“A década de diretores em Hollywood foi a de 1970”
Com o livro “Como a
Geração Sexo-Drogas-e-Rock-n-Roll salvou Hollywood”, Peter Biskind realiza um
trabalho documental primoroso que reúne muitos dos acontecimentos importantes
da nova geração de diretores de cinema que surgiu em Hollywood na virada da
década de 1960 e que se consolidou como a geração do cinema que colocou a
década de 1970 como a década dos diretores de Hollywood, e que, por isso, pelo
efeito renovador num cinema até então tradicional, foram batizados como a
geração da Nova Hollywood.
Neste livro de
Biskind temos um apanhado do que foi e do que significou esta Nova Hollywood,
envolvendo diretores como Coppola, Scorsese, Lucas, Spielberg, Hopper,
Bogdanovich, Altman, dentre outros. Esta é a história da era mais criativa de
Hollywood desde o auge dos grandes estúdios.
Libertando uma nova
geração de cineastas do conformismo dos anos 1950, eventos anunciavam algo
novo: o movimento dos direitos civis, os Beatles, a pílula, o Vietnã e as
drogas, com a geração baby boom caindo como uma bomba mesmo sobre a tradição
estabelecida dos estúdios em Hollywood. O flower power era agora o desafio dos
padrões, com os Hell`s Angels, de outro lado, desfilando com suas motos pelo
Sunset Boulevard e o desbunde de garotas com os peitos de fora ao som de The
Doors. Isso fazia parte de uma revolução cultural à moda americana.
Em 1967, dos filmes,
Bonnie e Clyde – Uma rajada de Balas, e a Primeira Noite de um Homem, fariam
Hollywood tremer, juntos, em seguida, com 2001: Uma Odisseia no Espaço e O Bebê
de Rosemary em 1968, Meu Ódio Será Tua Herança, Perdidos na Noite e Sem Destino
em 1969, M*A*S*H* e Cada um Vive Como Quer em 1970, Operação França, Ânsia de
Amar, A Última Sessão de Cinema e Quando os Homens São Homens em 1971, e o megassucesso
O Poderoso Chefão de 1972. Surgia um movimento, e a imprensa logo batizou de
Nova Hollywood, tal que aparecia liderado por uma nova geração de diretores no
cinema norte-americano.
A década de
diretores em Hollywood foi a de 1970, pois antes o que tinha eram os grandes
diretores da era dos estúdios, como John Ford e Howard Hawks. A diferença era
que na década de 1970 os novos diretores se tornaram autorais e tinham um
estilo, realizando um verdadeiro trabalho artístico, enquanto os diretores da
era dos estúdios foram mais contadores de histórias, empregados bem pagos para
divertir e não fazer arte.
A primeira geração
da Nova Hollywood incluía Peter Bogdanovich, Francis Ford Coppola, Warren
Beatty, Stanley Kubrick, Dennis Hopper, Mike Nichols, Woody Allen, Bob Fosse,
Robert Benton, Arthur Penn, John Cassavetes, Alan Pakula, Paul Mazursky, Bob
Rafelson, Hal Ashby, William Friedkin, Robert Altman e Richard Lester. A
segunda geração, vinda das escolas de cinema, os chamados moleques do cinema,
incluía Martin Scorsese, Steven Spielberg, George Lucas, John Milius, Paul
Schrader, Brian De Palma e Terrence Malick. E o novo poder dos diretores sempre
vinha, agora, com a grafia ou o conceito de autor, teoria do autor que era uma
invenção de críticos franceses que achavam que diretores para filmes tinham que
ser como poetas para poemas.
O sonho da Nova
Hollywood era o de libertar o cinema do comércio. Os cineastas da década de
1970 pretendiam derrubar os estúdios, por meio da democratização do processo de
fazer filmes. E isso foi favorecido pelo fato de que no final da década de
1960, os estúdios estavam em crise financeira. O antes poderoso sistema de
estúdios estava sendo engolido por conglomerados corporativos, os estúdios
estavam virando um aperitivo para grandes companhias cujas atividades
principais nada tinham o que ver com cinema, como seguros, minas de zinco etc.
