O cenário era a São Paulo dos anos 1980, Zack tinha 20 anos
em 1985, já fumava maconha todos os dias, e andava como maloqueiro pelas ruas da
cidade, principalmente no centro, na Avenida Paulista, aonde arrumava uns
trampos de vendedor em lojas de rock, e vendia camisas e discos. Zack era um
bom vendedor, entendia tudo de rock, sobretudo punk e hardcore, tinha uma banda
de garagem chamada Anti-Pop, e nela ele atuava como vocalista, numa performance
visceral e intermitente que era como uma versão do Ian Curtis mais acelerada e
canastrona de propósito. A banda tinha sido montada em 1984 e Zack era o front-man
do Anti-Pop, o vocalista, e que ainda tinha seu amigo de infância, Frank, na
guitarra, o baixista Limão, que respondeu a um anúncio de jornal da banda
quando esta estava sendo montada em 1984, e o baterista Romeu, que era primo de
Frank pela parte paterna.
Zack queria que a banda fosse uma antítese do novo rock brasil
que surgia, tocava em espaços como Madame Satã ou no Napalm, e era uma banda
que se juntava ao cenário punk de SP que ali naqueles inferninhos se expandia,
e neste momento Frank apresenta a cocaína para Zack, e o que era uma brincadeira
para Frank, vira coisa séria para Zack, e sua performance é virada em toda a
potência, no que o vocalista do Anti-Pop é logo chamado de o Ian Curtis de SP.
As noites no Napalm e no Madame Satã são épicas, geralmente o Anti-Pop aparecia
no line-up como banda de abertura para bandas maiores, os shows tinham um ar
teatral, e Zack, além da performance frenética durante as músicas, tinha um temperamento
tagarela acentuado pela quantidade homérica de vinho que bebia durante os
shows, fazendo discursos políticos longos em forma de protesto como se fosse um
Jello Biafra brasileiro.
Um dos shows marcantes de 1985 foi no Napalm, em que uma
menina de 15 anos sobe ao palco e dá um grito estridente e empurra Zack para
fora do palco, e canta uma música do Ramones improvisada por Frank na guitarra,
depois Zack volta para o palco tonto de vinho e a menina dá um selinho no
vocalista, e então Zack agradecido passa a garrafa de vinho para esta menina
que some no meio do público e então Zack continua a sua performance de Ian
Curtis em músicas que tinham de dois a três minutos, num passo acelerado que já
era um sinal do que Frank viria a fazer futuramente na banda, já sem a
influência de Zack, que logo tomaria outro caminho também.
Outro dos shows que são destes primórdios do Anti-Pop é um no
Madame Satã em que Zack é hostilizado por carecas, mas estes são expulsos pelos
punks e Zack convida uma massa de gente para invadir o palco, e o show vira uma
sessão de covers de The Clash e Sex Pistols, com tudo se encerrando em uma
grande festa ao som de Anarchy in The U.K., e neste show Zack já exibia um
moicano vermelho em que parecia um galo de rinha com correntes espalhadas por
todos os membros do corpo, e um Frank de cabeça raspada e pintada de azul como
uma bola de sinuca, e logo Zack pensa em raspar a cabeça de zero para provocar
os carecas, mas Frank tira esta ideia de gerico da cabeça de Zack, que passa a
usar o moicano pintado de verde e não mais de vermelho.
Em 1986 eles finalmente gravam uma fita-demo com 25 músicas
de curta duração, com letras de Zack que exploravam temas políticos, sexuais e
culturais, para depois falar de satanismo num contexto em que o crossover
tomava espaço nas composições de Frank na guitarra, mas a tendência punk e de
protesto destas primeiras letras são ainda a tônica dominante do que viria a
ser esta primeira versão da banda Anti-Pop. Zack neste ano também lança um
pequeno livro de poesia com cem páginas e lança zines com pensamentos absurdos
de sua filosofia punk mal ajambrada, que pregava a paz num tom guerreiro e
brigão em verve de contradição que só os mais doidos levavam como algo minimamente
coerente. Tais zines eram em preto e branco com desenhos e letras soltas e
notas filosóficas sobre o conceito de Anti-Pop, e das razões civilizatórias de
se combater a música pop no mundo para que a cultura libertária do punk virasse
um novo sistema político nunca fundamentado, pois os textos ao meio para o fim
viravam um festival de protestos em slogans que só Zack compreendia seu nexo de
hospício, enquanto Frank cuidava do dinheiro da banda, que ainda não era muito.
