“Thomas Kid e Marlowe, os boêmios ingleses”
Tive que sonhar na blusa sedenta das paixões, sob o escrito a
fada matou os lilases que escorriam na veste rubra que sangrava às setas da
noite numa sirene interminável. Os cães mordiam as léguas escancaradas da
desilusão, febre de montanha rugia como grito lancinante nas ruas de findo dia.
Entrei pela porta de um cabaré, comi as sete putas vermelhas no calar da noite,
os cães ainda mordiam os fundos de minha braguilha, mordi um esteta por riso
indecente, não tolero o tom pastel de suas rútilas figuras, desci à sala,
fumaça por todo lado, encontrei o fella absorto em viga de cânhamo, notei em
seu semblante um ardor de fuga, era poeta na noite com os lilases ainda
nascendo em suas orelhas, encarnei o silêncio de seus dentes depois de um sexo
tântrico com velhos sonhos pós-estetas. Navio era seu nome, poeta das horas
perdidas do calabouço, entrei nos sóis que eram a fuligem de um dia incinerado,
encontrei os dias do horizonte sob auspícios de boa hora, a tela estava negra e
os pincéis tinham secado, não tinha água, o esgoto fedia, tínhamos sede, e o
vento era frio, vesti um bom terno, fui ao barco que morria no fim da noite, a
lua estava em êxtase, não tive que morrer para ver a lua, fui até o distante
lagar das secas estátuas, a praça lá fora, os meninos fundos olhos de aurora
não tinham o que comer, roubei umas frutas no fim daquele sonho, corri depois
que a tempestade caiu, não tive tempo de sorrir, os meninos gritaram que a
noite era uma lua nua de desilusão. Tomei um vinho e fui ao mistério das sete
chaves, o que era sombra dançava, ele era o inferno em céu de susto, o inferno
como o mar quando cai a nuvem, o mar era meu mistério na dor estalada das horas
que passaram ao meditar, voltei sob a tumba macabra que o ordeiro soldado da
noite mais a brisa fundaram com o canto dos anjos, não voltei mais àquele
lugar, e conheci cada inferno salgado daquele mar.
Pintavam as mãos macabras na festa das bruxas, eu vi os
lamentos sob a chuva se adelgaçarem como a rima quando foge, entrei em pânico,
surtei como um romântico aniquilado pela fúria, sonhei que era poeta morto no
sol vermelho das mortes violentas, o ar fétido se rendia ao perfume, não sofri
deste mal, o riso foi catarse na paz de haustos inda vivos, cada gesto do
teatro nascia com o coro em horror, Ésquilo feneceu sob a mão pesada de
Sófocles, a tragédia era honrosa como um rito bruto de espada corte e dentição,
a boca cantava o verdor dos mares, as matas eram extintas dentro do peito que
fervilhava nas águas da vinha marrom dos litros de vinho que a hora da asa voava,
e todos os sinos tocavam na mesma hora exata, dancei o rock com o mistério em
meus olhos. Encontro a paz mundial, depois os esqueletos da sociedade eram
densos mas não matavam os que viviam livres, a liberdade atávica nasceu com
Eurípides, o canto sepulcral era só a dose de vinho no coração grego, Dioniso
renasce em cada fim que se dá no corpo da tragédia, o folguedo se consumou em
Aristófanes, a veia crítica deve ao seu sonho o enredo total da flor grega.
Dentro da modernidade, o mordaz se sobrepõe ao caráter, na vida os costumes se
emolduram com mais radicalidade, depois dos êxtases racinianos, o clássico se
demuda, a métrica se solta de vis pseudo-ritos aristotélicos, e o poema qual
dança se funda novamente com o rigor da harmonia do sol em Moliére, a febre
francesa era música, o viço elisabetano era a orquestra, amplidão em
Shakespeare como nunca se via, Thomas Kid e Marlowe, os boêmios ingleses, uma
juventude de poder, uma geração ao Globe, e a queda em Cromwell.
Cantava o último hausto, deve a poesia agora gritar na rua
como fera indomada, nada de pueril boêmia, só o certo da noite como flecha que
dança, catarse só em nota funda sem o vil metal, sem o fundo morto das formas
estetas, sem a sombra de ligas esticadas de um verso longo, só o passo natural
como ritmo de faca, só o langue sorver de luas dentro de topázios estudados, só
o livre pensamento sob forma musicada, só o estar em música como fluxo de
instante, só como o frio sem atavio, as memórias como o cão fundante de Eros e
Tânatos, eufuísmo só como iniciação, no fim a fala natural deve estar
domesticada sem estar adormecida, o rito em que se dá tal fúria é o termo lido
de erudição anti-pedante, os sóis devem ser fortes, embora as tintas tóxicas
fiquem mais ritmadas, e o emblema estará sob o fundamento de uma mordida seca e
esclarecida, como as Iluminações de Rimbaud. Não há na estrada um fetiche de
horizonte, não há totem de paisagem, só o fluxo como o calor rente ao frio se
dá em tal nuvem sem susto ou rompante, tenho as estórias bem enumeradas das
noites que fogem tais os poemas que escorrem de luta e sangue como em dança bem
prateada, o ouro deve ser um valor, mas não há ouropéis como numa mão sem
treino, o verso deve estar focado, e a prosa explodida.
Semente é o caule, o tronco é a ideia, a copa a metafísica.
Metro dominado, fúria sob ternura, dentes calmos, corpo controlado, êxtase
iluminado, quando os campos selvagens caem de suas cerejeiras o Nô veste sua
rua de Kabuki, mascarada é o sonho da noite das tochas, vejam como a Hélade se
levanta qual a fusão entre os philos que cantam na terra de ilhas soltas, o mar
dentro do peito é o Homem, Licurgo se irrita, Sólon tenta dar a Atenas um
sentido, os atletas correm para Maratona, os irmãos se matam, não há persa que
tenha cabeça, Sócrates envenena quem não pensa, e o Organon só se vê pelas mãos
de Andrônico, as edições arábes se soltam entre os ritos de um deserto de
matemáticos e astrônomos. Venham os algébricos, lendo o Corão a sede do camelo
é vasta, o deserto de Satã rumina a parte vasta do sonho de cálculos, Pitágoras
sorri em sua confraria, os sonhos amarelos nesta altura já tinha milênios, o
Tao já dava seu sorriso de escárnio, nada era ato e Aristóteles se suicidava.
Voltei à noite dos meus amigos febris, os vinhos corriam como
quedas infinitas, a boêmia já não é tão sensual, o instante se torna mais
matemático, eu conto e calculo os sóis, emolduro os sorrisos, os êxtases se
tornam mais raros, e o prazer é todo esférico como um perfeito poema. Não vou
mais capturar o som, ele vem demolido e como um triturar bem cantado, eu sonho
e tudo vira o farol do mar que ao horizonte não se perde, mas ao oceano se faz
sol.
(POEMA EM PROSA)
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário : http://seculodiario.com.br/public/jornal/artigo/attack-the-radical
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