“Com o problema dos entregadores enfrentado durante a pandemia, tivemos o chamado “Breque dos Apps”””
Nesta pandemia, houve um aumento da demanda por entregas de
refeições e lanches a domicílio, e os entregadores por aplicativos, passaram a
ser mais acionados, o que aumentou o
número de cadastros nestes aplicativos para pessoas trabalharem e,
consequentemente, caiu o preço das entregas, diminuindo o lucro dos
entregadores deste aplicativos, com a queda das taxas de entrega. Isto envolve
aplicativos como iFood, Uber Eats, Loggi e Rappi.
Por exemplo, com a pandemia, o número de entregadores
querendo trabalhar no iFood mais que dobrou, pois 175 mil pessoas se
inscreveram para trabalhar na plataforma em março, em comparação com 85 mil no
mês anterior, de acordo com dados da própria empresa.
No iFood temos um esquema criado chamado “operador logístico”
(OL), por exemplo, em que o motoboy trabalha para um intermediário e com uma
carga horária de trabalho definida. Neste modelo de OL, por sua vez, o
entregador tem direito a uma folga semanal, podendo ser na segunda, terça ou
quarta, e uma vez por mês pode folgar em um dia do final de semana. O OL,
contudo, não pode reivindicar nada ao iFood, pois ele trabalha para uma outra
empresa, terceirizada, não trabalha diretamente para o iFood.
Só que os que mais sofrem com a plataforma iFood não são os
OLs, mas a grande maioria, os chamados “nuvem”, que recebem por demanda, isto
é, pelo número de pedidos que forem aparecendo, e passaram a fazer
reivindicações simples, como um auxílio-lanche. Na outra ponta deste sistema
estão os restaurantes, e as plataformas cobram deles comissões que variam de
15% a 35%, o que faz os restaurantes aumentarem os preços de seus produtos.
Este modelo de cobrança de comissões de restaurantes causou
diversos processos que foram movidos contra estes aplicativos, e o argumento
levantado é que este modelo de negócios criou monopólios, pois cria uma relação
de dependência de muitos restaurantes, que têm que se curvar a estas exigências
destes aplicativos para se manterem abertos ou competitivos.
Este modelo de negócios, que cria uma dependência dos
restaurantes a suas exigências, faz, de outro lado, uma rede de exploração dos
entregadores, e os aplicativos, atuando como intermediário entre restaurantes e
entregadores, diminui o ganho destes dois, enquanto aumenta a oferta de ambos.
Com o problema dos entregadores enfrentado durante a
pandemia, tivemos o chamado “Breque dos Apps”, que teve uma primeira
paralisação em 1 de julho deste ano, que envolveu entregadores para aplicativos
como iFood, Rappi, Loggi e Uber Eats, num movimento organizado por WhatsApp, e
que reivindicou questões que passam pela definição de uma taxa fixa mínima de
entrega por quilômetro rodado até o aumento dos valores repassados aos
entregadores pelo serviço, além de máscaras e luvas para prevenção da Covid-19.
Parte dos entregadores, por sua vez, no influxo dos
protestos, tenta criar um caminho alternativo aos aplicativos, que são as
cooperativas de entrega, e que, contudo, não é um processo barato, apenas o
desenvolvimento inicial de um aplicativo enxuto do tipo custa cerca de R$ 500
mil, e muitos dos chamados Entregadores Antifascistas contam com o apoio voluntário
de diversos profissionais liberais, além de programadores e estudiosos do
cooperativismo de plataforma.
Tal conceito de cooperativismo foi criado por Trebor Scholz,
intelectual e ativista americano, que se volta para o fenômeno crescente no
mundo do uso de plataformas cooperativas, que tem como objetivo fazer que os
trabalhadores se apropriem da lógica da plataforma, passando a usar estes
algoritmos a seu favor, pois como está sendo feito pelos aplicativos de grandes
empresas, estes algoritmos são programados de forma obscura, num gestão
algorítmica que beneficia estas empresas.
Os Entregadores Antifascistas buscam inspiração no
cooperativismo criado na Europa, como é o caso da Mensakas, criada em Barcelona
a partir de um movimento grevista contra a Deliveroo, uma empresa forte de
entregas na Europa, em 2017.
O grupo brasileiro buscou apoio da CoopCycle, uma federação
que reúne 30 cooperativas do tipo, sendo 28 na Europa e duas no Canadá, esta
que é sediada na França, e permite que cooperativas em diferentes cidades
compartilhem seus serviços, numa utilização de um software comum, que reúne em
um único aplicativo estas cooperativas de diversas regiões. O trabalho dos
Entregadores Antifascistas agora é adaptar o modelo à realidade brasileira.
A realidade é que a concorrência com as grandes empresas de
aplicativo não é simple e nem fácil, o trabalho das cooperativas, portanto, é
mais de encontrar nichos de mercado do que ocupar o espaço dos grandes
aplicativos, pois o cooperativismo de plataforma não elimina a big tech (grande
empresa de tecnologia), o desafio das cooperativas em relação às grandes
empresas é mais de escala.
Ao contrário destes grandes aplicativos de entrega, que operam
em centenas de cidades, e também em diferentes países, as cooperativas de
entrega costumam atuar localmente e com poucos cooperados. E como dito, um dos
meios de diminuir essa desvantagem é o modelo de federação usado pela CoopCycle.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário : https://www.seculodiario.com.br/colunas/a-polemica-dos-aplicativos-de-entrega-de-comida
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