignorância solene, bem ligadinha na cultura salutar e infalível do foda-se, venha aqui lutar por um mundo melhor, mas fume seu baseado e se defenda com jah rastafári, eles vão odiar. Louco! Gritavam os loucos. Louco! E depois calavam, atônitos com a guerra que eclodia. Louco! Gritava o idiota. Louco! Chorava o idiota. E todos ali se encastelavam depois da tragédia, pois faziam número para inglês ver, e o poeta em seu foda-se tudo como uma grande denúncia. Loucos! Agora gritava o poeta.
Mnemosyne, acho que alguns estão agora tanto ouvindo o foda-se que acabam de se foder, a poesia solene ignora os sentimentos de hipocrisia, os aniquila sem piedade, seu coração de poeta, memória, tem de seu sentido reto seu mais perfeito mérito. E eles agora gritavam : Poeta! E o poeta, depois de um foda-se bem dado, apenas dizia, numa serenidade de quem passou por muito, obrigado.

29/06/2019 Gustavo Bastos




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