“Em 1981, o movimento Rajneesh migra para os Estados Unidos”
O guru nos aparece como uma figura que conquista pela
sedução, e é por esta faculdade de admiração que ele ganha autoridade
espiritual, muito mais do que pelo seu suposto saber ou pretensa sabedoria, o
que se vende, contudo, é a palavra chave “sabedoria”, quase um fetiche na
espiritualidade oriental.
Quando lidamos, por sua vez, com o charlatanismo, este vem
com uma roupagem de visões, revelações, dons, e que são, mais uma vez, o meio
de persuasão e sedução que reinam no terreno ambíguo entre verdadeiros mestres
espirituais e a face mórbida, de outro lado, do prestidigitador ou embusteiro.
Logo aparece um mundo paralelo de chacras, passes magnéticos,
e demais meios que têm origem milenar, mas que, quando estão sob o domínio
hipnótico de um charlatão, são pretextos para embuste e ilusões de ótica de
diversas espécies, num mecanismo de sugestões que passam por milagres e de
carência que vira discipulado fervoroso e intransigente. O grande feitiço que
vem da sedução vira autoridade, e o discípulo entrega toda a sua alma (aqui
lida como crença) ao seu guru, o domínio aqui não necessita de transe
hipnótico, mas não deixa de ser um domínio das ideias e da mente, pois o pensamento
reflexivo próprio do discípulo é subjugado por um arquétipo e projeção de um
mestre espiritual, o guru.
O culto à personalidade, muito comum em ditadores de regimes
totalitários, tem vez também quando se fala de gurus, pois temos exemplos
diversos e extremos, alguns que serão citados ainda neste texto, como o Osho. A
deificação e a mistificação irrefletida são os meios em que um guru pode
aparecer aos discípulos como uma panaceia, mas quando se trata de um charlatão,
ele aqui é um tipo de placebo espiritual, o milagre ou cura são os fenômenos
recorrentes de uma sugestão coletiva ou histeria religiosa que produz a luz que
reina na figura do guru, e o culto à personalidade é seu efeito mais perverso.
Em 1993, temos o livro The Guru Papers, que desmonta a
tradição guru-discípulo no sentido de refutá-la. A crítica dirigida pelos
autores Diana Alstadt e Joel Kramer é a de que para o guru exercer seu controle
sobre o discipulado, ele aparece como uma figura que possui pureza, uma certa
superioridade, aqui, mais uma vez, os fetiches com a palavra “sábio” e
“sabedoria” são extenuantes (grifo meu). A hipocrisia do guru, por sua vez, na
visão dos autores, é a de que a pureza e a superioridade são as chaves do
domínio filosófico e espiritual do guru, bem, na verdade, nem filosófico e nem
espiritual, pois aqui, mais uma vez, quando se trata de charlatanismo, o
domínio é psicológico, no sentido negativo, e parece que, no The Guru Papers,
os autores generalizam estes mecanismos e chaves para a totalidade da tradição
guru-discípulo.
Nos anos 1960, por sua vez, com a eclosão do movimento hippie
e a descoberta do LSD pelos jovens, o novo mundo das drogas psicodélicas logo
se associa à ideia de expansão da mente, as portas da percepção, o que pode ser
traduzido espiritualmente como uma busca da transcendência, aqui potencializada
por ingestões de LSD e quejandos. Temos o guru do ácido, Timothy Leary, que
ganha fama nos anos 1960 como proselitista dos benefícios do LSD para abrir
novos campos da mente.
No caso da Índia, por sua vez, que é a origem mítica e
histórica da tradição guru-discípulo, temos a verdadeira profusão de homens
santos que vivem nesta nação, os renunciantes e mendicantes que buscam a
iluminação e a misturam com a pobreza voluntária, e ainda temos o fenômeno
Sathya Sai Baba, um autoproclamado avatar espiritual que muitos críticos chamam
de charlatão. O jornalista Sacha Kester, por sua vez, um crítico de Sai Baba,
cita o livro Karma Cola, do autor alemão Gita Mehta, economista, que diz : “é
minha opinião que um controle de qualidade deve ser introduzido nos gurus.