Mas, contudo, esta crise dos estúdios abria caminho para uma nova geração de
executivos. Jovens veteranos da Era de Ouro da televisão ao vivo dos anos 1950
uniram-se a refugiados rebeldes do teatro nova-iorquino e a outros visionários
para criar um novo modo de fazer cinema, bem à frente do que se fazia até
então. Um dos resultados foram o longa Sombras, de John Cassavetes, em 1960,
totalmente realizado fora do sistema, enquanto Kubrick, na Inglaterra, fez
Lolita em 1962 e Doutor Fantástico em 1964.
Mas, por enquanto,
esta produção ainda não se comparava com o que ocorria com a Idade de Ouro do
cinema europeu e japonês do pós-guerra, que reunia a era da Nouvelle Vague
francesa, Ingmar Bergman, Akira Kurosawa, Michelangelo Antonioni e Federico
Fellini. Porém, algo estava sendo gestado no cinema americano, e os novos
executivos estavam mais dispostos a correr riscos do que seus predecessores,
com riscos que tinham algo semelhante a adquirir algum pequeno filme
independente americano ou um filme europeu de arte desgarrado como, por
exemplo, Alfie-Como Conquistar as Mulheres, Georgy, A Feiticeira ou o magnífico
Blow-Up – Depois Daquele Beijo de Antonioni, filme este que ostentava uma
narrativa opaca que deixou a maioria dos executivos inteiramente confusa, eles
simplesmente não sabiam o que estava acontecendo.
A ideia para Bonnie
e Clyde tinha surgido na cabeça de Benton e Newman ainda em 1963, pois ambos
haviam visto Acossado, de Jean-Luc Godard, e não tiraram o filme da cabeça, e
tinham verdadeira adoração por Truffaut. E a Nouvelle Vague os permitiu
escrever com uma moralidade mais complexa, personagens ambíguos e
relacionamentos mais sofisticados. E Bonnie e Clyde foi um dos derradeiros
filmes do antigo regime da Warner. O filme estreou bem no meio do Verão do
Amor, e sua crítica no The New York Times foi devastadora, “uma chanchada
barata”, e a Warner era retrógrada demais para perceber o que tinha nas mãos, e
a crítica Kael, depois de uma resenha que a The New Republic se recusou a
publicar, e então o artigo parou na The New Yorker, que a colocou como
colaboradora fixa da revista, dizia neste texto que “Bonnie e Clyde é o filme
americano mais entusiasticamente americano desde Sob o Domínio do Mal” e
deflagrou uma campanha pela reabilitação do filme.
Quando Peter Fonda, em um quarto, meio
doidão, olhou uma foto de Anjos Selvagens, um filme que ele havia feito como
ator, foto com ele e Bruce Dern numa moto, ele teve um estalo, imaginou que
aquilo era o novo western americano, dois caras atravessando o país de moto, e
em plena madrugada, a única pessoa doida o bastante para entender a ideia era
Dennis Hopper. Enquanto isso, em 1965, Schneider se unia a Rafelson em Los
Angeles para criar uma pequena empresa, a Raybert, mais tarde renomeada BBS que
transformou a indústria do cinema.
Quanto aos
preparativos para a filmagem do que viria a ser Sem Destino, o filme dos
motociclistas, ainda não havia roteiro, sabia-se de que teria a filmagem do
carnaval de Nova Orleans que durava três dias, Peter Fonda e Dennis Hopper
sabiam o nome dos dois personagens principais: Billy, interpretado por Hopper,
e Wyatt, vivido por Fonda. Só sabiam que queriam filmar uma viagem de ácido,
fora isso, quase nada sabiam. Ninguém entendia o que seria a história geral do
filme, e em que estágio os acontecimentos estariam quando os personagens
chegassem a Nova Orleans. E, segundo a lenda, Jack Nicholson fumou um número
prodigioso de baseados durante a filmagem da cena da fogueira, quando os três
personagens discutem a possibilidade de uma invasão de venusianos. Nicholson se
gabava de ter queimado fumo todos os dias durante 15 anos, dizia que ajudava a
diminuir o ritmo de sua performance.
