“Temos o nosso salvador da pátria nos extremos da política”
Aqui vai o clown, emoções do palco, com uma flor na lapela, à
espera do inominável, do inaudito, vai ao encontro que resiste no nunca ser.
Clownesco, segue seu rumo, com uma gag engasgada em seu chapéu coco, espera o
dia propício, a viagem ideal, o mundo benquisto dos dramas felizes de uma peça
de paraíso e dança, a ópera canta e faz recital, os poetas cantam e fazem seu
périplo pela cidade que está insone.
Eu retenho minhas palavras mais pronunciadas, ataco e defendo
feito um sísifo que escorrega em seus planos, qual este clown que por Godot
clama, e novamente perde seu tempo numa gag infinita, pois seu relógio parou no
tempo infenso ao progresso, de um tempo monocórdio, leitmotiv, fixação,
monomania, obsessão, ele, o clown, que de suas graças inumeráveis dá uma
sapatada em seu escada no segundo ato, o circo se fecha, Godot não vem, no
entanto.
Sobe novamente a cortina, o clown se faz em meneios afetados
para seu novo número, seus sapatos sem cadarços, e seu escada perdido como uma
folha ao vento, Godot vira uma ideia, seu reinado não é deste mundo, o clown
com todo riso se dá também ao choro, como o palhaço triste do circo
tradicional, aqui, contudo, não tem a trapezista que ele sonhou, só um grande
deserto com folhas secas, com cactos e galhos de amendoeiras ressequidos, só um
mártir resistiria ao pão ázimo e endurecido servido por um serviçal tão
desamparado quanto este clown e seu patético escada.
O progresso, como dito, por aqui nunca deu as caras, o clown
é um ser antigo, ancestral, analógico, que tem em Godot um rasgo de luz que
tudo pode mudar, como este clown, existem outros, qual um sebastianismo que
joga com a ideia escatológica do dia do juízo, ou do retorno do rei etíope, ou
das inúmeras canções mitológicas que se fundam por todo este mundo que agoniza
lutando contra a finitude, que é como a penúria indesejada do mito grego, a
morte, pois aqui Godot é um imortal e uma dádiva desta esperança em meio ao
deserto que clama.
O clown se porta novamente agora em sua gag de sísifo com o
seu chapéu coco que cai e levanta, qual um moebius que vai e volta com uma
percepção anfibológica que furta a razão e nos apresenta a loucura da vida de
um palhaço triste, que está diante da misericórdia de um Godot que disse que
vinha. Ou o dito clown teria ouvido esta voz ou imaginado talvez este Godot que
nunca existiu, mito e não figura histórica, vai saber.
O sebastianismo no teatro se daria mais a autos como o de Gil
Vicente, mas aqui com Godot, temos uma gag becketiana como alegoria do tempo
perdido, a angústia fundamental do ser desesperado, aqui o clown poderia ser um
mártir do semi-árido, ou ainda um devoto de Padre Cícero aos pés do monte, ou o
pagador de promessas com sua cruz diante de uma escadaria, ou por fim o
retirante ou o refugiado perdido numa balsa pelo infindo mediterrâneo, com
Godot morando do outro lado do mar ou do rio.
Temos o nosso salvador da pátria nos extremos da política,
Godot é um misto de messias com deus ex machina que tudo pode, Godot é a
máquina viva que toma a dianteira quando o bom senso do clown vira delírio e
sua gag com o chapéu coco se repete ad infinitum num jogo maníaco e polarizado.
Às favas com os escrúpulos, Godot tem o clown na mão, este
clown infortunado que pede água e pão e tem na sua crendice seu Godot, seu
Sebastião, como um grande pacto em que o milagre acontece, e todos são salvos
pela mão sobrenatural deste que nos foi enviado, sendo o clown seu mais
fervoroso fiel.
Godot é um vazio. Não existe. O clown sai do transe, foi um
sonho, não tem oásis e nem jardim das delícias, o mundo é uma devastação, o
mundo é uma provação, o mundo é um vale de lágrimas, a dor conduz os homens, o
mundo feliz foi um rasgo delirante, um sonho numa noite de verão.
O feitiço que dominava o clown não foi um êxtase, foi um
surto, o domínio do fato é o mundo em que o pouco que existe já some na poeira
das estrelas, e a vida é imperfeita, e pior, não tem pena de ninguém, Godot
muito menos, pois para um bom cético já escaldado, para este, então, Godot não
existe.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário : http://seculodiario.com.br/public/jornal/artigo/esperando-godot
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