“o plano geral da obra gongórica possui duas fases”
Góngora tem todas as suas composições datadas, tendo assim
como ponto de partida o ano de 1580, e citando seu primeiro poema impresso, uma
canção que figura abrindo a tradução de Os Lusíadas para o castelhano feita por
Luís de Tapia.
Nesta sua primeira composição podemos já observar os temas
mitológicos que serão levantados em toda a sua obra, assim como já se verte
neste caso versos esdrúxulos à moda italiana, e na sua forma temos já também o
domínio de um léxico latinizante, figurando em seu modo de escrita como um
poeta de porte, o que no plano geral de sua poesia lhe dará a característica de
poeta culto, mesmo tendo feito parte de sua obra poética composições populares
como, por exemplo, letrillas e romances.
Na sua fortuna crítica temos como que uma visão histórica que
atuará de maneira pendular, pois temos o primeiro Góngora como bom, mesmo
diante de uma visão negativa de sua fase mais esteta com o “Polifemo” e as
“Soledades”. Portanto, o plano geral da obra gongórica possui duas fases,
embora possamos também, por outro lado, identificar uma continuidade entre
estas duas fases, configurando então um poeta inteiro e único, e por fim,
coerente com seu destino e objetivo poético.
Góngora foi ganhando fama até ampla a partir do início da
década de 1580, tendo produzido o soneto “A Córdova” sob influência de uma
viagem a Granada, seu primeiro feito literário de grande valor, podendo ser
citado, antes deste soneto, talvez somente o soneto “Al tramontar del Sol la
ninfa mia”, de 1582, pois neste temos já impresso o que seria a poesia futura e
a obra em geral de Góngora.
Luis Góngora, em face da renúncia de D. Francisco de Góngora
da prebenda que tinha na Igreja de Córdova, torna-se então prebendado da
catedral. Contudo, Góngora passa por interrogatório pelo bispo Francisco
Pacheco, e acaba delatado por um dos seus companheiros, no caso de ter ido a
corridas de touros e de escrever coplas profanas, no que o poeta se defende com
humor, sendo, por fim, multado e proibido de ir a novas touradas.
PANEGÍRICO AO DUQUE DE
LERMA
POEMAS :
I : O poema se abre da seguinte maneira,
já na inspiração de Euterpe, no que segue : “Se arrebatado mereci algum dia,/Euterpe, a soberana tua lição,/Beije o
curvo marfim desta macia/Sonante lira, tua divina mão;”. E o poema fecha ainda
com o ardor da lira, no que temos, por fim : “Sinta-o inda mais a Líbia surda e
odienta/Do que as áspides frias que alimenta.”
II : O poema descreve o marfim, e seu som,
e aqui entre os hindus, e ainda deve o poema, o poeta Góngora, ao duque de
Lerma, este que inspira esta grande peça gongórica, e aqui temos : “O osso canoro ouça da fera, inteira/Pompa
de suas margens, a corrente/Do Ganges, cuja bárbara ribeira/Banho é
supersticioso do Oriente :/De venenosa pluma, se ligeira,/Armado o escute o
Maranhão valente,/E a meus números deva-lhes o mundo/Um fênix de entre os
Sandos, um segundo.”
VII : Aqui se descreve o jovem duque, e seu
tio, bispo de Córdova, no que temos : “Jovem
depois meu ninho ilustrou pio,/Redil já numeroso para o gado/Que o silvo ouviu
de seu glorioso tio,/Pastor de povos bem-aventurado;” (...) “Tanta lhe mereceu
Córdova, tanta/Veneração a sua memória santa!”. Aqui um poema à cara memória
santa do bispo, por fim.
VIII : O poema bebe bem e prudente doutrina
do varão em glória, e ao fim nos lembra no poema a presença do centauro Quiron,
no que segue : “Doce bebia na escola
prudente/Ora a doutrina do varão
glorioso,/Ora chispas de sangue a espora ciente/Solicitava ao trovão generoso,”
(...) “De Quiron não biforme aprende ameno/Quantas já fulminou armas o heleno.”