Na sala de montagem,
Hopper seguia a sua visão alucinada, sabia que a Nouvelle Vague havia dispensado
efeitos óticos tradicionais como fusões, sobreposições e afins, porque não
tinham dinheiro para isso, e nesta falta criou uma estética diferente, deu a
seus filmes um estilo de documentário com o ritmo da narrativa acelerado.
Hopper gostava disso, e também curtia os cineastas underground americanos.
Então, Hopper recusou-se a descartar “imperfeições” técnicas como fulgor na
lente (o fulgor é um reflexo em forma de espiral que ocorre quando o eixo da
lente se aproxima demais do sol e a luz reflete em torno dos elementos da
lente), dando ao filme um visual amador. E na maior parte do filme, Hopper e
Fonda usaram músicas que estavam na trilha temporária, sendo um dos primeiros
filmes impulsionados pela poderosa influência do rock da década de 1960, e que
seria, em frente, elemento de filmes como Loucuras de Verão, Caminhos Perigosos
e Apocalypse Now. A Columbia podia não saber o que fazer com Sem Destino, mas o
filme já era comentado na contracultura, e o ator Bruce Dern conhecia Nicholson
de outros tempos e estava terminando de filmar A Noite dos Desesperados com
Jane Fonda. Sem Destino estreou no dia 14 de julho de 1969, e o filme teve um
choque de reconhecimento junto com o que trazia, a contracultura.
O resultado concreto
de Sem Destino foi a confirmação do conceito da Raybert e a transformação da
companhia numa nova força cultural, pois eles não haviam apenas produzido um
filme de sucesso, mas instaurado um gosto estético diferente e uma nova
sensibilidade, abrindo o caminho da contracultura em direção a Hollywood. E
pouco antes do lançamento de Sem Destino, a Raybert se tornou BBS (Bert, Bob e
Steve) com a entrada de Blauner. Rapidamente a BBS se tornou o ponto de
encontro de cineastas e radicais de todo tipo.
Orson Welles dizia
que Hollywood tinha sido arruinada por Thalberg, que tinha inventado o produtor
criativo, ou seja, o produtor que dizia ao diretor o que fazer. Isso durou de
1930 até década de 1960. E Bert virou o jogo. A nova geração de diretores seria
a Nouvelle Vague de Hollywood. A ideia original da BBS é que todos eram
múltiplos, isto é, todos poderiam ser roteiristas, diretores e atores,
trabalhando uns nos filmes dos outros, uma ideia de comunidade, de coletividade
que, porém, tinha uma pessoa no comando, que era Bert Schneider.
Nas primeiras horas
da madrugada de sábado, 9 de agosto de 1969, com Sem Destino nas telas havia
menos de um mês, a turma de Charles Manson partiu do Spahn Ranch para
assassinar Sharon Tate, grávida de oito meses, numa casa de Benedict Canyon, o
número 10.050 da Cielo Drive que Roman Polanski alugara. Quatro outras pessoas
também foram mortas. E uma sensação de medo e paranoia desceu sobre a cidade.
Apesar da relativa obscuridade das vítimas, os crimes repercutiram muito.
Corriam rumores, também, de que Manson tinha uma lista de futuras vítimas
célebres. Roman Polanski, o diretor de O Bebê de Rosemary, era brilhante,
culto, mas pessoas próximas a ele, naquela época, tinham uma tendência a
morrer. E aquelas mortes de Manson não era a morte na mão dos “porcos”, como
Bonnie e Clyde, Meu Ódio Será Tua Herança, Butch Cassidy e Sem Destino tinham
imaginado, era um roteiro mais impactante: Manson era igual a eles, em termos,
um hippie dos anos 1960. Se Hollywood era o planeta proibido, ele era o monstro
do id. Este acontecimento redefiniu
aquela época, afetando o trabalho de todos. E a grande ironia era que os crimes
ocorreram dois anos depois do Verão do Amor e uma semana antes de Woodstock. E
as drogas psicodélicas estavam saindo de moda, o ácido havia sido misturado às
anfetaminas criando uma droga chamada STP, que levava a estados agudos de
paranoia. Haight-Ashbury, bairro de São Francisco, já estava sendo dizimado por
bolinhas e heroína e Hollywood começava a sua jornada com a cocaína. E agora,
enquanto a polícia procurava os assassinos de Sharon Tate, Sem Destino rugia
nas telas americanas.