Em 1987 eles lançam um disco independente só com o nome da
banda, numa prensagem de cem discos, que eles vendem nos shows, e que tinha
quinze músicas de curta duração em 31 minutos de petardos com influência de
Stooges, Pistols e um pouco de Ramones. A banda começa a ficar mais conhecida
no underground, e Frank começa a trazer mais influência de metal para a banda,
que vai se distanciando do cenário punk original, e os conflitos começam a
aparecer, pois Zack queria brilhar como o front-man e estrela ascendente da
banda, mas Frank era o operário e compositor da banda, também tomando espaço
nas letras, empurrando Zack apenas para suas performances ao vivo. Mas este
disco independente ainda é das composições punks que eram mais as influências
de Zack do que as de Frank. Mas o caminho de Frank para a banda seria mais
forte, uma vez que Zack era um ótimo showman, mas não tinha disciplina para
gerir ou ser o líder criativo da banda, uma vez que Zack estava cada vez mais
louco com seus zines nonsense e poemas punk sem pé nem cabeça num voo
neoconcreto que ia para um caminho de incoerência que logo se revelaria um
projeto imaturo e desorientado, pois Zack era um sonhador sem pés no mundo
real, o qual pertencia a Frank, este que tomaria então a frente da banda com
mãos de ferro.
Então, em 1988 a banda se muda para Belo Horizonte em Minas
Gerais depois de assinarem um contrato com a Cogumelo Records, no que sai o
disco de thrash metal do Anti-Pop, de título “Bang Your Soul”, que já nada
tinha mais a ver com o início punk e das letras de Zack que agora tinham saído
para dar lugar para as letras filosóficas de Frank, o que vai minando a relação
de Zack com os membros da banda, e seu vício em cocaína aumenta cada vez mais,
seu alcoolismo fica descontrolado, até que depois de uma briga em que ele tenta
furar Frank com um canivete é então expulso da banda, no que em 1989, já
completamente perdido e revoltado, aparece em São Paulo com uma nova banda,
esta de hardcore, com o nome de Savior, que só dura aquele ano, eles gravam um
disco que é um fracasso e a banda logo se desintegra junto com a alma de Zack,
que agora descobria uma brincadeira perigosa que tinha aparecido esporadicamente
ali em São Paulo, a heroína, que ele usa quando consegue, mas que logo vira uma
dependência química.
E o Anti-Pop se livra naquele momento de um problema para dar
saltos no cenário metal nacional e internacional, já deixando suas origens punk
para trás, junto com seu lendário front-man Zack, que agora daria um mergulho
num sub-mundo não tão legal quanto só se se tratasse de música e atitude e não
uma desculpa canhestra para uma fuga do mundo. “Bang Your Soul” ainda tinha
Zack nos vocais, mas este já estava com um pé fora da banda, pois ficava entre
São Paulo e Belo Horizonte, enquanto o resto da banda se radicava no terreno
novo da Cogumelo Records. O disco é bem-sucedido e rende uma turnê da banda
pela Europa, agora com Frank na guitarra e vocais, enquanto Zack cai da sua
última aventura hardcore para um tombo visceral de sombras. E Zack só não tinha
problemas maiores, pois seu pai era um empresário rico que já tinha herdado uma
fortuna da família, e talvez este temperamento errante tenha advindo do fato de
Zack nunca ter passado por preocupações de ordem financeira na vida, o que lhe
tornara um adulto com vida de adolescente, sem ter mínimas noções de
responsabilidade.
