Na virada do cais um shot de cachaça,
encalha na praia a baleia branca,
rara, caçada, tinha um arpão na cabeça,
o sangue descia, voavam abutres por perto,
o cheiro de maresia misturado ao de peixe morto,
e um grande sol que nascia, como um halo laranja
que borrava as nuvens em barro roxo,
a densidade da noite indo embora,
diziam que era uma baleia rara,
agonizando, a respiração ofegante,
vinham logo os populares, no alvorecer,
a vila de pescadores virou um tumulto,
morria um bicho em extinção,
um turista tirou uma foto
e foi censurado por um guarda-vidas,
havia um cheiro de crime no ar,
o arpão foi retirado com jeito,
mas a poça de sangue denunciava,
a baleia branca morrera
por um navio pirata,
sem registro na marinha oficial
ou na mercante,
este navio foi seguido
por um outro, que fazia
a ronda noturna perto
do farol, uns vagabundos
que negociavam com mercenários,
para o gozo de um restaurante de Kioto,
um tal chef Izomuchi, cuja filha
sabia tudo de rock, um filho otaku
que vivia dentro do quarto,
e uma esposa descendente
de um xogunato xintoísta,
joias dormiam no cofre,
investimentos em dólares,
e o restaurante tinha
um cardápio farto,
até que, naquela manhã
em que a baleia branca
morreu, o filho otaku
de Izomuchi se matava
cortando o próprio ventre
com uma espada de samurai,
e em seu computador,
na dark web, descansava
na tela uma baleia azul,
do ritual de suicídio
moderno ao antigo,
Izomuchi foi preso e multado,
Koko, sua esposa,
entrou em depressão profunda
e nunca mais comeu
baleia, que era sua iguaria
preferida.
29/06/2023 Gustavo Bastos
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