A esta altura, os
executivos da Warner viam filmes “de arte”. Tantos filmes de Kurosawa que
tivesse, além de quase todos de Fellini, Truffaut, Renoir, Ermano Olmi, René Clair.
E Ashley contratara Calley pelo seu bom relacionamento com diretores. E agora,
com Calley, os diretores começaram a fazer filmes sem produtores. Os estúdios
achavam que os diretores eram todos uns loucos, quando houve o acordo com
Kubrick para fazer Laranja Mecânica, o pânico da perda de controle com os
diretores baixou, pois os estúdios estavam habituados a contratar uma pessoa
pelo seu talento e depois tornavam impossível para ela usar esse talento. E
Calley não seguia isso, sendo a única pessoa de poder num estúdio que já tinha
trabalhado num filme. E deu a possiblidade de os diretores controlarem tudo,
que começaram imediatamente a fazer filmes sem produtores, mandando em tudo. E
o primeiro sucesso da nova administração foi Woodstock, de Weintraub.
O próximo sucesso da
Warner foi Houve Uma Vez no Verão, e Wells trouxe Eastwood, o astro da
Universal, para a Warner para fazer Perseguidor Implacável. Em seguida, Kubrick
fez Laranja Mecânica, Pollack fez Mais Forte que a Vingança, Alan Pakula fez
Klute- O Passado Condena, Friedkin faria O Exorcista, Truffaut dirigiu A Noite
Americana, e Visconti, Os Deuses Malditos e Morte em Veneza. Com a Warner
adquirindo uma produção independente intitulada Billy Jack, esta se tornou uma
mina de ouro, e que pegou projetos como Amargo Pesadelo, dirigido por John
Boorman, que surpreendeu até a própria Warner.
Depois de uma semana
de Calley na Warner, este recebeu um telegrama de São Francisco que dizia: “Ou
vai ou racha.” Estava assinado “Francis Ford Coppola, American Zoetrope.”
Coppola tinha trabalhado para a Warner com o filme O Caminho do Arco-íris, que
fora um fracasso. E Coppola, neste momento, estava decidido a retomar a sua
carreira, distanciar-se dos estúdios e ganhar autonomia. Escreveu Caminhos Mal
Traçados enquanto dirigia O Caminho do Arco-íris, e dirigiu seu filme novo no
verão de 1968. Coppola sempre colocava pressão sobre o estúdio, gastando o
máximo de dinheiro possível, até que não houvesse opção a não ser ir em frente
com o projeto. “Francis podia vender gelo aos esquimós” Lucas disse. Como
Hopper e Fonda, Coppola e Lucas haviam percebido que os filmes não precisavam
mais ser rodados e montados em Hollywood. Os novos equipamentos, muito mais
leves, permitiam que a produção caísse na estrada, procurando a América real,
filmando histórias sobre gente de verdade.
E Francis via a sua
Zoetrope como um estúdio alternativo na linha de Sem Destino, completamente
revolucionário, e que acolheria um monte de ideias que jamais seriam permitidas
dentro dos estúdios convencionais. A Zoetrope era uma ruptura com Hollywood.
Coppola continuava a maravilhar os jovens cineastas que reunira ao seu redor.
Murch mixou o som de Caminhos Mal Traçados na rua Folsom, na nova máquina alemã
da Zoetrope. Mas havia algo de errado, e depois que todos tinham passado um bom
tempo coçando a cabeça, Francis disse: “Aposto que é o capacitor. Me dá uma
máquina de soldar.” Para espanto de Murch, Coppola foi para baixo da mesa de
mixagem e retirou um dos capacitores e soldou um novo no lugar. Murch diz: “Ele
não era o tipo de pessoa que dizia: ‘Vamos trazer um especialista para
consertar isso.’ Devemos admirar um cara que não apenas escreve, produz e
dirige, mas também consegue descobrir o que está errado e consertá-lo, o que
estava além da minha própria capacidade, muito embora eu fosse o mixador.”
