“A força da peça foi imensa, seu impacto intenso, iluminando
no palco alemão o terror de uma nação em frangalhos”
INSPIRAÇÃO PARA A PEÇA
Friedrich Schiller nasceu no ano de 1759 na cidade de
Marbach, sul da Alemanha, e faleceu em 1805, em Weimar. Começou a escrever Os
Bandoleiros, sua peça de estreia, provavelmente no ano de 1777, quando ainda
não havia completado 18 anos, e publicou-a em meados de 1781, em edição própria
e anônima.
Schiller inspirou-se, para escrever “Os Bandoleiros”, na
leitura de um conto de Christian Daniel Schubart, intitulado “Por uma história
do coração humano” – uma variação da parábola do filho pródigo. A peça “Os
Bandoleiros”, por sua vez, é marcada pela influência do Sturm und Drang
(movimento romântico alemão, também conhecido por titanismo) e carrega, além de
ser uma das fundações do movimento citado, junto com o Werther de Goethe, uma
gama variada de referências que vão das tragédias de Shakespeare à obra do
jovem Goethe, aos poemas de Klopstock e a vários escritores clássicos. E
podemos flagrar também, no texto da peça, os conhecimentos de Schiller a
respeito do pietismo, da mitologia grega, da Bíblia e da medicina, e com isso
tudo junto, vemos Schiller produzir uma obra selvagem, drástica, cheia de
dinamismo, vigor, e que corrobora as palavras inspiradas tempestade e ímpeto,
bandeira do movimento novo da Alemanha literária.
IMPACTO DA PEÇA
A força da peça foi imensa, seu impacto intenso, iluminando
no palco alemão o terror de uma nação em frangalhos, fragmentada, e a imagem de
Schiller ficou para sempre ligada à imagem de sua primeira obra “Os
Bandoleiros”. E, mesmo que sua obra tenha continuado e se tornada de um valor
gigante, digna de seu gênio, professando então, o classicismo de Weimar, junto
com outro baluarte de nome Goethe, e isto já na fase tardia de sua obra,
Schiller seria sempre lembrado pelo fulgor juvenil e titânico de “Os
Bandoleiros”, pela fúria selvagem, pelo ímpeto e pelo desespero de sua peça de
estreia, Schiller, como se diz, começa sua história literária e teatral já
chutando a porta, no melhor sentido, e sua arma é o choque e a expressão hiperbólica,
digna do Sturm und Drang.
No começo de 1781, por sua vez, a Alemanha perdia Gotthold
Ephraim Lessing, o grande autor e, sobretudo, o grande dramaturgo da literatura
alemã da época. Foram muitos os que profetizaram a morte de seu Shakespeare. Poucos
meses depois, no entanto, a primeira resenha jornalística – publicada no jornal
de Erfurt – sobre a peça Os Bandoleiros já sentenciava: “Se um dia pensamos ter
um Shakespeare alemão, então é este”. Ao mesmo tempo em que a Alemanha
lamentava a perda de Lessing, o grande educador da pátria, ganhava um autor que
marcaria profundamente os rumos de sua dramaturgia. Lessing encerrava um ciclo,
Schiller e Goethe começavam outro, todas as restrições métricas de um Racine,
por exemplo, implodem na explosão romântica, na mesma cepa numerosa de
personagens que havia no teatro elisabetano, por exemplo, e na amplitude
geográfica de construção de cenas e cenários.
A peça finca raízes profundas na história da Alemanha da
época e é açulada pela experiência pessoal do autor, pois embora seja
histórica, era uma peça também subjetiva. Com o lançamento de Os Bandoleiros,
por sua vez, se diz que as perucas empoadas de uma época afetada e nobre caíam moribundas
e mofadas, os castelos de cartas de um século perdido foram ao chão, entrava-se
na beira do novo século XIX já com um novo despojamento que arrancaria as
paixões mais brutas de seu sossego. A Alemanha, esfacelada em mais de trezentos
principados – atrasada política e economicamente -, era obrigada a fixar os
olhos no horror de sua própria história.
CARACTERÍSTICAS DA PEÇA
A peça é um ataque surpresa, se podemos citar aqui a catarse
aristotélica das tragédias gregas, se tratou disto exatamente na representação
cênica de “Os Bandoleiros”, era um tipo novo de experiência que a Alemanha
jamais havia visto e vivido. Apresentava força no golpe, um ímpeto dramático
inigualável, é uma peça de texto, extensa em matéria de letras, mas que na cena
é choque certo. O que era jovem, viril e fogoso triunfava de modo definitivo
com a obra de Schiller.
A peça era desmedida e forte, avassaladora como só havia sido
a prosa do Werther de Goethe – obra irmã no titanismo -, mas, em comparação ao
infortúnio de Werther, romântico suicida, “Os Bandoleiros” é um libelo
político, mais agressiva na crítica porque arrancava os heróis do isolamento e
levantava os panos da hipocrisia social em que a Alemanha vivia. Todo o
problema do estilhaçamento territorial da nação alemã aparecia como fosso
político e social, e uma disputa de irmãos, a luta entre revolução e
conservadorismo ganha empenho romântico, ímpeto tempestuoso, ações e falas
hiperbólicas, cada movimento da peça é um soco.
