PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

domingo, 20 de novembro de 2016

PAUL VERLAINE, A VOZ DOS BOTEQUINS E OUTROS POEMAS – PARTE III

“o termo Simbolismo passou a ser usado para definir este novo ambiente literário”

ESTILO
A poesia chamada de “decadente” foi a do movimento que produziu a poesia francesa do chamado fin de siècle (fim de século) que abrange o período que vai de 1880 até o começo da Primeira Guerra Mundial. O termo "decadente" pode ser interpretado como o conteúdo que tinha uma visão moral chocante, e que levou Verlaine a documentá-la com seu livro Os Poetas Malditos, na qual popularizou a expressão poète maudit ("poeta maldito"), livro que em 1884 citava poetas como Stéphane Mallarmé e Arthur Rimbaud, os quais enfrentaram uma luta contra convenções poéticas, além de um embate contra censuras sociais, pelo fato de serem ignorados pelos críticos.
Com a publicação do Manifesto Simbolista de Jean Moréas em 1886, no entanto, o termo Simbolismo passou a ser usado para definir este novo ambiente literário. Foi assim que Verlaine, Mallarmé, Rimbaud, Paul Valéry, Albert Samain e muitos outros passaram a ganhar o epíteto de poetas "Simbolistas". Tais poetas teriam como fonte filosófica o pensamento de Schopenhauer, além de temas como o desejo, a fatalidade, a eclosão de forças inconscientes, o sexo e a prostituição, a cidade, e ainda, citando as forças do inconsciente, tais poemas envolveriam sonhos, delírios, o álcool e os narcóticos em geral. Como estilo, o Simbolismo teria a prática de sugerir temas numa linguagem evanescente, abolindo a forma retórica, portanto, e então invocando estados de humor variados, além dos sentimentos como num jogo mágico com o uso das palavras, também como repetição dos sons, uma musicalidade intensa dos versos, que são muito bem conduzidos dando uma ideia de cadência que chegava ao fim como inovação métrica.                                                  
POEMAS:

É O ÊXTASE LANGOROSO : Este poema de Verlaine vem com bastante estilo, já pelo título me chama à curiosidade, e se abre, em floração: “É o êxtase langoroso,/É o cansaço amoroso,/É todo o bosque a vibrar/Ao enlace das aragens,”. O êxtase langoroso, que ecoa e vibra, no qual o poeta é quem sabe bem os versos que lhe derramam, e é um poema refinado, de dimensão reduzida mas condensada, que continua, em frescor, a descrever uma sensação: “Ó o fino e fresco cicio!/É chilreio e murmúrio,/Parece esses doces ais/Que a relva móvel suspira ...”. A natureza aparece, seja simbólica ou literal, não importa, aqui o poema é mais importante que um sentido final, a apreciação máxima se dá quando a relva suspira, aqui a vida da natureza ganha forma consciente, mas Verlaine tem uma dor ainda, mesmo diante da glória natural que lhe oferece tudo ao seu coração de poeta, e finaliza, como se de sua dor ele enxergasse a dor de tudo que é humano, e diz: “Essa alma que se lamenta/Nessa queixa sonolenta/Não será a nossa, ai de nós?”. Sua alma aqui é um nós que lamenta, e seu ai possui toda a envergadura das demais dores do mundo, nisso ele se reconhece tanto como poeta como um ser humano verdadeiro.
ARIETA : Este poema abre com spleen clássico, num ato choroso, que o verso ainda consola ou pode mais ainda aprofundar a dor: “Chora o meu coração/Como chove na rua;/Que lânguida emoção/Me invade o coração?”. A emoção, lânguida, lhe invade o coração, e o poeta Verlaine faz de seu estilo uma lamentação, mas que tem resultado bem positivo, uma vez que se torna poema e versos na sua pena: “Para um coração vazio,/Ó aquele murmúrio!/Chora não sei que mal/Meu coração cansado./Um desengano? Qual!/É sem causa este mal./É a maior dor – dói tanto! –/Não se saber por quê,”. Dor desconhecida, incógnita da tortura, mas que tem sua verdade como poema, e isso resume um pouco de sua glória.
GREEN : Este poema que se volta à natureza, abre em direção a uma fêmea, e o coração mole do poeta não lhe resiste, e pede certa clemência, no seu pulsar atordoado, que vem assim: “Aqui estão frutos, flores, folhas, que eu vos/trouxe,/E um coração que só por vós sabe pulsar.” (...) “Que esta minha fadiga, a vossos pés prostrada,/Sonhe os instantes bons que a reconfortarão./Deixai rolar no seio moço a fronte lenta/Em que ainda ecoam vossos beijos musicais;/Deixai-a sossegar da bendita tormenta,/E que eu durma um instante, enquanto repousais.”. O convite deste poema é um verdadeiro sonífero, o poema vem de spleen e funciona ao fim como um narcótico ao qual Verlaine tenta reconfortar-se e os beijos musicais sossegam a tormenta, e o saber aqui enunciado é o do sono do amor, dorme bem quem tem peito ao qual se deitar.

POEMAS:

DO LIVRO "ROMANCES SANS PAROLE"

É O ÊXTASE LANGOROSO

Le vent dans la plaint suspend son baleine
                                                          Favart

É o êxtase langoroso,
É o cansaço amoroso,
É todo o bosque a vibrar
Ao enlace das aragens,
São, nas grisalhas ramagens,
Mil vozes a cochichar.

Ó o fino e fresco cicio!
É chilreio e murmúrio,
Parece esses doces ais
Que a relva móvel suspira ...
Dirias, na água que gira,
Rolar de seixos casuais.

Essa alma que se lamenta
Nessa queixa sonolenta
Não será a nossa, ai de nós?
A minha à tua enlaçada,
Exalando a humilde toada
Nesta tarde, a meia-voz?

ARIETA

Il pleut doucement sur la ville
                                      Arthur Rimbaud

Chora o meu coração
Como chove na rua;
Que lânguida emoção
Me invade o coração?

Ó frio murmúrio
Nas telhas e no chão!
Para um coração vazio,
Ó aquele murmúrio!

Chora não sei que mal
Meu coração cansado.
Um desengano? Qual!
É sem causa este mal.

É a maior dor – dói tanto! –
Não se saber por quê,
Sem ódio ou amor, no entanto
O coração dói tanto.

GREEN

Aqui estão frutos, flores, folhas, que eu vos
trouxe,
E um coração que só por vós sabe pulsar.
Não o despedaceis com vossa mão tão doce,
E possa o humilde dom ser grato ao vosso olhar.

Ainda tenho no rosto o orvalho que a alvorada
Vem regelar em mim com sua viração.
Que esta minha fadiga, a vossos pés prostrada,
Sonhe os instantes bons que a reconfortarão.

Deixai rolar no seio moço a fronte lenta
Em que ainda ecoam vossos beijos musicais;
Deixai-a sossegar da bendita tormenta,
E que eu durma um instante, enquanto repousais.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário: http://seculodiario.com.br/31554/17/paul-verlaine-a-voz-dos-botequins-e-outros-poemas-parte-3


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