Francis teve um
impacto grande sobre Lucas. George Lucas não era roteirista, mas foi Francis
que o obrigou a escrever. Além disso, Francis estava sempre atrás de George,
insistindo para ele aprender a trabalhar com atores. As visões de George e de
Francis sobre os rumos da nova companhia divergiam radicalmente. Enquanto
Francis queria uma MGM da contracultura, George só desejava um teto em que
pudesse reunir os amigos e recriar a USC. Os estilos dos dois eram diversos,
pois Francis era um colaborador, um coletivista, enquanto George era
centralizador. Enquanto Francis delegava, George, se pudesse, fazia tudo
sozinho, escrever, filmar, dirigir, produzir, montar. Por sua vez, não
importava quanto dinheiro Francis tivesse, ele sempre agia como se tivesse
muito mais. E não importava quanto dinheiro George tivesse, ele sempre agia
como se não tivesse nada. Mesmo assim, Francis foi o melhor amigo que George
jamais teria.
E Coppola convenceu
Calley a financiar THX de George Lucas e a lhe dar mais 300 mil para bancar o
começo da Zoetrope. E uma coisa que Coppola fazia bem, desde o início, era
gastar dinheiro. Beckerman diz: “Como Francis sempre dizia, viver dentro de
suas posses não exige imaginação alguma.” Só que a turma da Zoetrope não podia
viver só de sonhos e precisava lutar para sobreviver, e não demorou para que a
experiência começasse a azedar. Equipamentos desapareciam, a companhia nem
sempre conseguia pagar os funcionários, e alguns empregados tentaram entrar
para o sindicato. Fora isso, depois do filme de George Lucas, THX, este seria o
golpe mortal na relação da Zoetrope com os executivos da Warner, ainda mais que
Coppola não entregava os roteiros prometidos, e os que porventura chegavam, fora
Apocalypse Now, o estúdio não estava gostando. Coppola era a junção inusitada
entre enorme talento e uma incompetência louca, cheia de megalomania. Coppola
queria, ao mesmo tempo, destruir o velho studio system e ser um chefão da
indústria. E então Calley e Ashley haviam decidido que não queriam mais fazer
negócios com Coppola. E este foi um erro colossal, pois aquilo era a rejeição
do movimento que se tornaria a marca do cinema americano dos anos 1970. Coppola
e Lucas raramente trabalharam para a Warner depois disso. E junto com a queda
da Zoetrope, Francis e George se desentenderam, e, de outro lado, Francis
recebeu um convite da Paramount para dirigir um filme baseado num livro de
Mario Puzo chamado O Poderoso Chefão.
Por sua vez, Hopper
presumia que a BBS iria financiar seu próximo filme. Mas ele era tão difícil
que até Rafelson não comprou a ideia. E Bert sabia que depois do sucesso de Sem
Destino o ego de Dennis ia ficar tão inflado que ele seria completamente
incontrolável, e Bert estava certo. The Last Movie seria inspirado numa mistura
pirandelliana sobre westerns, colonialismo e morte. A BBS desistiu do projeto e
Hopper teve que procurar outro estúdio. Para Calley e a Warner, a vida era
muito curta, Dennis era um completo maluco. Nem a Columbia se interessou. E a
Universal se tornou um lugar improvável para Hopper. A Universal era um
estúdio, na época, que estava fazendo milhões com programas de televisão, mas
seus filmes eram uma piada. Um lugar terrível para se trabalhar, em que tudo
era gelado e impessoal, os caras eram uns senhores de idade que olhavam um
filme como Sem Destino e não entendiam nada. Eles eram os adoradores da
bandeira americana, e de súbito estavam diante de filmes em que todos tomavam
ácido e trepavam no parque. E a Universal descobriu, então, que havia uma nova
geração de jovens que não ligava para atores conhecidos nos filmes, que
preferiam filmes sobre gente de verdade em situações de verdade, e ter uma
estrela num filme, por esta altura, poderia ser até prejudicial, tornando-o
menos crível. E então a Universal criou uma nova divisão, seguindo o mesmo
sistema de Schneider, que produziria filmes com orçamentos abaixo de 1 milhão
de dólares, oferecendo o direito a corte final, algo que até a BBS evitava. E,
dentre outros projetos, The Last Movie foi encampado, mesmo sabendo-se que
Hopper não se dava bem com montagem, e a turma da BBS achou bem curiosa a ideia
de Dennis Hopper na Universal.
