“um tipo de artista profissional, com tino de manager”
DO CINEASTA
“UNDERGROUND” AO ARTISTA MUNDANO
Em 1963, ainda antes de as suas caixas Brillo ser criticadas,
e também antes de o seu painel mural Thirteen Most Wanted Men do New York State
Pavillon ter provocado escândalo, Andy Warhol comprou uma máquina de filmar e
um gravador e foi viver na 47ª Rua e, em Novembro de 1964, Leo Castelli,
juntamente com Robert Rauschenberg, organizava então, a primeira grande
exposição da sua obra, na qual Warhol tinha escolhido uma série de flores que
já tinha apresentado em Paris em janeiro, no que Warhol disse: “Eu pensei que
os franceses talvez gostassem de flores, por causa de Renoir e de outros.”
“Warhol tinha descoberto a imagem num catálogo de Botânica”, refere Gerard
Malanga. “Ele disse-me: Aqui tens, faz disto uma serigrafia.”
Warhol era um artista gregário, em torno dele se juntou um
grupo de pessoas que, aos poucos, foi povoando o seu apartamento, e ali ele
vivia temporariamente e se ocupava dos mais variados trabalhos, e na então
Factory, se trabalhava muito, a produtividade era intensa. A “Factory” não se
configurava como uma fábrica e nem como uma empresa industrial, mesmo com este
nome, ela poderia sim ser comparada a um atelier de artistas como Verrochio,
Leonardo da Vinci, Cranach, Ticiano, Rubens ou Rembrandt, e não saía nada dali
que não tivesse a aprovação de Warhol, e seus trabalhadores lhe serviam como
instrumentos do que ele veio a chamar de codificação de um conceito imperfeito
de “espírito do tempo”, o que incluía, por exemplo, o grupo musical Velvet
Underground, que começava a ensaiar numa parte do apartamento.
Por sua vez, os filmes de Warhol concentraram-se, de
imediato, em desenvolvimentos e dados elementares: “Sleep” (1963), o seu
primeiro filme de seis horas, apresenta um homem adormecido e a câmara passa
pelas várias partes do corpo. Na realidade, o filme tem apenas uma duração de
20 minutos, porque, tal como acontece em muitas das suas serigrafias, a
primeira sequência repete-se. “Empire”, cujo “cameraman” foi Jonas Mekas, apresenta
durante oito horas o orgulho de Manhattan, o Empire State Building, visto do
44º andar do Time-Life-Building. Por fim, o retrato filmado de Henry Geldzahler
apresenta durante 100 minutos o conhecedor de arte a fumar um charuto.
Tais filmes de Warhol colocavam ao avesso convenções do
cinema hollywoodiano, pois quebrava o paradigma narrativo de tal cinema, no que
se via, agora, sequências longas e maçantes, sem cortes, com planos e enquadramentos
que pouco variavam, rodado com a câmera Auricon, a qual proporcionava o
registro simultâneo da imagem e do som, resultando em diálogos sem nexo, frases
anódinas retratando a vida cotidiana, com um trabalho de câmera precário, com
um toque de amadorismo.
Mas, a aparente inépcia destes filmes era um estilo, e que
era calcado numa falta proposital de profissionalismo, numa subversão absoluta
de cânones narrativos, resultando num produto espontâneo e vivo. No entanto,
sem o cinema de Hollywood, não é possível conceber os filmes de Warhol que,
aproveitando os mitos daquele, se singularizam pela sua oposição consciente à
fatura especial hollywoodiana, e ao contrário deste cinema, cujo
profissionalismo visava produzir uma realidade ainda mais real que a própria, o
cinema underground americano queria documentar a realidade tangível com as suas
contradições e imperfeições, e à medida que Warhol aprendia a dominar o ofício,
os seus laços com o cinema de Hollywood estreitavam-se de forma paradoxal. Nos
filmes, Andy Warhol retomava os princípios estéticos das suas serigrafias, com
a repetição de imagens idênticas, cujo princípio norteador era a “imagem em
movimento”.