A banda Anti-Pop, em 1990, grava um segundo disco pela
Cogumelo Records, “Heart Attack”, que vai bem e leva a banda a fazer uma outra turnê
pela Europa, e que consagra a banda principalmente no cenário alemão, com Frank
como guitarrista e vocalista, e agora mais um guitarrista de nome Bruno, como
solista, que já participa das gravações deste novo disco com contribuições
pontuais. Enquanto isso, Zack também pensa em ir para a Europa, na esperança de
se libertar das drogas, o que seria desastroso, pois em 1991 ele se muda para
Berlim, e ao invés de se tratar, se afunda de vez na heroína, fazendo viagens
intermináveis de trem, e finalmente vai parar na praça de Zurique, aonde
termina seu périplo e decide ficar por lá, pois sabia que ali sempre teria
acesso ao seu vício sem grandes manobras atrás de um traficante. Lá conhece
Elvira, uma brasileira junk, ex-punk, também de São Paulo, que estava ali no
mesmo contexto de Zack, e os dois se enamoram. Elvira estava largada pela sua
família paulista de elite, então este encontro eram de dois egressos da elite paulistana
no mundo da heroína na praça de Zurique.
Zack passa a sustentar seu vício e o de Elvira com uma mesada
que o pai de Zack enviava para ele em Zurique, e seu pai sabia de sua situação,
mas viu que não tinha saída e não queria que Zack virasse um mendigo ou fosse
assassinado por dívida com o tráfico, então Zack também tinha um conjugado em
Zurique no qual morava ele e Elvira, esta que já não tinha mais qualquer
contato com a sua família e só tinha agora Zack e mais ninguém no mundo. Zack
comprava quantidades industriais de heroína para o consumo dele e de Elvira e
só não morre nesse período por milagre ou por que era um cavalo químico que não
sucumbia mesmo no apocalipse zumbi, e era exatamente neste mundo surreal que
Zack se perdia, a Platzspitz era o cenário em que seu sonho opiáceo ganhava
voos que só com uma luz abscôndita ele poderia sair dali, ou talvez um choque de
realidade, que são geralmente mais eficientes do que qualquer milagre religioso
ou revelação mística, e que viria neste cenário como a cavalgada da morte numa
carruagem chamada overdose.
Em 1992, então, acontece o tal choque de realidade, pois Elvira
morre de overdose na sua frente em seu conjugado que vivia imundo àquela altura
numa rotina de desleixo absoluto, e Zack cai em depressão, fica cada vez mais
afundado no vício, e tem uma overdose quase fatal no fim daquele mesmo ano,
véspera de Natal, e se interna por vontade própria ali mesmo em Zurique, num
tratamento de redução de danos, no que consegue diminuir seu consumo, e ele
fica até 1993 para se livrar da dependência, quase morre na abstinência, mas se
segura com metadona, e decide em 1994, enfim, ir para Londres, e com o dinheiro
do pai, já livre da heroína, monta um pub que também era uma loja de discos, e ali
vira um festeiro, ainda bebia muito, mas já não usava nem heroína e nem cocaína,
o speed para ele então naquele momento era tão proibido quanto blasfemar contra
Deus, e sua diversão agora era beber e trabalhar bebendo.
Em 1995, no início do ano, Zack faz uma ligação telefônica
para Frank, que estava ainda com o Anti-Pop, e por sinal, a todo vapor, agora como
uma banda de thrash metal consolidada no underground com contrato longo com a
Roadrunner, banda respeitadíssima e que tinha um público especial na Alemanha e
no leste europeu. Zack liga para Frank com a intenção de fazer as pazes e zerar
o passado, dá razão para Frank ter seguido em frente com o Anti-Pop, e que
realmente a filosofia da banda tinha tomado um rumo diferente do que ele, Zack,
esperava, e que na época ele estava muito chapado para perceber isso. Frank diz
então que pensou várias vezes em também ligar e pedir desculpas, mas que tinha
receio de que ele, Zack, o recebesse com cem pedradas, ou que Zack, seu velho
amigo, ainda estivesse num transe onírico em Zurique, sem contato com a
realidade, pois esta foi a última notícia que Frank recebeu sobre seu antigo
front-man.
A banda Anti-Pop, em julho de 1995, passa então por Londres
numa pequena turnê e os caras da banda se reencontram com Zack, é uma festa, e
tudo de ruim então evapora num Zack que vinha de traumas em Zurique, mas que
não tinha perdido o seu brilho de front-man que um dia fora, pois a sombra da
heroína não parecia ser mais uma ameaça. Ele ainda pensava em voltar para a
música, mas estava um tanto enferrujado, e guardava algumas fotos do período
punk em que cantara no Napalm e no Madame Satã com o Anti-Pop.
