“Ele fez Blackstar para nós, é o seu presente final”
O conhecido músico de veia teatral, também ator de cinema, também foi intitulado o camaleão do rock. David Bowie que tem o nome original David Jones, mas tal nome poderia ser confundido por um seu quase homônimo da banda de fachada Monkees, o que levou o cantor a assumir Bowie no nome, do pioneiro norte-americano, famoso por uma proeza com faca, e a primeira metamorfose, portanto, se deu com seu nome artístico, David Bowie.
Major Tom consegue a atenção do mundo com Space Oddity, mas é
em Ziggy Stardust que a estrela de Bowie vai brilhar com mais intensidade, isto
depois de ter passado por experimentações de grande quilate como os álbuns The
Man Who Sold the World, de 1970, e Hunky Dory, de 1971. Mas é com o andrógino e
alienígena Ziggy Stardust que Bowie mergulha na nascente do glam rock, que
talvez tenha começado a explodir com Marc Bolan em sua banda T-Rex, com o álbum
Electric Warrior de 1971.
O alter ego é um sucesso, e leva Bowie a ter crises de
identidade, a encarnar a persona de tal forma que esta foi objeto de uma
ruptura radical, mas antes temos o estrondoso sucesso do álbum The Rise and
Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars, no sucesso da música Starman.
A combinação de sua veia teatral com sua música se faz então de forma plena com
Ziggy Stardust, aquele que vinha de outro mundo para salvar a Terra, mas que se
depara com o rock.
A ideia para Ziggy Stardust vem tanto de um cantor de
psychobilly de Lubbock, Texas, chamado The Legendary Stardust Cowboy, como
também de Vince Taylor, cantor de rock do início da década de 1960, este que
depois pirou com alucinógenos dizendo ser um mensageiro de Cristo. “Encontrei
com ele algumas vezes em meados dos anos 60”, disse Bowie. “Não estava nada bem
da cabeça.” Outros também tiveram influência nesta invenção de Bowie, como o
pioneiro do rock Gene Vincent, além das influências mais conhecidas de Lou
Reed, do The Velvet Underground, e seu amigo Iggy Pop, figura sui generis que
veio da banda de proto-punk The Stooges.
As suas apresentações como Ziggy se devem também a seus
estudos de teatro no início da carreira na mímica que aprendeu com Lindsay
Kemp, e ao fim do trajeto com o afamado alienígena andrógino temos um apanhado
geral dos álbuns Ziggy Stardust e do Aladdin Sane, até sua aposentadoria
abrupta no famoso show em que Ziggy Stardust dá adeus aos palcos e a banda é
demitida ali mesmo, este que é o show no Hammersmith Odeon, Londres, em 3 de
julho de 1973.
No fim do show, antes do bis com “Rock ’n’ Roll Suicide”,
Bowie falou para o público: “Este não é apenas o último show da turnê, mas
também o último que faremos. Tchau. Amamos vocês”. Ziggy Stardust ainda teria
presença forte, no entanto, em álbuns como Aladdin Sane e Diamond Dogs, sendo
este um descolamento gradual que só se daria plenamente a partir do álbum Young
Americans de 1975.
E é no aclamado álbum Station to Station de 1976 que nos
aparece uma nova persona inventada por David Bowie, que será a figura de Thin
White Duke, imagem na qual vai se misturar os interesses de Bowie naquele
momento, que serão misticismo, Cabala e Nazismo, em meio a uma rotina paranoide
de uma dieta com cocaína, pimentão e leite, mas que é, no entanto, uma fase
criativa de Bowie que terá muita propriedade em sua obra, que vem da fase mais
funk e soul do Young Americans, e que em Station to Station vai ter contato com
o krautrock, e que já apontava para a Trilogia de Berlim.
Trilogia que terá no primeiro álbum Low, de 1977, já uma
janela que vem do Autobahn do Kraftwerk e que abrirá caminho para bandas do
pós-punk como o Joy Division, por exemplo.
A Trilogia de Berlim que contará com o apoio da produção do
ex-tecladista do Roxy Music, Brian Eno, e o álbum Low que dará seguimento
também a Heroes e Lodger. Trilogia que envolve álbuns muito mais introspectivos
do que sua face roqueira mais conhecida até então com Ziggy e a fase folk do
começo, trilogia que trará um minimalismo principalmente em Low e Heroes.
Falando então da Trilogia de Berlim, em 1976, por sua vez,
Bowie terá seu interesse pela cena musical da Alemanha despertada e isto, junto
com o seu vício em drogas, o levará, enfim, a se mudar para a Berlim Ocidental,
para uma retomada criativa do seu trabalho musical. E então, junto com a
produção de Brian Eno, temos a composição de músicas minimalistas e ambientais,
com Low sob a influência do krautrock do Kraftwerk e do Neu!, num tipo de
música abstrata e quase sem letras.
Heroes, por sua vez, seguindo a trilha minimalista de Low,
inovou ainda com elementos pop e rock, na tensão de uma Alemanha dividida pelo
Muro de Berlim, e que tem no último álbum da Trilogia, o Lodger, um
distanciamento da música ambiente e minimalista dos dois primeiros álbuns, indo
abraçar uma temática mais ligada às origens de guitarra rock e do pop da
carreira anterior de Bowie, de um lado, numa mistura bem intensa de World Music
com New Wave, de outro lado.
David Bowie também é bem lembrado na sua aparição e na trilha
sonora do conhecido filme alemão Christiane F., uma história baseada em fatos
reais sobre uma adolescente viciada em heroína na década de 1970, ou seja, um
filme lançado em 1981 de conteúdo biográfico que envolve a dependência de
heroína de uma jovem na Berlim ocidental, em que Bowie aparece como ele mesmo
num show no filme. Trilha sonora do filme que tem tanto o Station to Station
como algumas canções da Trilogia de Berlim.
Blackstar, por fim, lançado em 8 de janeiro de 2016, no aniversário
de 69 anos de Bowie, era o canto do cisne do músico, pois o produtor Tony
Visconti logo revelou que a morte de Bowie dois dias depois do lançamento de
Blackstar, em 10 de janeiro, que aquilo era um plano de Bowie e um presente de
despedida para seus fãs antes de morrer de câncer no fígado.
E a figura de Lazarus é emblemática nesse sentido, pois o
músico tinha sido diagnosticado com a doença dezoito meses antes, mas optou por
não anunciar seu estado de saúde para o público, e Lazarus seria uma inversão
de uma ressurreição para fora do mundo, uma espécie de renascimento, mas para
outra vida. Aqui a figura bíblica ganha carga dramática sui generis de uma
morte que parece extremamente cuidadosa, somente após o lançamento de seu
último som em vida, Blackstar, uma viagem cronometrada que é denodo e respeito
profundo a seu público.
Por sua vez, Tony Visconti, produtor musical de Bowie, disse:
“Ele sempre fez o que quis. E ele queria fazer as coisas do jeito dele, e da
melhor maneira possível. Sua morte não foi diferente de sua vida - uma obra de
Arte. Ele fez Blackstar para nós, é o seu presente final.”
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário : http://seculodiario.com.br/36023/14/a-metamorfose-david-bowie
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