Mais tarde, no dia 3 de Junho de 1968, Valerie Solanis, único
membro da S.C.U.M. (Society for Cutting Up Men) perpetrava o funesto atentado à
pistola contra o artista. Depois de se ter submetido a uma grave operação, teve
que passar dois meses no hospital; as duas balas que o tinham atingido
atravessaram os pulmões, o ventre, o fígado, a vesícula e ferido na coxa.
“Sinto-me constantemente atormentado com a ideia de que, quando os loucos fazem
qualquer coisa, eles irão fazê-la novamente alguns anos mais tarde, sem se
lembrarem de já terem cometido esse ato, e julgarão, então, estar a fazer algo inteiramente
novo. Em 1968, fui atingido a tiro; é um fato de 1968. Mas aflige-se a ideia:
“Será que nos anos 70, alguém desejará repetir estes tiros? Eis uma outra
maneira de ser fã” (Warhol).
Uma visão verdadeiramente confrangedora das estruturas do
vedetismo, que revela os riscos a que está exposta uma estrela num mundo que
tem necessidade dela para assumir a sua existência. As palavras de Marlene
Dietrich ecoam ainda: “Fiquei para morrer com tantas fotografias.” Mais
frequente do que a morte física, como no caso de John Lennon, a morte psíquica
é uma consequência do vedetismo: não é a vedeta aquela aparição não material, feita
de sombras e de luz, sem direito a uma existência própria, uma estrela no
firmamento dos anseios humanos?
Enquanto Paul Morrissey se ocupava da produção
cinematográfica da “Factory”, Warhol colaborava ativamente com o grupo de rock
“Velvet Underground”, com o qual, em Abril de 1966, montou, na discoteca de
Nova Iorque “DOM”, um espetáculo multimídia de música, dança, iluminação,
projeção de dispositivos e filmes, em que participou a alemã Nico, cantora,
atriz e boneca moderna. No mesmo ano, organizou na Leo Castelli a sua última
exposição de obras “tradicionais”. Forrou as paredes a papel pintado, cujo
único motivo, ilimitadamente repetido, era uma cabeça e, como esculturas
flutuantes, apresentou almofadas de balão prateadas – as Silver Pillows. Em
1967, prestou homenagem a Marilyn Monroe com uma série de serigrafias que
reuniu em grupos de dez e, em Paris, na casa de Ileana Sonnabend, expôs a série
completa dos Thirteen Most Wanted Men. Neste mesmo ano, foi viver para Union
Square West, onde instalou também a “Factory”. Finalmente, na Expo`67 de
Montreal, apresentou seis auto-retratos: mesmo no plano óptico, a pessoa do
artista triunfava sobre a sua obra.
No ano seguinte, publicou um diário com Gerard Malanga, “The
Andy Warhol-Gerard Malanga Monster Issue”, assim como o romance “A”, a reprodução
exata de uma gravação de 24 horas dos barulhos e conversas na “Factory”. Em
1970, um cenário intitulado “Clouds” e destinado ao ballet “Rainforest” do
coreógrafo Merce Cunningham veio completar o seu inacreditável espectro
artístico. John Wilcock convenceu-o a editar uma nova revista e a “Inter/View”
tornou-se o porta-voz mais popular do universo Warhol.
Mesmo após uma entrevista no fim dos anos 60 em que Warhol
dizia que tinha abandonado o desenho, na realidade, ele interrompeu a sua
atividade como pintor apenas durante algum tempo. Com retratos do comunista
chinês Mao Tsé-Tung, iniciou no começo dos anos 70 um novo capítulo da sua
criação pictórica, quer sob o ponto de vista de conteúdo, quer da forma. Warhol
intensificou o aspecto manual do seu trabalho, acentuou o traço de pincel em
detrimento da parte impressa, introduzindo parcialmente pintura a óleo nas suas
serigrafias, e fez desaparecer a impressão de produção mecânica.
