Sempre dizem que na
política atual não há direita ou esquerda. Bem, não há mais a visão clássica de
que os “nomes dos bois”, ou melhor, as caras são bem definidas, na política
atual. Quando se fala no jogo que se dá entre os poderes, sobretudo quando se
fala do legislativo que sobrevive das coligações, vinculando estas com as
candidaturas majoritárias dos cargos ao poder executivo, ainda temos alguns
setores da política bem definidos, apesar do conluio partidário atual. Na
discussão política contemporânea, falando de Brasil, não se trata mais de falar
exatamente em direita ou esquerda, mas em alas conservadoras ou progressistas, e
isto, a fortiori, nos extremos das posições ideológicas, por exemplo, quando
comparamos partidos como PCO, PSTU ou PSOL com velhos bastiões do “em defesa da
família e da vida” que podemos ver em partidos como o PP (que abriga Jair
Bolsonaro e Paulo Maluf) ou o DEM, ou ainda o partido da Igreja Universal, o PRB,
e o PSC, que dispensa comentários.
A discussão
política, apesar de vivermos num Estado laico, deixou de ser de cunho
ideológico, embora ainda tenha nos extremos da constelação partidária
brasileira tais posicionamentos, e vemos agora a marcação de discussões em
torno de direitos civis como dos homossexuais ou do direito da mulher ao aborto
que, por sua vez, colocam a política numa nova modalidade de choques entre uma
moral tradicional e conservadora e a chamada esquerda libertária, afirmativa de
direitos. Tal choque nos leva ao próprio processo civilizatório, aonde os
valores novos se tornam de imorais (na visão conservadora e tradicional) para
morais, e valores antigos da instituição familiar nos moldes cristãos
neopentecostais e/ou católicos, no juízo da interpretação bíblica, colocam
estes valores novos como inversões do mundo real.
Isto é, mais do que
choque entre morais ou uma contenda axiológica, temos um choque de cosmovisões,
o que coloca as coisas em termos bem mais graves, ou seja: temos na discussão
política, que deixa de lado aspectos ideológicos de conflitos entre visão
liberal ou socialista (área de pleitos de cosmovisão sistêmica e econômica, com
viés politizado), a percepção de um novo embate valorativo, que trata agora de
cosmovisões mais radicais do que a discussão sistêmica.
Trata-se agora,
neste choque entre tradição e libertação, de um novo modus operandi do pleito
eleitoral nacional, a realidade valorativa ganha contornos de radicalização,
mas não de direita e esquerda (discussão sistêmico-econômica), e sim de um
choque entre conservadores e libertários, o que nos leva ao questionamento entre
uma tradição diacrônica, que revela velhos lemas ou valorações standard, e os
libertários, que são o grupo dos direitos civis, em defesa do processo
evolutivo, e o que diferencia o moral do imoral se radicalizando nesta
polarização: temos duas moralidades diametralmente opostas, uma da tradição que
não se coloca no debate, mas numa discussão anódina de preservação, e o debate
libertário, que se lança ao progressismo de suas bandeiras, provocando o
adversário que, no seu jogo, usa do juízo estabelecido num embate de inversão,
isto é, a moral libertária vai ao debate e a preservação do discurso
conservador se usa do viés valorativo tradicional, colocando a falácia da
inversão de valores como um anti-debate.
O processo civilizatório
levanta a bandeira libertária, dos direitos civis, enquanto a moral tradicional
não vai ao debate, prefere os slogans standards, escolhendo uma luta simbólica
e não argumentativa, daí ser colocado que a moral tradicional prefere a falácia
ou sofisma do slogan do que o aprofundamento dos debates sociais e culturais.
Ou seja, a tradição e seus
representantes se colocam fora do discurso racional, ficando confinados no
apelo emocional, ou pior, no pseudo-argumento (slogan, defesa simbólica) pela
autoridade sobrenatural da religião, conhecido em Filosofia como argumentum ad
verecundiam, denunciando aí que não se trata, do lado conservador, de uma
discussão política racional, de sopesamento valorativo de um consenso ou dissenso
equilibrado.
A ala tradicional e
conservadora, na sua relação com os libertários, se dá apenas na tática
política da inversão, isto é, falando do moral e do imoral, eles têm tudo
definido, num ato a-histórico, cristalizado, que não estabelece o debate,
colocando a nova moralidade ou valoração civil e libertária no canto de uma
imoralidade a priori. Isto é, não se discute de forma equânime. A desconstrução
(não inversão) fica ao cargo dos libertários nas suas lutas sociais e
culturais, a favor do processo civilizatório real. A valoração ganha nova
perspectiva no aprofundamento tanto das discussões políticas em si, como do
debate valorativo, civilizatório, social, cultural, abrindo a linguagem moral
para sua ampliação, o que passa necessariamente pela civilidade da discussão
racional de liberdade, e não da emoção barata do slogan, cunho mais próprio aos
valores standards da tradição de família, do que do debate importante dos
direitos civis.
Portanto, quando e
se a ala conservadora da política (religião?) se colocar no debate
racionalmente, num embate verbal e não simbólico, teremos da parte libertária o
arcabouço discursivo que já vem sendo construído até de forma assembleísta.
Pois quem se reúne em torno da discussão pública de valores e de seus critérios
de verdade ou mentira, deve ir ao debate munido do argumento tempestivo da
razão, e não do apelo emocional de slogans e símbolos. A paixão deve deixar o
campo discursivo deste embate valorativo, sendo necessário que a repetição de
juízos a priori sejam superados, e que o dissenso ou consenso sejam feitos pela
construção e desconstrução discursiva in loco, ou seja, com o jogo de linguagem
próprio de um debate político honesto, e portanto, racional.
Portanto, se temos a
busca do slogan para defender tanto um lado como o outro, não se dá nem o
dissenso, mas a falta do debate propositivo, em que a pura inversão evita
entrar no jogo, e os extremos da batalha se refugiam simbolicamente em suas
verdades. Claro que não haverá consenso entre algo que se coloca
necessariamente como entes em oposição. Mas, no espaço público, as instituições
têm de fazer uma escolha, e o critério de verdade terá de passar por uma
fundamentação discursiva sem apelos a priori de defesas simbólicas. Isto é, da
parte da ala libertária tem que partir o discurso propositivo de novas
valorações, mais do que a desconstrução do adversário conservador que, este sim,
se coloca num refúgio da inversão a priori, fugindo de um debate dinâmico em
que a luta de cada um é questionada e o saber reflexivo se faz, e as práticas
sociais, políticas e culturais se aperfeiçoam, sendo então possível a
construção do verdadeiro processo civilizatório, filho dileto da História e não
da moral a priori.
03/10/2014 Crônica
Gustavo Bastos, filósofo escritor.
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