XII : Aqui um poema próprio do panegírico,
que homenageia o duque com toda a pompa, no que temos : ““Cresce, ó de Lerma tu, ó tu de Espanha/Bem nascido esplendor, firme
coluna/Que ao bem cresces comum, pois não me estranha/O belo oráculo de tua
fortuna;” (...) “Ao santo rei que ao juízo teu sem engano/Os anos deverá de
Otaviano”.”. Aqui o poema que levanta a imagem do duque e ao fim cita o futuro
rei Filipe III de Espanha.
XXXVIII : O poema aqui descreve a Espanha que
então inundava as areias de Valença, no que temos : “A Valença inundava-lhe as areias/A Espanha então : o seu antigo muro/Só
era capaz de, havendo aquelas cheias,/Ser do Himeneu o tálamo futuro./Desatadas
a América suas veias/De um ostentou e de outro metal puro :/Admira, se o cavalo
pisa o prado,/Que ouro morda e que prata haja calçado?”. Eis então o himeneu, e
ao largo os metais chegados da América.
XXXIX : A bela Margarida, ainda no navio, aqui ouve de
Mercúrio lisonjas de seu esposo, no que temos :“Da nau, não inda os seios
inconstante/A bela Margarida havia deixado,/E já do esposo ela escutava amante/Lisonjas
doces, por Mercúrio alado :” (...) “Títulos cá na Espanha esclarecidos,/Em grã,
em ouro, a Alva, o Sol, vestidos.”. E os títulos de nobreza aqui bem lembrados,
o poema da realeza, a poesia cortesã, eis o panegírico em seu esplendor, estro
gongórico.
XL : A soberana Margarida é aqui homenageada, no que segue : “Com
pompa recebida enfim gloriosa/A pérola boreal foi soberana/Em cidade vãmente
generosa,” (...) “Doce um dia depois a fez esposa/Flamante o Castro em púrpura
romana;/Foi-se o rei, foi-se Espanha, e irreverente/Pisou o mar o que inundou a
gente.”. Por fim, a inundação novamente, Espanha e o mar.
LX : O Oriente aqui de despoja de seus bens, de sua ambição,
no que temos : “Ambicioso se despoja o Oriente/Das coisas que entesoura em si
mais belas :” (...) “O resplendor, a vaidade, a gala,/Em seu templo, em seu
circo e em sua sala.”. Uma descrição da riqueza oriental aqui nós temos, e o
destino que elenca em poema templo, salão e a gala.
LXV : O salão brilhante do palácio serve ao epiciclo ao rubi
do dia, o sol, o rei, no que temos : “Apenas confundiu a sombra fria/Nosso
horizonte, eis que o salão brilhante/Novo epiciclo ao grão rubi do dia/E ao
maior dos da noite deu diamante :” (...) “Um orbe desatou e outro sonante/Astros
de prata, que em luzentes giros/Bateram com alternos pés safiros.”. Por fim, o
poema descreve a dança dos nobres, com toda pompa de um poema gongórico e
barroco.
LXVI : Termina a festa, e temos então o poema, que nos diz : “Prolixa
prevenção em breve hora/Dissolveu-se, e o topázio resplendente/Que foi
ocidental balcão da aurora,/Canto de paço se tornou somente.” (...) “E o mesmo
âmbito à terra, mudo exemplo/Ao desengano bem fabrica um templo.”. Por fim, o
poema se encerra no templo, e nos lembra que tudo passa.
PANEGÍRICO AO DUQUE DE
LERMA
POEMAS :
(Introdução)
I
Se arrebatado mereci algum dia,
Euterpe, a soberana tua lição,
Beije o curvo marfim desta macia
Sonante lira, tua divina mão;
Emulando com as trompas na harmonia,
De neves branco o sétimo Trião
Sinta-o inda mais a Líbia surda e odienta
Do que as áspides frias que alimenta.