Mao tornou-se um símbolo, assim como Mick Jagger, o cantor do
grupo de rock Rolling Stones, que entrou também na galeria de cabeças célebres
de Warhol, ou Willy Brandt, e também Leo Castelli e Joseph Beuys e também os
heróis “falecidos” Franz Kafka, Sigmund Freud, Golda Meir e George Gershwin
que, com outros, foram reunidos, em 1980, na série Ten Portraits of Jews of the
Twentieth Century. O mesmo acontecendo com Goethe, Alexandre, o Grande e Lenin,
e com vista a eventuais retratos serigráficos, o artista fotografava com a
Polaroid a maior parte das personalidades que encontrava.
Naturalmente, há muito tempo que também Warhol se tinha transformado
numa superestrela dos media. Tendo em consideração este aspecto, executou nada
mais nada menos que seis séries diferentes de autorretratos e, em 1981
alistou-se mesmo entre os mitos americanos como Mickey Mouse, Uncle Sam e
Superman. Em contrapartida, Warhol, num trabalho em série, transformou o
Martelo e a Foice, emblema do comunismo, numa marca de fábrica – muito antes de
ser impresso em T-shirts.
E durante os trabalhos de restauração do quadro de Leonardo
da Vinci A Última Ceia, Warhol propôs ao público reproduções de substituição,
serigrafias em tela de formato grande e em versões diferentes. Com a série
Carros, celebrou a prestigiosa marca alemã Daimler-Benz. A catedral de Colônia,
os palácios do construtor real Luís II da Baviera, os espetáculos organizados
pelo arquiteto favorito de Hitler, Albert Speer, por ocasião do congresso do
Partido Nacional-Socialista em Nuremberg, faziam com que os motivos dos seus
últimos quadros estivessem constantemente a mudar, não se manifestando aqui
critérios claros de seleção.
A “Factory”, que ainda mudou de instalações várias vezes,
produzia incessantemente; a revista “Inter/View”, cujas quotas Warhol tinha
vendido, divulgava o seu universo semana após semana. A multiplicação pela
repetição era uma parte de sua filosofia. E no começo dos anos 70, passava 24
horas por dia, como um possesso, a registrar tudo no gravador; e na maior parte
das vezes, eram só ruídos. Guardava tudo o que lhe vinha parar às mãos. Queria
esticar o tempo até ao infinito. A morte surpreendeu-o, quando era já um mito.
FINAL E PRESENTE
Andy Warhol era um artista do seu tempo; porém não era um
revolucionário, mas conseguiu realizar importantes mudanças no mundo da Arte, e
se tornou o único artista autenticamente pop, acompanhando os ventos de uma
nova Arte Contemporânea, com iniciativas nem sempre dele, pois muitas vezes era
levado de roldão por impulsos vários. Warhol era uma espécie de antena que
captava como ninguém as aspirações da sociedade em que vivia, explorando a
consciência coletiva e gravando nela suas criações, com uma arte familiar e não
como algo desconhecido. Exceto a sua celebridade, Warhol de fato não inventou
nada, recriando e traduzindo o espírito de sua época.
Warhol não era um visionário ou um gênio ou uma pessoa
sofrida com a vida, mas sim um tipo de artista profissional, com tino de
manager, se utilizando da mídia, e que não recuava diante de nenhuma
adversidade, com aspectos pop e midiáticos que não deixava para trás o caráter
de subversão de sua arte, e graças a sua contribuição no mundo da Arte, Warhol
renovou o cenário, evitando os impasses e dilemas das vanguardas, e que
terminou com o tempo da Arte burguesa, fazendo implodir este conceito dominante
da Arte.
(Baseado no livro Andy Warhol de Klaus Honnef, editora
Taschen)
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário: http://seculodiario.com.br/33251/17/andy-warhol-e-pop-art-parte-4
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