ALLEN GINSBERG COMBINAVA REBELDIA ROMÂNTICA E POSTURA
ANARQUISTA
Allen Ginsberg foi
um dos poetas norte-americanos de maior destaque da segunda metade do século XX
em seu país. Mistura de rebeldia romântica e postura anarquista, ele atuou em
seus poemas com a energia de grande liberação, mesmo nirvana ou satori que
seduziu Jack Kerouac, mito do On The Road. Em parceria com este, mais os nomes
de Burroughs, Corso, Ferlinghetti, Snyder e outros, estes fizeram uma revolução
na linguagem, expoentes da chamada geração beat, esta influenciada pelo
surrealismo de escrita espontânea, e ainda, pelo espírito de vanguarda de
dadaístas e cubistas. O trabalho da geração beat foi ainda inspiração para o
movimento hippie da década de 1960. A grande liberação budista vem aliada com a
experimentação com drogas alucinógenas, criando o contexto de uma revolução
poética que, por sua vez, era também uma grande reforma ou revolução dos
costumes.
A revolução poética
da geração beat, e de seu representante mais cult, Allen Ginsberg, é expressão
de uma liberdade de criação que rompe com o beletrismo, o excesso de
formalismo, e o academicismo, abrindo novas perspectivas que se originavam em
uma transformação literária, mas que tinha, também, uma energia liberadora que
atingia, por sua vez, dimensões políticas e existenciais, o que leva esta
revolução poética beat para uma poesia militante de arte e transformação da
realidade circundante, buscando, por um tipo de utopia, a criação de um mundo
mais livre, libertário, libertino e liberado, uma atitude que reflete em
posturas e ações no sentido de contracultura e rebelião contra o que reprime os
movimentos de libertação da arte e dos costumes.
Allen Ginsberg, com
seu eu criador, rompe com o mundo da pura forma abstrata, numa nova relação
entre poesia e vida, que serão tão intensas como suas origens ocultas e espirituais,
tais que se davam, por exemplo, com William Blake e Arthur Rimbaud. Allen
Ginsberg também passa por suas experiências de iluminação espiritual, assim
como Jack Kerouac também passara. E este poema, “Uivo para Carl Solomon”, que é
um dos poemas que abrem o livro Uivo, de Allen Ginsberg, são fruto de um
encontro lendário e surreal entre o poeta Allen Ginsberg e seu amigo e também
poeta Carl Solomon num hospício, que pode ser traduzido como um encontro entre
personagens dostoievskianos: “Quem é você?”, “Eu sou Michkine” (Ginsberg), “Eu
sou Kirilov” (Solomon), diálogo que resume um encontro entre O Idiota e Os
Demônios. Nada no que se diz sobre poetas e poesia, pelo que se entende de vida
libertária, será entendido pelo mundo comezinho da vida ordinária, poetas nunca
são óbvios, a criação nova é para um mundo novo.