No meio desta festa de amigos, Zack fica cerca de cinco horas
conversando com Frank em particular, numa verdadeira catarse, e se trata de um
acerto de contas bem leve, pois os dois sentiam saudades, e a briga era de dois
jovens, e agora eles estavam mais velhos, e a banda Anti-Pop como uma força
underground caminhando com independência criativa no cenário thrash metal, e
Zack emancipado do pai e livre da heroína que quase o matara, se divertindo num
pub londrino do qual era o proprietário e que ainda vendia discos e camisas de
banda, no que a banda Anti-Pop decide fazer um show surpresa dentro do pub, e a
mulher de Frank grava tudo e prepara um mini-documentário, com o brinde de duas
músicas punk da banda tocadas também na ocasião com a performance frenética do
Ian Curtis brasileiro, o velho e bom Zack, que não tinha esquecido sua origens
de showman, mas agora sossegado numa bancada de bar, bebendo e trabalhando no
mesmo lugar.
O reencontro de Zack e de Frank rende um tanto, e Zack canta
uma música da época punk no show do Anti-Pop em Londres, e o público não sabia
quem era aquele cara frenético no palco que canta uma música curta como um
petardo em português e desaparece, no que Frank explica o passado glorioso da
versão punk do Anti-Pop, no que o material antigo meses depois é lançado pela
Roadrunner num pacote especial de natal junto com material novo e inédito numa
salada geral promocional da banda para os fãs mais fervorosos, no que Zack
passa a ser reconhecido como o ilustre integrante do Anti-Pop que tinha um pub
e vendia discos de rock em Londres.
1996, por sua vez, é um ano consagrador para o Anti-Pop, pois
Frank nos vocais e guitarra base, Bruno na guitarra solo, Limão no baixo e
Romeu na bateria, com a liderança das composições por Frank, lançam seu melhor
trabalho musicalmente falando e também de público, o álbum duplo em CD, “New
Age of Metal”, tal trabalho é um divisor de águas para uma banda que já era bem
conceituada, e os músicos da banda param de adiar a sua mudança de Belo
Horizonte para Berlim na Alemanha, e se mudam de vez para a cidade, aonde agora
eles figuravam ao lado das bandas locais como os meninos selvagens do Brasil,
os renovadores do thrash metal com um álbum de amplitudes que não devia nada
mais a ninguém, um trabalho original e poderoso e que coloca Frank como um dos
grandes compositores e letristas do metal da década de 90. A banda sai em turnê
pela Europa e depois pelos Estados Unidos, aonde ainda eram ilustres
desconhecidos, mas a banda fica a maior parte do tempo na Alemanha e nos países
do leste europeu, lugares em que o Anti-Pop era uma entidade, e passam por São
Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre nas últimas datas de 1996, que é o melhor
ano da História da banda até ali.
Frank, mesmo diante dos vários compromissos com o Anti-Pop,
ainda pensa em ter um novo projeto com seu velho amigo Zack, mas ele sabia que
Zack estava bem com seu pub, mas ele sentia falta das performances de Zack nos
tempos punk de São Paulo. Algo dizia que o sucesso do Anti-Pop também poderia
ser repetido com um projeto paralelo para que Frank fizesse seu tributo ao
ilustre desconhecido do pub londrino, conhecido no underground paulistano como
o Ian Curtis brasileiro, um front-man lendário que estava registrado em fotos e
vídeos da década de 1980. Frank liga então para Zack e diz que vai passar um
mês em Londres, mas ainda não fala sobre a sua nova ideia. Zack tinha uma certa
nostalgia de seu período punk no Anti-Pop, mas vivia seu período mais feliz no pub
londrino, coisa que não sentiu nem em seus tempos de punk paulista e
maloqueiro. Frank decide então comer pelas beiradas, mas alimentava este seu
novo sonho, tocar novamente ao lado de Zack, coisa que experimentara brevemente
no reencontro na mesma Londres que agora fascinava a alma bêbada de Zack, agora
um punk de pub, que sabia mesmo ou gostava era de vender discos e camisas de
rock, o pub era a parte divertida, sua cachaça eram os discos e camisas pretas.