Muitos dos meus amigos enlouqueceram na Índia.”
Prabhupada, por sua vez, foi um líder religioso indiano que
funda a Sociedade Internacional para a Consciência de Krishna, que será
conhecida como o Movimento Hare Krishna, muito bem sucedido no Ocidente e no
mundo. Prabhupada nasce em Calcutá, e em 1965 vai aos Estados Unidos, e se
torna uma das influências mais importantes na contracultura ocidental, e vira
um dos maiores divulgadores da cultura védica no mundo. Prabhupada se torna um
líder carismático, no sentido weberiano, e consegue muitos seguidores, com o
dito Movimento Hare Krishna continuando a se expandir pelo mundo após a sua
morte.
Sathya Sai Baba, citado
anteriormente, dizia ser a reencarnação de Shirdi Sai Baba, figura do século
XIX, que era uma espécie de religioso eclético na Índia daquele tempo, figura
esta venerada por hindus e muçulmanos, no que Sathya também se julgava como um
avatar e que viria futuramente como Prema Sai Baba, já num tempo de paz no
mundo. O fato é que Sai Baba é tido por muitos como avatar, e também por muitos
outros como charlatão. Sua faculdade de materializar objetos com as mãos pode
ser entendido como fenômeno paranormal ou como prestidigitação, tal fenômeno
que era chamado de a materialização de vibhuti (cinza sagrada para os hindus) e
também pequenos objetos como anéis e colares.
Rajneesh Chandra Mohan Jain, nascido Chandra Mohan Jain, ficou
conhecido mais como Osho e também Bhagwan Shree Rajneesh. O guru se torna líder
do movimento Rajneesh. Ele atua como grande místico e também como exímio
orador, também produzindo uma vasta obra escrita, sendo que nos anos 1960 ele
faz viagens pela Índia como orador público, e aparece como um crítico da ortodoxia
religiosa hindu.
Na sua luta contra tradições religiosas engessadas, Osho
lembra da importância da meditação, da atenção plena e do amor, e com uma visão
liberal sobre a sexualidade, isto num espaço religioso que muitas vezes incluía
a renúncia aos instintos para a busca da iluminação espiritual, e Osho ia no
sentido contrário, de incluir o sexo no caminho da liberação espiritual, o que
só tem paralelo na Índia na tradição do Kama-Sutra. E, por fim, Osho fica
famoso como o “guru do sexo”.
Em 1981, o movimento Rajneesh migra para os Estados Unidos,
mais especificamente numa instalação conhecida como Rajneeshpuram, no Condado
de Wasco, no Oregon. Ali se estabelece, de modo instantâneo, um conflito entre
a comunidade local do condado e a comunidade dos Rajneesh, que resulta em ações
jurídicas em torno da construção do ashram. Logo temos um cenário de crimes,
como o caso que ficou mais famoso, que foi um ataque de intoxicação alimentar
em massa com bactérias Salmonella e um plano de assassinato abortado contra o
procurador Charles H. Turner, no que Rajneesh alega que sua secretária pessoal,
Ma Anand Sheela, e seguidores próximos, como os responsáveis pelos eventos e,
em 1985, Osho é deportado dos Estados Unidos.
Osho retorna à Índia, revive o ashram de Pune, e morre em
1990. Atualmente, o ashram de Osho, agora conhecido como OSHO International
Meditation Resort, a propriedade intelectual deixada por Osho, que inclui suas
diversas publicações em livros, tem a gestão da Osho International Foundation.
Osho ficou ainda mais famoso depois de sua morte, e é um dos maiores
representantes desta moda new age que pode servir para trazer sabedoria ou
somente para parecer “cool”, isto é, pode servir como autoconhecimento ou como
fenômeno de moda e de mídia.
Como fenômeno de mídia mais recente, por sinal, temos o
documentário exibido pela Netflix, Wild Wild Country, que conta a história dos
seguidores de Rajneesh no Oregon, esta aventura que mistura espiritualidade new
age e casos de polícia, vale a pena conferir.
(continua)
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário : https://seculodiario.com.br/public/jornal/artigo/gurus-e-curandeiros-parte-ii
Nenhum comentário:
Postar um comentário