O Uivo
Para Carl Solomon
I
Eu vi os expoentes da minha geração, destruídos pela
loucura, morrendo
de fome, histéricos, nus,
arrastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada
em busca de uma dose violenta de qualquer
coisa,
hipsters com cabeça de anjo ansiando pelo antigo
contato celestial
com o dínamo estrelado da
maquinaria da
noite,
que pobres esfarrapados e olheiras fundas, viajaram
fumando sentados na
sobrenatural escuridão dos
miseráveis
apartamentos sem água quente, flutuando
sobre os tetos das
cidades contemplando o jazz,
que desnudaram seus cérebros ao céu sob o Elevado
e viram anjos
maometanos cambaleando iluminados
nos telhados das
casas de cômodos,
que passaram por universidades com olhos frios e
radiantes
alucinando Arkansas e tragédias à luz
de Blake entre os
estudiosos da guerra,
que foram expulsos das universidades por serem loucos
& publicarem
odes obscenas nas janelas do crânio,
que se refugiaram em quartos de paredes de pintura
descascada em roupa
de baixo queimando seu
dinheiro em cestos
de papel escutando o Terror
através da parede,
que foram detidos em suas barbas púbicas voltando
por Laredo com um
cinturão de marihuana para
Nova Iorque,
que comeram fogo em hotéis mal pintados ou
beberam terebentina
em Paradise Alley, morreram ou
flagelaram seus
torsos noite após noite com
som, sonhos, com
drogas, com pesadelos na vigília,
álcool e caralhos
em intermináveis orgias,
incomparáveis ruas cegas sem saída de nuvem trêmula,
e clarão na mente
pulando nos postes dos pólos de
Canadá &
Paterson, iluminando completamente o
mundo imóvel do Tempo
intermediário,
solidez de Peiote dos corredores, aurora de fundo de
quintal das verdes
árvores do cemitério, porre de vinho
nos telhados,
fachadas de lojas de subúrbio
na luz cintilante
de neon do tráfego na
corrida de cabeça
feita do prazer, vibrações de
sol e lua e árvore
no tronco de crepúsculo de
inverno de
Brooklyn, declamações entre latas
de lixo e a suave
soberana luz da mente,
que se acorrentaram aos vagões do metrô para o
infindável percurso
do Battery ao sagrado Bronx
de benzedrina até
que o barulho das rodas e
crianças os
trouxesse de volta, trêmulos, a boca
arrebentada o
despovoado deserto do cérebro
esvaziado de
qualquer brilho na lúgubre luz do Zoológico,
que afundaram a noite toda na luz submarina
de Bickford´s,
voltaram à tona e passaram a tarde
de cerveja choca no
desolado Fuggazi´s escutando
o matraquear da
catástrofe na vitrola
automática de
hidrogênio,
que falaram setenta e duas horas sem parar do
parque ao apê ao
bar ao Hospital Bellevue ao
Museu à Ponte do
Brooklyn,
batalhão perdido de debatedores platônicos saltando
dos gradis das
escadas de emergência dos parapeitos
das janelas do
Empire State da Lua,
tagarelando, berrando, vomitando, sussurrando fatos
e lembranças e
anedotas e viagens visuais e choques
nos hospitais e
prisões e guerras,
intelectos inteiros regurgitados em recordação total
com os olhos
brilhando por sete dias e noites,
carne para a
sinagoga jogada à rua,
que desapareceram no Zen de Nova Jersey de
lugar algum
deixando um rastro de postais ambíguos
do Centro Cívico de
Atlantic City,
sofrendo suores orientais, pulverizações tangerianas
de ossos e
enxaquecas da China por causa da
falta da droga no
quarto pobremente mobiliado de Newark,
que deram voltas e voltas à meia noite no pátio da
ferrovia
perguntando-se aonde ir e foram, sem
deixar corações
partidos,
que acenderam cigarros em vagões de carga, vagões
de carga, vagões de
carga, que rumavam ruidosamente
pela neve até
solitárias fazendas dentro da noite do avô,
que estudaram Plotino, Poe, São João da Cruz, telepatia
e bop-cabala pois o
Cosmos instintivamente
vibrava a seus pés
em Kansas,
que passaram solitários pelas ruas de Idaho procurando
anjos índios e
visionários que eram anjos índios e visionários
que só acharam que estavam loucos quando Baltimore
