Ó noite ardente por entre os dentes da essência misteriosa da rosa! Quão profunda é a marca que me deteve neste rumor de aventuras, pelos parques palacianos uma relva de profícua poesia e ardil de ardis todos na fogueira de minhas tempestades! Eu orei ao dízimo, e Deus respondeu-me com um safanão e me jogou a mim mesmo, rútilo fracassado, poeta das histerias e campos de folguedo por nuvens e nuvens e nuvens e adiante um grande cabedal de filósofos, biólogos, advogados, padres, assassinos, presidentes e santos. Ora direi ouvir estrelas e ouço a manhã, ora direi ouvir-te mulher desnuda e gorda, direi ouvir-te sem máculas e com o verão nos olhos. Era apenas uma barcarola nerudiana, era apenas um indolor um maldoror uma sombra trepadeira no sonho do álcool. Eu era pedra de livros e pedra de saraivadas em mim, o refugo da besta-fera que despertou abismal e quente, como o fervilhar de uma paixão adolescente e suicida, corrompida por necroses, equimoses, cicatrizes e cianureto. Era como era a noite sempre noturna selva de palimpsestos no acorde frontal do frontispício bucólico de um poeta regurgitando homeopatias telepatias e psicopatias. Eu sou e digo que sou a peste eu sou sou a onda do mar e a revolta, eu descansei ontem no ópio, eu virei religião seita e códices. Eu sempre fui a ética danada dos astutos, era então o que era a noite noturna, meu mistério maior é a astúcia de batimento cardíaco antes do segundo fatal do infarto, antes da vida do sepulcro e a metempsicose de um animal selvagem. Ó noite ardente que eu guardo depois da plena manhã! Ó filha da fatalidade! Ó Necessidade! Eu abri qual Hidra matizes iridescentes como topázios e rubis e safiras e diamantes e merda e loucura e safadezas. Eu contei entre os porcos o meu lodaçal a minha lama e a minha salvação entre os porcos. Ora direi saber o que são as horas passadas e o relógio me diz que já é tarde. Gota de perfume e a hora já passou! Por agora posso mentir o quão sou poeta, ó poetas! E mentir sem sentir remorso e bater nos idiotas com idiotices de poetas! Sim, poderei revelar os meus ardores porque tenho em mãos uma obra pronta, um coração mutante de pontadas e dormências e sonho de poetas! Poetas, poetas, são tantos! Mas nenhum terá o prazer de aniquilar a moral com seus coturnos versificadores. Ora, o gládio com que se defendem tão pretensos poetas são noite vazia vácuo de solidão e enfermidade. São estes os poetaços! Ora direi ouvir besteiras, certo perdeste o senso. O que é para a essência não poderá ser para a existência, o que é para o metafísico não poderá ser para o delírio, e o que é para o louco é o hiperurânio de suas doidices. Eu fui feto e agora sou homem. Donde tem as parcas escrito o meu viver, digo que sou livre e pela liberdade morrerei, não tem Moira e nem outra condenação, não tem vida em outro lugar senão o lugar da terra seca e do brio satanizado das delinquências. Eu parto daqui para diante com o ventre maquinando sortilégios e profecias, eu tenho a magia de arcanos em sete estrelas apocalípticas, dos sete céus, dos sete candelabros, e a morte de um otário pronto ao liquefazer-se em seus prantos. É certo que virei peçonha em tudo o que tenho de nobrezas esquecidas, e o vinhateiro me secou em vidro e hemistíquios pergaminhos e sentença perpétua à imensidão. E o que resta da arte da presciência de todo vate e vidente que invade a secreção dos solilóquios é a busca pela pedra filosofal que termina numa alquimia dos universais em que a querela é o querigma dos galanteios, e a noite profunda noite sempre será a musa indesejável dos corações desesperados. Eu sei da minha morte, e não nasci para ser devorado pela pestilência dos credores de minha falta de regras, pois desvendei num átimo toda a vilania de meus pendores e tenho que guilhotinar todos os meus detratores à tempo de ser lembrado pela arte como um grande amante das palavras. Ora direi ouvir-te musa de meus sonhos, e quero ter-te como quem tem o universo inteiro nas mãos e que pode se salvar de sua humana e mortal condição. Eis o que venho construindo desde o meu nascimento, e que nunca terá fim, pois a vida de um poeta é infindável fonte de enigmas e desventuras, mas a ventura dele é o que ele deixa de herança.
20/06/2009 Gustavo Bastos (Pinturas Pagãs – 83)
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