“virei pasta para entrar mais fácil na pintura de Dalí”
(Obs: ler ouvindo “Scream Thy Last Scream” de Syd Barrett)
Mister X adorava tomar LSD e contemplar suas réplicas de
pinturas surrealistas de Salvador Dalí. Um belo dia ele se transformou em pasta
e entrou no quadro “A Persistência da Memória”, e foi aí que começou a sua
aventura.
O tempo se liquefez e se transformava em formas elásticas de
sons e imagens, a sinestesia tomava o campo da percepção de Mister X, nos seus
olhos de gafanhoto e suas antenas ele detectava o relógio derretido quando da
descoberta da relatividade geral de Einstein.
A viagem no tempo se tornara possível para uma alucinação
potente daquele LSD puro ingerido uma hora antes, tudo girava em proporções
gigantescas, ele era uma pasta que metamorfoseava como uma lesma sem casco ou
uma minhoca psicodélica, era a própria mandala subterrânea em trânsito pelo inconsciente,
uma energia cinética emanava dos relógios derretidos e sua memória delirava com
um encanto juvenil, o grito rejuvenesceu e seu crânio derreteu junto com a
paisagem surrealista de Dalí.
Mister X nunca foi humano, foi concebido como uma máquina
para realizar experiências com alucinógenos e pinturas, cogumelos gigantes
invadiam a vastidão da viagem, lembrou Mister X de que não tinha nascido e nem
sido abortado, vivia como se tivesse brotado do chão, não era exatamente
humano, mas não era uma simples máquina e nem simplesmente uma experiência como
qualquer outra, ele era composto de várias fórmulas secretas que tornaram
possíveis suas viagens pelo tempo através de pinturas ao ingerir LSD.
Vamos ao relato imaginário de Mister X:
Eu era uma lesma subatômica, virei pasta para entrar mais
fácil na pintura de Dalí, não sei ao certo o que me levou, eu sei que me vi
entre os relógios de um tempo paralelo, subatômico, uma viagem quântica, é, eu
acho que fiquei microscópico, virei um elétron apenas, e um elétron pode fazer
o que quiser e se transformar no que quiser, então eu virei pasta subatômica e
meu átomo se dividiu em peças que se uniram à molécula alucinógena, eu sou a
própria viagem, eu sou o meu princípio ativo, tudo me é permitido sob esta nova
condição, onde nenhum humano jamais ousou entrar, no fundo de uma pintura com
sede e delírios.
A Persistência da Memória é visionária, a pasta subatômica
não era humana, Mister X não tinha mais crânio ou carne, sua viagem no tempo se
tornou possível por ser este partícula e onda, foi ao céu e saiu do outro lado
da existência, ele continuou e se fascinou com seu passeio pela pintura de
Dalí, nunca mais seria o mesmo, em todo o percurso vinham imagens e sons
diversos, tudo num caldo sinestésico de música psicodélica.
A miragem era seu sonho e torpor, seu surto era ter se
tornado um estranho ser inumano, geleia do tempo elástico de Einstein, ele já
não era alguém, a dissociação de seu ego derreteu seu superego e ele era um
bicho freudiano chamado ID, mas era um anti-ente subatômico, incompreensível
para a inteligência humana, seu destino de pasta o levava para ver o sentido do
tempo fora de seu curso normal, pois havia cronos e kairós.
Mas, agora, Mister X estava no que na mitologia grega chamam
de Tártaro, um ser nada que apenas flutua, e logo se encontra com Tânatos, é o
mundo louco da titanomaquia, Mister X nunca poderia voltar a ter um corpo e
alinhar a sua mente liquefeita com os velhos relógios de cronos, nem ter a sua
psique submetida a kairós, não havia mais realidade, o surrealismo de sua
anticondição de um anti-ente nos leva ao mundo escuro da anti-matéria, mas não
no universo, mas dentro da pintura, e sob efeito de LSD, nada mais complexo.
Mister X não sabia mais de nada.
Qual seria o seu fim? Tânatos? Ou dissolver-se no mar da
ilusão subatômica? Qual seria o antídoto para Mister X voltar ao normal? Sua
imaginação o levara longe, e não havia mais vestígio do que tivera sido, a
persistência de sua memória, neste caso, revelava um passado desconhecido para
ele mesmo.
O que ele lembrava parecia pertencer ao inconsciente coletivo
e não ao seu suposto eu. Ele não tinha mais eu, era um elétron, ainda pensava,
mas era surreal, inumano, terrível, temerário. Ele se arrepende e pede perdão a
Deus. Mas Deus não revela o segredo do que é o tempo, pois nem Einstein o tinha
decifrado, pois nem cronos e nem kairós teriam solução para o enigma.
O que restava era a morte das perguntas em Tânatos e no vazio
Tártaro, que não é o inferno cristão, onde ainda se tem pessoa e tempo, não é
mais do tempo que se trata a pintura de Salvador Dalí e a viagem de LSD de
Mister X, tudo se torna alegórico neste surrealismo pagão, Mister X era uma
experiência que termina num anti-tempo indecifrável.
Mister X nunca mais voltou de seu delírio subatômico, virou
pasta e se perdeu no infinito paralelo de uma pintura de Dalí, e não terá sido
em vão. Sua nova morada era a arte, e na arte podemos ser o que quisermos, não
haveria porque voltar, portanto.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário : http://seculodiario.com.br/39141/14/conto-surrealista
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