apareceu em estase
sobrenatural,
que pularam em limusines com o chinês de Oklahoma
no impulso da chuva
de inverno na luz das ruas
da cidade pequena à
meia-noite,
que vaguearam famintos e sós por Huston procurando
jazz ou sexo ou
rango e seguiram o espanhol
brilhante para
conversar sobre a América e a Eternidade,
inútil tarefa, e
assim embarcaram
num navio para a
África,
que desapareceram nos vulcões do México
nada deixando além
da sombra das suas calças
rancheiras e a lava
e a cinza da poesia espalhadas
pela lareira
Chicago,
que reapareceram na Costa Oeste investigando o FBI
de barba e bermudas
com grandes olhos pacifistas
e sensuais nas suas
peles morenas, distribuindo
folhetos
ininteligíveis,
que apagaram cigarros acesos nos seus braços
protestando contra
o nevoeiro narcótico de
tabaco do
Capitalismo,
que distribuiram panfletos supercomunistas em Union
Square, chorando e
despindo-se enquanto as
Sirenes de Los
Alamos os afugentavam gemendo
mais alto que eles
e gemiam pela Wall Street e
também gemia a
balsa de Staten Island
que caíram em prantos em brancos ginásios desportivos,
nus e trêmulos
diante da maquinaria de outros esqueletos,
que morderam policiais no pescoço e berraram de
prazer nos carros
de presos por não terem cometido
outro crime a não
ser sua transação pederástica e tóxica,
que uivaram de joelhos no metrô e foram arrancados do
telhado sacudindo
genitais e manuscritos,
que se deixaram foder no rabo por motociclistas
santificados e
berraram de prazer,
que enrabaram e foram enrabados por esses serafins
humanos, os
marinheiros, carícias de amor
atlântico e
caribeano,
que transaram pela manhã e ao cair da tarde em
roseirais, na grama
de jardins públicos e cemitérios,
espalhando
livremente seu sêmen para
quem quisesse vir,
que soluçaram interminavelmente tentando gargalhar
mas acabaram
choramingando atrás de um tabique
de banho turco onde
o anjo loiro e nu veio
trespassá-los com
sua espada,
que perderam seus garotos amados para as três
megeras do destino,
a megera caolha do dólar heterossexual, megera caolha que pisca de
dentro do ventre e
a megera caolha que só sabe
sentar sobre sua
bunda retalhando os dourados
fios intelectuais
do tear do artesão,
que copularam em êxtase insaciável com um garrafa
de cerveja, uma
namorada, um maço de cigarros, uma
vela, e caíram na
cama e continuaram
pelo assoalho e
pelo corredor e terminaram
desmaiando contra a
parede com uma visão da
boceta final e
acabaram sufocando o derradeiro lampejo da
consciência,
que adoçaram as trepadas de um milhão de garotas
trêmulas ao
anoitecer, acordaram de olhos vermelhos
no dia seguinte
mesmo assim prontos
para adoçar
trepadas na aurora, bundas luminosas
nos celeiros e nus
no lago,
que foram transar em Colorado numa miríade de
carros roubados à
noite, N.C., herói secreto destes
poemas, garanhão e
Adônis de Denver – prazer
ao lembrar suas
incontáveis trepadas com garotas
em terrenos baldios
& pátios dos fundos de
restaurantes de
beira de estrada, raquíticas fileiras
de poltronas de
cinema, picos de montanha
cavernas com
esquálidas garçonetes no
familiar levantar
de saias solitário à beira da
estrada &
especialmente secretos solipsismos de
mictórios de postos
de gasolina & becos da cidade
natal também,
que se apagaram em longos filmes sórdidos, foram
transportados em
sonho, acordaram num
Manhattan súbito e
conseguiram voltar com uma
impiedosa ressaca
de adegas de Tokay e horror
dos sonhos de ferro
da Terceira Avenida &
cambalearam até as
agências de desemprego,
que caminharam a noite toda com os sapatos cheios
de sangue pelo cais
coberto por montões de
neve, esperando que
uma porta se abrisse no
East River dando
para um quarto cheio de vapor e ópio,
que criaram grandes dramas suicidas nos penhascos
de apartamentos do
Huston à luz azul de holofote
antiaéreo da luta
& suas cabeças receberão
coroas de louro no
esquecimento,
