"É a Literatura, estúpido!"
O cenário literário brasileiro está ganhando tonalidades
alarmantes, hoje qualquer projeto literário (a não ser que você pertença à alta
sociedade ou a uma panelinha) está inviabilizado num primeiro momento, e talvez
até num segundo momento. É uma profusão de concursos literários caça-níqueis,
com exigências absurdas como não publicação impressa ou eletrônica, no caso das
publicações eletrônicas um sinal de ignorância preocupante, em plena era dos
blogs e das redes sociais literárias.
De outro lado, editoras que veem o escritor como uma fonte de
renda incalculável, não para a venda de livros, por óbvio, mas pelo preço que o
infortunado tem que pagar para ter míseros cem exemplares rodando nas livrarias
e feiras literárias.
O que vislumbro, com muito pesar, é um cenário literário de
cisão, de um lado os burguesinhos com seus livros de poesia de oitenta páginas,
e de outro lado um mundo de gente na internet com blogs e divulgações marginais
pelas redes sociais literárias.
A cisão será a consequência desta visão anacrônica e, ao
mesmo tempo, exploratória sobre os escritores deste país. Anacrônica por
ignorar ou fingir que não há uma nova realidade: os blogs e grupos na web de
literatura, onde o objetivo é divulgar os trabalhos escritos para, depois,
tentar vender seu peixe com uma publicação que seja. O que acontece? Concursos
literários exigindo exclusividade sobre direitos e divulgações, um monopólio
absurdo da lavra alheia que resulta em fracasso coletivo para a maioria dos
escritores deste país.
A visão de que o mercado é que manda é uma visão
ultrapassada, quem manda é o escritor, quem manda é quem trabalha e não quem
vende. O caminho para os que fazem blogs literários terá de ser o caminho da
independência e da autopublicação, senão terão que se submeter aos ritos de um
mercado que exige exclusividade sob uma coisa que não deveria lhes pertencer, o
trabalho feito é do escritor, e se ele quiser divulgar seu trabalho em um blog ou
outro veículo virtual e, posteriormente, vender seu livro, não vejo problema
nenhum.
Entendo que o leitor que se interessar por um determinado
blog ou rede social literária comprará o livro. Não vejo o blog e outros meios
de postagem (que não é publicação como entende equivocadamente os famigerados
concursos caça-níqueis) como um impeditivo para venda de publicações, embora
possa haver leitores que ao ver o trabalho no blog não comprem o livro, o que é
uma visão pessimista e utilitária, pois quem gosta de literatura terá vontade
de comprar um livro publicado pelo escritor-blogueiro.
O cenário dos blogs literários e redes de compartilhamento
como o Medium é uma realidade, e, como toda realidade, não pode ser ignorada e
defenestrada por uma visão pragmática e econômica de que não há como divulgar
um trabalho na web sem prejuízos às publicações futuras. Esta é uma visão
anacrônica que não tem mais pé com a realidade, que não é a realidade de
mercado, mas a realidade de um cenário novo que veio para ficar.
O caminho da cisão será inevitável, novos escritores
independentes correrão por fora desta canalha de editoras e concursos
literários que só veem a literatura como produto e não como trabalho, em que a
visão de produto ignora a visão laborativa da escrita que deveria estar em
primeiro plano.
Certos estarão os que vendem seu tempo para o mercado, e
errados os que correrem por fora sem abrir mão de suas convicções e conscientes
de que a realidade é outra, totalmente diferente, onde o download e a
autopublicação, os blogs e redes sociais literárias serão uma voz dissonante
dos chupadores de sangue da velha visão de mercado e de que tudo que é
literário tem que se pagar um alto preço para ser divulgado.
Não vou aderir às exigências de um mercado literário que não
respeita o trabalho escrito e restringe este crescimento com a propriedade de
um produto, como se literatura fosse comida e não ideias. E cito os preços
escorchantes cobrados por algumas editoras para um escritor inédito se
aventurar numa publicação, algo proibitivo para quem não nasceu em berço de
ouro.
Ignorando o cenário da literatura da web teremos esta cisão
de que falo, onde só haverá uma patota bem nutrida em suplementos literários de
jornais, enquanto uma massa crítica se forma por fora do mercado no mundo vasto
da internet.
Se não há escapatória ao mercado, azar do mercado.
É a Literatura, estúpido!
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário : http://seculodiario.com.br/38068/14/olho-maior-que-a-barriga
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