Zack fez isso antes de ser vocalista do Anti-Pop, e sua origem profissional era
de vendedor, ao seu estilo rocker e punk.
Em 1997, em janeiro, o Anti-Pop lança o mini-documentário do
pub de Zack, que vende bem, e a ideia de Frank de ter uma nova banda com Zack passa
a ser um projeto que também ganha o apoio dos outros caras do Anti-Pop, a
Roadrunner compra a ideia e fica só faltando a decisão de Zack por voltar aos
palcos, no que ele pede um mês para pensar, em como faria para alguém cuidar do
pub se ele fosse cantar de novo. Em março sai a decisão: Zack entraria em
estúdios com toda a banda Anti-Pop para compor, e Frank fica esfuziante, ele
ali sentiu que tinha seu amigo de volta, mais vivo do que nunca. E o estilo
certamente seria o punk original de influências de Stooges e Pistols que eles
estancaram na década de 1980, agora com novas composições, mais maduras do que
a fase juvenil dos meninos de SP. Pois agora Frank era um músico que podia
transitar do erudito para o popular sem afetação nos dois modos de abordar a
música e o rock em geral, pois estava no seu auge como instrumentista e
compositor, e poderia conduzir Zack de volta ao seu posto de performer rocker
frenético e visceral. E o próprio nome do Anti-Pop entra em cogitação, e nasce
um dilema entre um nome para um projeto paralelo ou se aquilo também era o
próprio Anti-Pop criando dois caminhos simultâneos, e a cabeça de Frank agora
ferve para nomear a sua ideia maluca de ter Zack de volta.
Ao fim, em maio, depois dos ensaios e composições rápidas
como demanda uma banda punk de garagem, já se tinha 15 novas músicas, todas de
2 e 3 minutos, e Frank então dá uma de doido e diz que o projeto era mesmo o
próprio Anti-Pop voltando às origens, e claro que ele sabia que o outro
caminho, o thrash metal profissionalíssimo que culminara na obra prima “New Age
of Metal” continuaria dando novos frutos, mas era um intermezzo para uma grande
festa punk com o filho ou irmão pródigo Zack para ele fazer seu número que
sairia de vídeos antigos e caseiros de uma SP punk da década de 1980 para uma
Europa que ainda não tinha visto os dotes de front-man de Zack, e que Frank
sabia que valia a pena patrocinar aquela ideia maluca e arriscada que até a própria
Roadrunner comprara sem grandes problemas.
Frank àquela altura tinha pleno domínio de todos os processos
que envolviam o Anti-Pop, incluindo fazer o que quisesse como e quando bem
entendesse, mas mesmo assim ele conversou com os donos da gravadora quando teve
a ideia de trazer Zack de volta para uma aventura com o Anti-Pop, no que a
Roadrunner não contestou, Frank era o líder criativo e dono da banda, mesmo que
ele fizesse com que todos participassem com sugestões o tempo todo, mas que os
próprios músicos tinham confiança nas ideias de Frank, assim como a Roadrunner,
e neste caso inusitado de um disco punk com um velho integrante que não tinha
banda há anos, o próprio Frank achou que estava maluco, mas todo mundo ficou
maluco junto com ele, e de súbito Zack estava na banda e eles tinham um disco
de punk à moda Stooges e Pistols.
Em setembro sai então o disco do Anti-Pop de punk rock, com o
título de “Cidade Louca”, com músicas punk em português, como na época em que
Zack cantava na banda na década de 1980 antes do ingresso da banda na Cogumelo
Records e na guinada para o thrash metal que a banda teve naquele momento. Era
um retorno às raízes mais originais da banda que surgira no cenário punk da SP
da década de 1980 e foi fazer fama como banda de thrash metal na fria Alemanha
e no leste europeu na década de 1990. E era uma apresentação destas origens da
banda para o público europeu, que desconhecia completamente quem era aquele
novo maluco cantando numa banda que havia feito em 1996 um disco de thrash
metal histórico e agora cantava em português com um estilo punk e de garagem.