II
O osso canoro ouça da fera, inteira
Pompa de suas margens, a corrente
Do Ganges, cuja bárbara ribeira
Banho é supersticioso do Oriente :
De venenosa pluma, se ligeira,
Armado o escute o Maranhão valente,
E a meus números deva-lhes o mundo
Um fênix de entre os Sandos, um segundo.
(Mocidade do Duque, em Córdova)
VII
Jovem depois meu ninho ilustrou pio,
Redil já numeroso para o gado
Que o silvo ouviu de seu glorioso tio,
Pastor de povos bem-aventurado;
Com lábio alterno, ainda hoje, o sacro rio
Beija o nome em suas árvores gravado.
Tanta lhe mereceu Córdova, tanta
Veneração a sua memória santa!
VIII
Doce bebia na escola prudente
Ora a doutrina do varão glorioso,
Ora chispas de sangue a espora ciente
Solicitava ao trovão generoso,
Ao cavalo veloz, que em poeira ardente
Envolto voa, em fogo pulveroso.
De Quiron não biforme aprende ameno
Quantas já fulminou armas o heleno.
XII
“Cresce, ó de Lerma tu, ó tu de Espanha
Bem nascido esplendor, firme coluna
Que ao bem cresces comum, pois não me estranha
O belo oráculo de tua fortuna;
Cloto o fio, vital de fulgor banha
Ao que Mercúrio já prepara a curna,
Ao santo rei que ao juízo teu sem engano
Os anos deverá de Otaviano”.
(1599 : Bodas reais, em Valença)
XXXVIII
A Valença inundava-lhe as areias
A Espanha então : o seu antigo muro
Só era capaz de, havendo aquelas cheias,
Ser do Himeneu o tálamo futuro.
Desatadas a América suas veias
De um ostentou e de outro metal puro :
Admira, se o cavalo pisa o prado,
Que ouro morda e que prata haja calçado?
XXXIX
Da nau, não inda os seios inconstante
A bela Margarida havia deixado,
E já do esposo ela escutava amante
Lisonjas doces, por Mercúrio alado :
Ao Sandoval em zéfiros voante
De trinta vezes dois acompanhado
Títulos cá na Espanha esclarecidos,
Em grã, em ouro, a Alva, o Sol, vestidos.
XL
Com pompa recebida enfim gloriosa
A pérola boreal foi soberana
Em cidade vãmente generosa,
Em nação generosamente ufana.
Doce um dia depois a fez esposa
Flamante o Castro em púrpura romana;
Foi-se o rei, foi-se Espanha, e irreverente
Pisou o mar o que inundou a gente.
LX
(1605 : Batizado do futuro Filipe IV, em Valhadoli)
Ambicioso se despoja o Oriente
Das coisas que entesoura em si mais belas :
Quantas, Ceilão, tua esfera aduz rubente
Centelhas no melhor metal revelas;
Do solo seu trouxe Camboja à gente
As que apesar do Sol mostrou estrelas :
O resplendor, a vaidade, a gala,
Em seu templo, em seu circo e em sua sala.
LXV
Apenas confundiu a sombra fria
Nosso horizonte, eis que o salão brilhante
Novo epiciclo ao grão rubi do dia
E ao maior dos da noite deu diamante :
Por uma láctea após segunda via,
Um orbe desatou e outro sonante
Astros de prata, que em luzentes giros
Bateram com alternos pés safiros.
LXVI
Prolixa prevenção em breve hora
Dissolveu-se, e o topázio resplendente
Que foi ocidental balcão da aurora,
Canto de paço se tornou somente.
De a idade quantos mármores devora
Volvendo ao ar o espaço equivalente
E o mesmo âmbito à terra, mudo exemplo
Ao desengano bem fabrica um templo.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário : http://seculodiario.com.br/39109/17/gongora-panegirico-ao-duque-lerma
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