Enquanto isso, as
festas de Bert incluíam um novo tipo de diversão, o óxido nitroso, também
conhecido como gás hilariante, que as pessoas usavam em combinações com MDA, e
brinquedos de piscina infláveis eram enchidos com o gás, os plugues eram
retirados, e as pessoas aspiravam até esvaziar os brinquedos. Tal gás se
resumia em ficar muito doidão muito rápido e depois voltar para a realidade
bruscamente, em questão de minutos, e um dos convivas de Bert, Brackman,
acabaria adquirindo um tanque de óxido nitroso que ele guardava no armário do
apartamento de sua namorada, um tanque enorme de quase 2 metros de altura, o
suficiente para um mês. Brackman comprou-o com uma receita escrita por Andrew
Weil, um médico de Harvard que havia feito algumas pesquisas pioneiras sobre
drogas nos anos 1970. Brackman explica: “Uma vez que você comprava e recebia o
tanque, era só ligar e eles vinham pegar o tanque usado e trocar por um novo,
cheio, igual a um fornecedor de água mineral, sem fazer pergunta alguma.”
Por sua vez, a
montagem de The Last Movie se arrastava, como fora com Sem Destino. E nos
primeiros dias, Dennis estava doidão o tempo todo, tendo ataques de violência e
loucura. Enquanto isso, a divisão da Universal que bancou Dennis, e que tinha
The Last Movie como carro-chefe, estava preocupava, mesmo sabendo que Dennis
Hopper ainda era uma celebridade. E a intensa aura de expectativa que cercava
The Last Movie estava no auge. E a divisão da Universal, depois de uma sessão
de cabine, sabia que tinha uma catástrofe nas mãos. Mas, The Last Movie ganhou
o Prêmio da Crítica no Festival de Veneza e a Universal lançou-o no Cinema 1 em
Nova York. Só que o filme foi massacrado pela crítica, e ninguém apareceu para
vê-lo, saindo de cartaz em duas semanas. Hopper achou que era culpa do estúdio.
“Eu ganho o Festival de Veneza e eles me dizem ‘Monte o filme de novo!’, ele
reclamou.
Refletindo sobre a
experiência de Hopper, Nicholson também se desiludiu. E Corman lhe disse que os
filmes europeus só virariam moda pelo sexo explícito que mostravam, e que
quando os filmes americanos aprendessem a lição, os europeus iam desaparecer. E
Nicholson disse: “Toda a suposta educação mais ampla do público americano
através de Jules e Jim, Oito e Meio e tal, sobre abordagens formais mais
sofisticadas quanto à narrativa, aos personagens, às observações sobre a
humanidade, tudo isso parece ter-se evaporado. Parece mesmo que Blow-Up só fez
sucesso porque tinha a primeira imagem de uma xoxota exibida num cinema
convencional. Foi um sucesso que Antonioni jamais havia alcançado antes e não
alcançou mais depois.”
The Last Movie, por
sua vez, ambicioso e apocalíptico, carregava Hopper inflado pela ideia de
destino que alimentava a contracultura, estava fazendo um pronunciamento sobre
a morte do western, do expansionismo do país e, portanto, do Sonho Americano.
Mas, em vez disso, foi a morte de sua própria carreira. Hopper brilhou por três
anos e depois se apagou, e demoraria uma década para dirigir novamente.
O fracasso de The
Last Movie foi um golpe nas ambições de tipos de filmes que caras como Hopper e
Nicholson desejavam fazer. E isto foi seguido dos fracos desempenhos de outros
filmes da Nova Hollywood como Caminhos Mal Traçados, de Coppola, e o sucesso de
filmes de fórmulas da Velha Hollywood. Uma grande mudança ocorreu, e ninguém
mais se arriscaria tanto assim. Só que Peter Bogdanovich, com o seu A Última
Sessão de Cinema, foi um sucesso, e um queridinho da crítica também. E como
Schneider e Rafelson haviam reconhecido, esteticamente Bogdanovich era bastante
conservador. Scorsese explica: “A última pessoa a fazer cinema americano
clássico foi Peter. A última pessoa a usar o quadro amplo e a profundidade de
foco. Ele realmente compreendia essa forma.”