que comeram o ensopado de cordeiro da imaginação
ou digeriram o
caranguejo do fundo lodoso dos
Rios de Bovery,
que choraram diante do romance das ruas com seus
carrinhos de mão
cheios de cebola e péssima música,
que ficaram sentados em caixotes respirando a
escuridão sob a
ponte e ergueram-se para construir
clavicórdios em
seus sótãos,
que tossiram num sexto andar do Harlem coroando de
chamas sob um céu
tuberculoso rodeados pelos
caixotes de laranja
da teologia,
que rabiscaram a noite toda deitando e rolando sobre
invocações sublimes
que ao amanhecer amarelado
revelaram-se versos
de tagarelice sem sentido,
que cozinharam animais apodrecidos, pulmão coração
pé rabo borsht
& tortilhas sonhando com
o puro reino
vegetal,
que se atiraram sob caminhões de carne
em busca de um ovo,
que jogaram seus relógios do telhado fazendo seu
lance de aposta
pela Eternidade fora do Tempo
& despertadores
caíram em suas cabeças por
todos os dias da
década seguinte,
que cortaram seus pulsos sem resultado três vezes
seguidas,
desistiram e foram obrigados a abrir
lojas de
antiguidades onde acharam que estavam
ficando velhos e
choraram,
que foram queimados vivos em seus inocentes
ternos de flanela
em Madison Avenue no meio das
rajadas de versos
de chumbo & o estrondo contido
dos batalhões de
ferro da moda & os guinchos
de nitroglicerina
das bichas da propaganda &
o gás mostarda de
sinistros editores inteligentes
ou foram
atropelados pelos taxis bêbados
da Realidade
Absoluta,
que se jogaram da ponte de Brooklyn, isso realmente
aconteceu, e
partiram esquecidos e desconhecidos
para dentro da
espectral confusão das ruelas
de sopa &
carros de bombeiros de Chinatown,
nem uma cerveja de
graça,
que cantaram desesperados nas janelas, jogaram-se
da janela do metrô
saltaram no imundo rio
Paissac, pularam
nos braços dos negros, choraram
pela rua afora,
dançaram sobre garrafas
quebradas de vinho
descalços arrebentando
nostálgicos discos
de jazz europeu dos anos 30
na Alemanha,
terminaram o whisky e vomitaram
gemendo no toalete
sangrento, lamentações nos
ouvidos e o sopro
de colossais apitos a vapor,
que mandaram brasa pelas rodovias do passado
viajando pela
solidão da vigília da cadeia de
Gólgota de carro
envenenado de cada um ou então
a encarnação do
Jazz de Birmingham,
que guiaram atravessando o país durante setenta e duas
horas para saber se
eu tinha tido uma visão ou se ele tinha
tido uma visão para
descobrir a Eternidade,
que viajaram para Denver, que morreram em Denver,
que retornaram a
Denver & esperaram em vão,
que espreitaram
Denver & ficaram parados pensando
& solitários em
Denver e finalmente partiram
para descobrir o
Tempo & agora Denver está
saudosa de seus
heróis,
que caíram de joelhos em catedrais sem esperança
rezando por sua
salvação e luz e peito até que a
alma iluminasse seu
cabelo por um segundo,
que se arrebentassem nas suas mentes na prisão
aguardando
impossíveis criminosos de cabeça
dourada e o encanto
da realidade em seus corações
que entoavam suaves
blues de Alcatraz,
que se recolheram ao México para cultivar um
vício ou às
Montanhas Rochosas para o suave
Buda ou Tânger para
os garotos do Pacífico Sul
para a locomotiva
negra ou Havard para Narciso
para o cemitério de
Woodlaw para a coroa
de flores para o
túmulo,
que exigiram exames de sanidade mental acusando
o rádio de
hipnotismo & foram deixados com sua
loucura & e
mãos & um júri suspeito,
que jogaram salada de batata em conferencistas da
Universidade de
Nova Iorque sobre Dadaísmo
e em seguida se
apresentaram nos degraus de
granito do
manicômio com cabeças raspadas e
fala de arlequim
sobre suicídio, exigindo
lobotomia imediata,
e que em lugar disso receberam o vazio concreto da
insulina metrazol
choque elétrico hidroterapia
psicoterapia
terapia ocupacional pingue-pongue
& amnésia,
que num protesto sem humor viraram apenas uma
mesa simbólica de
pingue-pongue mergulhando
logo a seguir na
catatonia,
