“Leminski renasce para a literatura brasileira em Toda
Poesia, sua fortuna literária sai do gueto contracultural”
A obra literária de
Paulo Leminski, com o bem-sucedido lançamento, neste nosso ano de 2013, de Toda
Poesia, que reúne sua obra poética, que transitou pela contracultura, agora se
torna “mainstream”, numa celebração póstuma deste poeta, que também teve várias
outras atividades, como a de tradutor, e morreu relativamente jovem, pouco
antes de completar 45 anos, em 1989.
Leminski é bem
conhecido e relatado pela crítica literária e pelo jornalismo de literatura
como um poeta que conseguiu manter a elaboração de um literato sob uma roupagem
pop em poemas lacônicos. Sua linguagem ágil, bem clara, e de forte marca no
mundo da cultura alternativa, tornou Leminski uma figura única no cenário da
poesia brasileira, um ponto de encontro de várias vozes, uma síntese singular
da poesia do nosso país. Leminski é poeta próprio, híbrido, universal e
múltiplo.
Leminski tornou o
elemento popular, de doses extravagantes de uma atitude de showman, homem de
mídia nato, no meio de uma fervilhante criatividade, a forma de sua poesia, mantendo,
contudo, todo o grau de erudição que se exige de alguém que se aventura em
poesia, mesmo que a poesia falada e coloquial não tenha no estudo um método,
tendo a improvisação tomado a frente do movimento da poesia marginal da década
de 70, década que Leminski também viveu, mas correndo numa paralela própria,
com valores ainda do concretismo, de Haroldo de Campos, numa veia de
propaganda, de slogan mesmo, criando seu próprio rótulo, sua marca.
Leminski era o poeta
da brevidade e da mensagem eficiente, o que posso dizer de minha leitura de
Toda Poesia é deste combustível de uma poesia rápida, mas nunca pueril, é um
paradoxo, pois da substância das mensagens certas de Leminski, não se esconde
uma fácil precariedade, dos haicais se tem a coisa forte da síntese, pois
Leminski era também o poeta da síntese, são poucos os poemas mais longos,
Leminski tem na sua poesia a carga forte da marca de uma mensagem, tal como se
vê em alguns poemas emblemáticos.
Eis a perfeita
síntese: “moinho de versos/movido a vento/em noites de boemia/vai vir o
dia/quando tudo que eu diga/seja poesia”. Ou a conclusão sintética poderosa,
mais uma vez: “não discuto/com o destino/o que pintar/eu assino”. Ou ainda, uma
pedrinha filosofal: “isso de querer/ser exatamente aquilo/que a gente é/ainda
vai/nos levar além”. E mais este desacerto, erro, que acerta no jogo: “nunca
cometo o mesmo erro/duas vezes/já cometo duas três/quatro cinco seis/até esse
erro aprender/que só o erro tem vez”.
Todas estas citações
são exemplos do que eu chamo de as marcas de Leminski, sua arte-slogan, que,
embora direta, tem por detrás de si, uma mente estudada, um saber vasto, a
meditação do haicai, as experiências gráficas, as referências literárias, o
jogo de palavras constante, um exercício criativo de uma experiência literária
e poética moderna, dialogando com frentes diversas, tais como o formalismo do
concretismo, a síntese do haicai, e a tradição mais erudita sob uma forma
diluída em performance de palavras, em apelo pop.
Leminski dá o seu
show, e a poesia não se desfigura em pura performance, mas mantém o registro de
ainda ser uma poesia tal qual a chamada poesia da “gabinete” ou “oficial”,
Leminski consegue criar uma poesia de face pop, com o coloquialismo próprio da
poesia falada, que nascia na década de 70, e mantém, ao mesmo tempo, um teor de
saber, de conhecimento, de uma arte laborada sob um regime de estudo profundo,
mas sem as afetações de um lirismo que deixa de ser lírico, e que é, na
verdade, uma poesia de esteta.
Leminski passa longe
dos tiques de beleza que alguns poetas têm (digo, poetaços), e consegue manter
uma dignidade de simplicidade aparente, que é, na verdade, uma atitude, uma
conduta, uma postura diante da vida, onde poeta e vivente se fundem, e criam a
poesia viva. Poesia viva que é vida e arte mais do que num diálogo, mas numa
verdadeira e autêntica fusão.
Leminski renasce
para a literatura brasileira em Toda Poesia, sua fortuna literária sai do gueto
contracultural, e acaba de ser deglutido pela cultura aburguesada do mainstream,
o que, antes de deformar o poeta em questão, favorece os poetas e a poesia que
se faz no Brasil como um todo. Que bom.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário: http://www.seculodiario.com/exibir.php?id=12672&secao=14
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