Em março de 1968, a
Paramount se viu diante da oportunidade de ser dona da opção de manuscrito de
150 páginas da autoria de Mario Puzo, intitulado A Máfia. Bastava apenas vencer
a concorrência com a Universal. Mas Puzo, um pouco depois, não teve mais
notícia da Paramount. Ninguém queria muito fazer O Poderoso Chefão, mas este
virou best-seller, e a Paramount se animou um pouco, e quando a Universal
ofereceu 1 milhão de dólares pela opção, Evans e companhia perceberam que
aquilo era interessante, e decidiram ir adiante, pedindo a Puzo que escrevesse
um roteiro atualizando a história, enchendo-a de hippies e outras referências
contemporâneas. Mas, diretor após diretor, inclusive Bogdanovich, recusou o
projeto. Bert sugeriu Coppola, mesmo sendo o cara que fez três filmes como
Agora Você é um Homem, uma bobagem pretensiosa, zero de bilheteria, O Caminho
do Arco-íris, um musical da Broadway que foi transformado num desastre, e
Caminhos Mal Traçados, que foi execrado.
E Coppola, mesmo
assim, somando seus fracassos, mais a bancarrota da Zoetrope, hesitou, teve
dúvida se manteria sua fleuma de artista, mas ele não tinha escolha, tinha uma
dívida financeira com a Warner, portanto, era a sua chance. E a Paramount, por
sua vez, era uma reunião de egos inflados, mas, por volta de 1971, era o
estúdio líder. De outro lado, no outono de 1970, Coppola conheceu Martin
Scorsese no Festival de Cinema de Sorrento. Scorsese era um garoto intenso de
Nova York com um conhecimento enciclopédico de cinema e cuspia palavras como
rajadas de metralhadora, os dois ficaram amigos. E Bluhdorn, da Paramount,
enfim contratou Coppola para dirigir O Poderoso Chefão. As filmagens começaram
no dia 29 de março de 1971 e terminaram em setembro do mesmo ano. A expectativa
em torno do lançamento de O Poderoso Chefão era enorme, e o filme estreou em
Nova York. Coppola, sentindo-se diminuído como artista por ter aceitado dirigir
o filme, agravado pelo sentimento de que o filme seria um fracasso, se mandou
para Paris, onde escreveu um roteiro. E, de lá, recebeu ligações de amigos
dizendo que o filme era um sucesso.
O padrão de
lançamento de O Poderoso Chefão foi inovador e mudaria a forma como os filmes
eram distribuídos, abrindo caminho, contudo, para a destruição da Nova
Hollywood. Antes de O Poderoso Chefão, os filmes permaneciam em cartaz por um
número específico de semanas nos cinemas lançadores antes de serem exibidos nas
praças do segundo e terceiro escalões. Para os diretores, esse era um sistema
interessante, pois dava tempo ao filme para encontrar a sua plateia, mas, para
os estúdios, não era grande coisa. Primeiro, porque o dinheiro alocado da
promoção era gasto no período de lançamento, de modo que, quando o filme
chegava nos segundo e terceiro escalões, não havia mais o apoio da divulgação.
Segundo, porque a receita vinda dos exibidores entrava lentamente, por meses ou
anos. Com O Poderoso Chefão foi diferente, foi feita aos distribuidores uma
oferta irrecusável, e foi aí que começou a mentalidade dos blockbusters, sendo
destruída a política de exclusividade dos exibidores, colocando o filme em
diversos cinemas na mesma região. O lançamento em grande escala inflou o fluxo
de caixa da Paramount. O dinheiro corria como jamais correra na história da
indústria cinematográfica, e o filme se tornou a maior bilheteria de todos os
tempos, batendo o recorde de ... E o Vento Levou. Foi um choque em toda a
indústria, que acordou do coma de meia década iniciado pouco depois de A Noviça
Rebelde. E logo Coppola foi sondado pela Paramount para um segundo filme de
continuação da trama original de Puzo, ele novamente hesitou, mas isto poderia
lhe dar independência para fazer seus próprios filmes se fosse outro estouro,
ele cedeu.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário: http://seculodiario.com.br/22495/14/a-nova-hollywood-dos-anos-1970-parte-1
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