voltando anos depois, realmente calvos exceto por
uma peruca de
sangue e lágrimas e dedos
para a visível
condenação de louco nas celas das
cidades-manicômio
do Leste,
Pilgrim State, Rockland, Greystone, seus corredores
fétidos, brigando
com os ecos da alma, agitando-se
e rolando e
balançando no banco de solidão à
meia-noite dos
domínios de mausoléu
druídico do amor, o
sonho da vida um
pesadelo, corpos
transformados em pedras
tão pesadas quanto
a lua,
com a mãe finalmente ***** e o último livro
fantástico atirado
pela janela do cortiço e a última
porta fechada às 4
da madrugada e o último
telefone
arremessado contra a parede em
resposta e o último
quarto mobiliado esvaziado até
a última peça de
mobília mental, uma rosa de papel
amarelo retorcida
num cabide de arame do armário
e até mesmo isso
imaginário, nada mais
que um bocadinho
esperançoso de alucinação –
ah, Carl, enquanto você não estiver a salvo eu não
estarei a salvo e
agora você está inteiramente
mergulhado no caldo
animal total do tempo –
e que por isso correram pelas ruas geladas obcecadas
por um súbito
clarão da alquimia do uso da elipse
do catálogo do
metro inviável & do plano vibratório,
que sonharam e abriram brechas encarnadas no
Tempo & Espaço
através de imagens justapostas
e capturaram o arcanjo
da alma entre 2 imagens
visuais e reuniram
os verbos elementares e
juntaram o
substantivo e o choque da consciência
saltando numa
sensação de Pater Omnipotens
Aeterne Deus,
para recriar a sintaxe e a medida da pobre prosa
humana e ficaram
parados à sua frente, mudos e
inteligentes e
trêmulos de vergonha, rejeitados
todavia expondo a
alma para conformar-se ao
ritmo do pensamento
em sua cabeça nua e infinita,
o vagabundo louco e Beat angelical no Tempo,
desconhecido mas
mesmo assim deixando aqui
o que houver para
ser dito no tempo após a morte,
e se reergueram reencarnados na roupagem
fantasmagórica do
jazz no espectro de trompa
dourada da banda
musical e fizeram soar o
sofrimento da mente
nua da América pelo
amor num grito de
saxofone de eli eli lama lama
sabactani que fez
com que as cidades tremessem
até seu último
rádio,
com o coração absoluto do poema da vida arrancado
de seus corpos bom
para comer por mais mil anos.
II
Que esfinge de cimento e alumínio arrombou seus
crânios e devorou
seus cérebros e imaginação?
Moloch! Solidão! Sujeira! Fealdade! Latas de
lixo o dólares
intangíveis! Crianças berrando
sob as escadarias!
Garotos soluçando nos
exércitos! Velhos
chorando nos parques!
Moloch! Moloch! Pesadelo de Moloch! Moloch o
mal-amado! Moloch
mental! Moloch o pesado
juiz dos homens!
Moloch a incompreensível prisão! Moloch o
presídio desalmado
de tíbias cruzadas e o Congresso
dos Sofrimentos! Moloch
cujos prédios são
julgamento! Moloch a
vasta pedra da guerra!
Moloch os governos
atônitos!
Moloch cuja mente é pura maquinaria! Moloch cujo
sangue é dinheiro
corrente! Moloch cujos
dedos são dez
exércitos! Moloch cujo peito é
um dínamo canibal!
Moloch cujo ouvido é
um túmulo fumegante!
Moloch cujos olhos são mil janelas cegas! Moloch
cujos arranha-céus
jazem ao longo de ruas como
infinitos Jeovás!
Moloch cujas fábricas sonham
e grasnam na
neblina! Moloch cujas colunas de fumaça
e antenas coroam as
cidades!
Moloch cujo amor é interminável óleo e pedra!
Moloch cuja alma é
eletricidade e bancos!
Moloch cuja pobreza
é o espectro do gênio!
Moloch cujo destino
é uma nuvem de hidrogênio
sem sexo! Moloch
cujo nome é a Mente!
Moloch em que permaneço solitário! Moloch em
que sonho com anjos!
Louco em Moloch!
Chupador de caralhos
em Moloch! Mal-amado
e sem homens em
Moloch!
Moloch que penetrou cedo na minha alma! Moloch
em quem sou uma
consciência sem corpo!
Moloch que me
afugentou do meu êxtase natural!
Moloch a quem
abandono! Despertar em Moloch!
Luz escorrendo do
céu!
Moloch! Moloch! Apartamentos de robôs! Subúrbios
invisíveis! Tesouros
de esqueletos! Capitais cegas!