A aposta dá certo, Frank viu que não tinha ficado maluco, o
estranhamento do público logo vira festa, e une as tribos do punk e do thrash,
só os mais radicais é que não entendem que aquilo era um momento paralelo da
banda mesmo que o nome fosse o do próprio Anti-Pop, ou seja, se tratava de um
projeto paralelo sem nome novo, usando a marca Anti-Pop, pois, no fim das
contas, se tratava mesmo da própria banda, mas na sua versão crua dos tempos
paulistas do punk da década de 1980, portanto, era mais um revival do que uma maluquice
sem sentido. E Frank usou este argumento para apresentar o disco “Cidade Louca”
para os alemães e nativos do leste europeu, no que dá certo, tirando os
radicais que nunca entendem nada ou só entendem o que querem entender.
Zack vira um personagem curioso no cenário metal, um punk
numa banda de thrash metal que estava tocando punk em português, com Frank
feliz da vida como um músico do Stooges ou dos Sex Pistols, como se não
houvesse amanhã, e havia, e ele sabia que era o thrash metal que chegara aos
píncaros da glória com o “New Age of Metal”, e que Zack era mesmo o projeto
paralelo punk e que a encruzilhada era bem legal e um desafio, ao invés de um problema.
Frank estava se divertindo e fazendo Zack se divertir, pois Frank sabia que
Zack vivera nas sombras no seu período em Zurique, e Frank estava vivendo a
alegria mútua entre ele, os músicos da banda, e um Zack sempre louco e
frenético como um punk perdido numa banda de thrash metal.
No fundo todos estavam se divertindo, o caso todo era como
isso seria resolvido depois, e logo Zack dá a deixa, pois diz que ele queria
curtir a turnê daquele disco e depois voltar ao sossego de seu pub londrino,
entre discos e camisas, depois de mais um sonho numa noite de verão, e que ele,
Zack, seria grato ao Anti-Pop, tanto pela década de 1980, como com esta nova aventura
ácida e doida do disco “Cidade Louca’”, mas que ele, Zack, sabia que Frank
tinha uma puta banda de thrash metal que tinha realizado uma obra prima em 1996
com o “New Age of Metal” e que, sim, a diversão é importante, mas o processo
histórico da banda era evidente e que isso seria o mais importante a fazer
depois da festinha punk improvisada, e que sim isto foi importante para que o
Anti-Pop fosse conhecido por inteiro pelo público europeu, que até então praticamente
ignorava que um maluco frenético como Zack fizera parte da história daquela
banda que era conhecida como uma banda de metal e não de punk, e Zack entendeu
que este era o sentido de sua nova passagem pela banda, e Frank também, ao fim,
entendeu a mesma coisa, fazia sentido, ou todo o sentido. E Frank também sabia
que o mais importante daquilo tudo é que Zack tinha sobrevivido à Zurique, e
era mais um motivo para a festa punk com o Anti-Pop antes do retorno ao sério
trabalho de um thrash metal consolidado que Frank agora dominava sem afetação
ou presepadas.
A turnê dura cinco meses, vai de outubro de 1997 até fevereiro
de 1998, quando Zack anuncia que a banda seguiria sem ele, dando prosseguimento
ao trabalho que foi realizado em “New Age of Metal”, e que ele, Zack, ficaria
feliz observando o caminho de sucesso do Anti-Pop em seu pub londrino, e que já
valera a pena aquele disco novo com o Anti-Pop, e que “Cidade Louca” era um
ponto fora da curva da banda e que, ao mesmo tempo, revelava a linha da estrada
do Anti-Pop, seu sentido total, a versão punk paulista, e o caminho pavimentado
no thrash metal de domínio técnico e inspiração rocker plena. Zack sentia que
tinha cumprido uma missão especial na banda, e as rusgas entre punk e metal
agora estavam numa harmonia inaudita descoberta pelo tempo, senhor de todos os
caminhos e percepções. Zack era um coringa que consolidou a banda na sua
História, principalmente para o público europeu, mas o processo histórico era
continuar o caminho do thrash metal e que agora era uma avenida aberta pelo
trabalho em “New Age of Metal”.
