“a sabedoria universal rechaça qualquer plano fechado de
futuro”
A vidência sempre veio como um fenômeno controverso, que
atravessou milênios, e sem generalizar, temos o seu aspecto negativo, de
charlatanismo, no qual aparecem um cabedal de truques, geralmente, no plano da
linguagem, podemos inferir tais truques, sempre lidando com a generalidade da
linguagem, a fonte predileta para os videntes mal intencionados jogarem a sua
isca, como se diz no ditado popular “jogar um verde para colher maduro”.
O vidente charlatão consegue “descobrir” toda a sua vida de
modo surpreendente, mas a vítima não sabe estar sendo engambelada por um
farsante, caindo em truques baratos que qualquer pessoa com o mínimo de manejo
da linguagem já percebe de antemão a cascata. Os poderes sobrenaturais do
charlatão têm uma característica comum, alimenta clichês e obviedades e as
carrega de sentido, para que sua presa fique realmente impressionada.
Umas das técnicas utilizadas é a sondagem visual, muito do
olhar e da linguagem corporal do consulente, que muitas vezes entrega o ouro
pela respiração, por um certo jogo de olhar ou por hesitações que o charlatão
já “pesca” instantaneamente. Isso vale para a aparência do consulente também,
seu modo de se vestir, que diz muito de seu gosto e origem social ou estamento
específico. E seu estilo ao falar, seu comportamento, também são chaves de
sinalização para o charlatão.
E temos também um truque aparentemente sofisticado, mas que,
no terreno da linguagem, é de um acinte que seria hilário se não se tratasse de
um golpe, que é o chamado Efeito Forer. Características psicológicas e de
personalidade, todas estas genéricas, óbvio, são enumeradas ao consulente,
normalmente mexendo com seu ego e vaidade, ou ainda com sua credulidade já com
uma escuta predisposta que, a cada esgar do suposto vidente, os olhos do
consulente brilham de uma certeza absoluta própria dos alucinados que se
arrebentam na próxima esquina.
A intimidade de tais generalidades é que elas são continuidades
previsíveis para descrever personalidades das mais diversas, mas sempre numa
zona segura em que muito do que é dito pesca uma especificidade que esteja
mergulhada nesta lista universal feita para enganar otários. Este é o Efeito
Forer. É o que vemos muitas vezes no horóscopo, e também em consultas com
médiuns, e adoramos.
Outra coisa típica de videntes charlatães é fazer uma
investigação com o consulente, mas sempre com um viés de confirmação, são
perguntas genéricas, mas já induzindo o consulente a “entregar o ouro”, mais
uma vez do ditado popular “jogando um verde para colher maduro”, no qual o
gancho discursivo leva o consulente a dizer, sem perceber, o que logo em
seguida o charlatão “descobre”.
E falando de ego e vaidade, muitas vezes o charlatão usa o
truque da excepcionalidade, colocando o consulente num lugar privilegiado, e
por se tratar de alguém que veio se consultar para buscar algo, o vidente joga
com o clichê do talento “não reconhecido”, o consulente se sente um eleito, mas
que não tem o seu valor reconhecido, mas claro que o vidente sabe que ali na
sua frente ele tem uma pessoa, digamos, “avant-garde”.
E nos truques de “visões” o vidente vai por tentativa e erro,
até que o próprio consulente dá a deixa e o vidente nada de braçada. Ali é o
momento supremo da “adivinhação”, dali para a frente o vidente toca de ouvido e
o consulente se emociona. Outro truque próprio para pegar otários é a
apropriação do que está sendo dito pelo consulente, a “mágica” é simples, o
consulente faz uma afirmação, e o vidente termina esta afirmação já abrindo uma
resposta na qual o consulente cai que nem um pato, aqui mais uma vez o viés de
confirmação ganha ares de perversidade psicológica. Aqui a técnica do charlatão
é bem conhecida em Filosofia, a dedução lógica.
E o truque principal, para evitar denúncias de consulentes
desiludidos, é que as mensagens recebidas do “astral” têm um valor diferente
para cada pessoa, então a exegese final das mensagens deve ser feita pelo
próprio consulente, no decorrer dos acontecimentos, e caso se decepcione, não é
culpa do vidente que, a esta altura, já consumiu a sua cervejinha de
sexta-feira sossegado, com o dinheiro do consulente incauto.
E temos um truque sofisticado, mas de fácil desmascaramento,
que é o registro de previsões feitas por videntes em cartório. Quando temos uma
tragédia, sempre aparece um vidente de plantão afirmando que fez tal
“previsão”, e que tem o documento comprobatório. Uma carta registrada em
cartório se torna a prova material da previsão do vidente, mas é um truque.
O primeiro aspecto hilário da situação é que o tal “vidente”
só divulga a sua “profecia” após a tragédia, nunca antes. Mas, peraí, ele não
tem a prova em cartório? Como assim? Simples, sempre que o vidente registra as
suas previsões em cartório, nos documentos que ele forja sempre têm espaços em
branco para preenchimento posterior, que são (jura?) as informações principais.
Para um esclarecimento sério, sobre a cultura oracular, que
tem muitas pessoas responsáveis e gabaritadas, e que não podem ser confundidas
com a banda podre, temos que a vidência não tem o papel de prever o futuro,
pois isto seria uma interferência no livre-arbítrio, portanto, o que temos são
direções, indicações, orientações, o vidente sério deve estar consciente de seu
verdadeiro propósito, que é de preparar o consulente para seus eventos futuros,
mas não de prevê-los.
Preparar, portanto, significa dar a melhor direção possível
para que o consulente tenha êxito, e não olhar para uma bola de cristal e dizer
tudo que irá ocorrer em sua vida, os eventos aqui são vislumbrados de modo
simbólico, nunca como uma certeza cega própria daqueles que acham que são
visionários, mas que na verdade estão participando de uma alucinação própria da
convicção divinatória dos farsantes. O saber oracular verdadeiro aqui tem mais
caráter operacional do que de desvelar exatamente o que vai acontecer.
O vidente cônscio de sua missão verdadeira, nunca é um
profeta, no sentido pejorativo do termo, ele preserva a livre determinação do
consulente intacta para que ele faça as suas escolhas, pois a sabedoria
universal rechaça qualquer plano fechado de futuro.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário : https://seculodiario.com.br/public/jornal/artigo/gurus-e-curandeiros-parte-xv
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