Indústrias
demoníacas! Nações espectrais!
Invencíveis
hospícios! Caralhos de granito!
Bombas monstruosas!
Eles quebraram suas costas erguendo Moloch ao Céu!
Calçamento, arvores,
rádios, toneladas! Levantando
a cidade ao Céu que
existe e está em todo lugar
ao nosso redor!
Visões! Profecias! Alucinações! Milagres! Êxtases!
Descendo pela
correnteza do rio americano!
Sonhos! Adorações! Iluminações! Religiões! O
carregamento todo em
bosta sensitiva!
Desabamentos! Sobre o rio! Saltos e crucificações!
Descendo a
correnteza! Ligados! Epifanias!
Desesperos! Dez
anos de gritos animais e suicídios!
Mentes! Amores
novos! Geração louca! Jogados
nos rochedos do
Tempo!
Verdadeiro riso no santo rio! Eles viram tudo! O olhar
selvagem! Os berros
sagrados! Eles deram adeus!
Pularam do telhado!
Rumo à solidão! Acenando! Levando
flores! Rio abaixo!
Rua acima!
III
Carl Solomon! Eu estou com você em Rockland
onde você está mais
louco do que eu
Eu estou com você em Rockland
onde você deve
sentir-se muito estranho
Eu estou com você em Rockland
onde você imita a
sombra da minha mãe
Eu estou com você em Rockland
onde você assassinou
suas doze secretárias
Eu estou com você em Rockland
onde você ri desse
humor invisível
Eu estou com você em Rockland
onde somos grandes
escritores na mesma
abominável máquina
de escrever
Eu estou com você em Rockland
onde seu estado se
tornou muito grave e é
noticiado pelo rádio
Eu estou com você em Rockland
onde as faculdades do
crânio não agüentam
mais os vermes dos
sentidos
Eu estou com você em Rockland
onde você bebe o chá
dos seios das solteironas
de Utica
Eu estou com você em Rockland
onde você bolina os
corpos das suas
enfermeiras as
harpias do bronx
Eu estou com você em Rockland
onde você grita de
dentro de uma camisa de
força que está
perdendo o verdadeiro jogo
de pingue-pongue do
abismo
Eu estou com você em Rockland
onde você martela o
piano catatônico a alma
é inocente e imortal
e nunca poderia morrer
impiamente num
hospício armado,
Eu estou com você em Rockland
onde com mais de
cinqüenta eletrochoques
sua alma nunca mais
retornará a seu corpo de
volta de sua
peregrinação rumo a uma cruz
no vazio
Eu estou com você em Rockland
onde você acusa seus
médicos de loucura e
prepara a revolução
socialista hebraica contra
o Gólgota nacional e
fascista
Eu estou com você em Rockland
onde você rasga os
céus de Long Island e faz
surgir seu Jesus
vivo e humano do túmulo
sobre-humano
Eu estou com você em Rockland
onde há mais de
vinte e cinco mil camaradas
loucos todos juntos
cantando os versos finais da
Internacional
Eu estou com você em Rockland
onde abraçamos e
beijamos os Estados Unidos
sob nossas cobertas
Estados Unidos que
tossem a noite toda
e não nos deixam dormir
Eu estou com você em Rockland
onde despertamos
eletrocutados do coma pelos
nossos próprios
aeroplanos da mente roncando
sobre o telhado eles
vieram jogar bombas
angelicais o
hospital ilumina-se paredes imaginárias
desabam Ó legiões
esqueléticas correi para fora
Ó choque de
misericórdia salpicado de estrelas
a guerra eterna
chegou Ó vitória esquece tua roupa
de baixo estamos
livres
Eu estou com você em Rockland
nos meus sonhos você
caminha gotejante de volta
de uma viagem
marítima pela grande rodovia que
atravessa a América
em lágrimas até a porta do
meu chalé dentro da
Noite Ocidental.
(Poema do livro Uivo de Allen Ginsberg)
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário: http://seculodiario.com.br/24702/17/allen-ginsberg-combinava-rebeldia-romantica-e-postura-anarquista
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