Zack volta ao pub em março de 1998, o Anti-Pop entra em
estúdio, agora com a formação de Frank nos vocais e guitarra base, Bruno na
guitarra solo, Limão no baixo e Romeu na bateria, eles convidam Zack para
assistir as gravações e mixagens, e os músicos não pretendiam realizar um
trabalho ambicioso como fora o “New Age of Metal”, pois já tinham seu lugar no
mercado, queriam um trabalho correto e bem realizado, o que resulta num álbum
de cinquenta minutos com onze músicas, sem as ambições do New Age, mas com a
pegada thrash suficientemente potente e até mais pesada que o New Age para
fazer seus fãs delirarem com a porrada que ganha o título de “Broken Bones”,
certamente o álbum mais pesado do Anti-Pop até ali, com um groove que ecoava
até um pouco do Pantera do Vulgar Display of Power e do Far Beyond Driven.
Zack então, já em seu pub, bebendo vinho e cerveja, está bem,
mas tem três visões que servem para resumir a sua vida até ali. Numa manhã, com
o pub ainda fechado, ele vê uma silhueta, naquele tempo ele estava casado com
uma carioca de nome Margô, e a silhueta fala o nome de Margô, e ele reconhece a
voz de Elvira, uma coisa estranha, mas que ele entende ser uma mensagem, ela
repete mais uma vez o nome Margô, e depois sussurra “Anti-Pop, missão cumprida”.
Zack não tinha bebido nada e nem estava com sono, mas percebe que aquela
silhueta era de Elvira, e depois desencana, entendendo que de fato o Anti-Pop
tinha fechado um circuito inteiro na sua cabeça e que Elvira viera ali só para
confirmar aquilo e que Margô ficaria ali com ele, depois de sua turnê “Cidade
Louca”.
A segunda visão é em pleno expediente, já no início da noite,
com o movimento do pub frenético, um homem com um chapéu do qual não se via o rosto,
se aproxima do balcão em que Zack estava bebendo uma cerveja, e este homem dá
uma respirada funda diante de Zack, se aproxima mais, se debruça sobre o
balcão, e Zack percebe a forma do rosto do homem de chapéu, e não parecia ser
um rosto humano, mas sim o de um felino da savana africana, e com um bigodinho
também de felino diz que a silhueta era Elvira, que ela tinha sido tratada no
umbral com várias injeções, e que Elvira agora vivia a buscar a verdade que
perdera na noite de Zurique, e que tanto ele como Elvira estavam no pub para
proteger Zack de uma recaída, e Zack se assusta, acha o felino estranho, mas
mais uma vez relaxa e aquele homem de chapéu com cara de felino nunca mais aparece
no pub.
A terceira e última visão é a que define a história de Zack
até ali, e que dali para a frente ele viveria na paz do pub, sem razões para
temer o que quer que fosse, pois aparece enfim uma mulher de preto, de noite,
com o pub já fechando, esta mulher era o último cliente da noite, e Margô já
dormia naquela hora, esta mulher de preto veste uma capa na qual esconde o rosto,
em volta de sua cabeça Zack vê uma aura azulada e escura, como uma nuvem de
cobalto, em volta do vestido preto desta mulher brilhos áuricos como pequenas
luzes solares que emanavam daquela mulher que Zack percebera não ser humana,
mas sim uma entidade, e que ele também percebe que era benfazeja, e ela então
diz: “Sou a Madame Heroína, meu brilho de cobalto seduz e mata, mas quem passa
pela minha porta e sai vivo é meu campeão, sou a senhora das vestes negras e do
sonho de ópio, estive contigo nas noites frias de Zurique, faço bem a quem é
mais forte do que eu, faço mal aos fracos que se afogam nas minhas vestes, no
meu brilho áurico e na minha aura de cobalto, sou a Madame Heroína, me despeço,
Zack, levei Elvira para o meu rio do esquecimento, Morfeu é meu chefe, sou a
Madame Heroína a seu dispor, e sua aventura continua, para sempre, louco.”
Contos Psicodélicos/Gustavo Bastos
Pronto em 21/06/2017.
Nenhum comentário:
Postar um comentário