Tudo na peça é ímpeto, tudo é arranque. Os movimentos não são
suaves. Quando alguém se levanta, dá um salto. Quando alguém se afasta, o faz
correndo. A sucessão de golpes é interminável e intensa. O tema da liberdade, por
sua vez, é motivo condutor de toda a obra de Schiller, já aparece forte e
soberano em sua primeira peça. E a expressão da liberdade é Karl von Moor, já com
seu lema fundamental de uma mentalidade drástica: Liberdade ou morte. Assim
como a marca do tacão absolutista, por sua vez, aparece registrada inteira em
seu irmão, Franz von Moor, o hipócrita, ardiloso e invejoso que tenta até mesmo
seduzir Amália, apaixonada por Karl. Maximilian, o pai dos dois, é a bondade –
meio cega, já fraca e decadente – de uma época que agoniza.
A PEÇA E SEUS
PERSONAGENS
A peça “me custou família e pátria”, disse Schiller, que teve
então que abandonar sua cidade e os seus por causa dela. A experiência dolorosa
do autor incompreendido só fez contribuir no primor da obra, que, se leva
algumas imperfeições inescapáveis típicas da precocidade, já traz a marca do
gênio, o que se consumaria em grandes feitos durante sua vida teatral. No
prefácio à primeira edição de Os Bandoleiros, por exemplo, Schiller diz que o
texto era mais uma história dramática do que uma peça teatral. A peça foi
montada com êxito na Alemanha um sem-número de vezes, mas nela se percebe com
nitidez que na Europa o teatro é feito também para ser lido. Ou seja, a riqueza
do texto, de caráter hiperbólico, é ainda um feixe matizado extremamente
dramático, é um teatro de autor e não de diretor, mas possui todas as virtudes
da cena por ter carga dramática de sobra para tal.
E, embora haja falhas na peça, nenhuma delas é grave. Lembrando
que Schiller começou a escrever a peça quando tinha apenas 17 anos. Em relação
aos personagens, por exemplo: Amália é, segundo os críticos e o próprio
Schiller, a personagem mais incompleta da peça. O próprio autor confessa que em
seu claustro forçado que viveu na Escola Militar, sob o jugo do Duque de
Württemberg, não lhe havia sido dado conhecer mais de perto a beleza do sexo
até a época em que escrevera a peça. Assim, Schiller transforma Amália numa
sonhadora etérea, de pouca vida, talhada nas frases do poeta alemão Klopstock,
que aliás se ajustam a seu caráter vago e quase apenas espiritual. Schiller usa
e abusa de Amália para evocar Klopstock na sua fala durante todo o texto da
peça.
As figuras paralelas, por sua vez, são bem compostas e têm um
final adequado à sua conduta. Schweizer é o sujeito firme e fiel e isto tem
efeitos dramáticos em que o drástico entra como grande elemento de cena do
romantismo alemão. Roller é o impetuoso confiável e também pagará o preço. Schufterle
um pássaro destinado ao patíbulo, e Spiegelberg, a grande figura da peça,
quando se diz, sobretudo, do texto em si, pois seu gesto e sua expressão
caudalosa enriquecem a peça deveras, e que se trata de personagem fanfarrão,
brejeiro, covarde e traiçoeiro, um mandrião em meio ao bando, aliás, o mais
esperto e traquina. Esses personagens são desenhados com precisão – embora não
sejam descritos -, apenas por meio de suas falas e ações. Não há aqui a famosa
descrição psicológica, uma vez que estas figuras já aparecem em contextos
definidos de ação direta, assim como a própria peça, desde o princípio, já está
inserida na ação sem momento introdutório.
A entrada de Kosinski no fim do terceiro ato, que vem a
encaminhar o desenlace da tragédia, é até bem encaminhada. Mas sua situação, e
a referência forçada a uma outra Amália, são artificiosas por demais e
pouquíssimo sutis, parece um deus ex machina meio atrapalhado do jovem autor. E
quando Karl, ainda disfarçado, volta a falar com Amália na segunda cena do
quarto ato e diz que o nome de sua amada também era Amália, a peça chega a
adquirir virtudes de jogo, algo de teatral para além do texto parece eclodir.
Há também expectativas frustradas, como aquela em que Franz ameaça Amália com o
claustro e a moça aceita impávida, mas, ao invés de se tornar freira, logo
aparece vivendo normalmente no castelo do então senhor Franz von Moor. Para
complicar, há a referência poética de Karl ao véu de freira que a moça teria
usado (ela “me sacrificou sua coroa de santa ...”). Tudo porque numa primeira
versão da peça – a respeito da qual sobraram apenas depoimentos e referências –
Schiller planejava de fato levar Amália ao claustro.
Uma das falhas mais cabais da peça, no entanto, é a condução
final do personagem Maximilian, pai de Karl e Franz. Personagem ambíguo em
matéria de densidade, pois, embora seja bem construído em sua bondade, fraqueza
e cegueira decadente – que ademais testemunham a agonia de uma época -, o
personagem é praticamente esquecido ao final. O velho Moor para de falar a
certa altura e se despede da peça sem adeus. Um furo que Schiller em seu ímpeto
não se desculpou, o velho Moor tem um caráter definido, embora fraco em
demasia, e simplesmente evapora no fim da peça.
ALCANCE DO TEXTO
No mais, os monólogos da peça são maravilhosos, poéticos,
filosóficos – e surpreendentes quando lembramos que seu autor nem tinha vinte
anos. Tanto Franz e seu arrivismo criminoso, forjado num materialismo e num
racionalismo nauseabundos, quanto a desilusão libertária e incontida de Karl
proporcionam frases lapidares. O alcance filosófico e literário do teatro do
então bem jovem Schiller já revela alguém que tinha tanto o conhecimento
necessário como o poder de intuição suficiente para o empreendimento que deu em
“Os Bandoleiros”. Karl e Franz são os opostos mais bem resolvidos de todo o
texto.
Karl e Franz, aliás, são dois personagens inteiriços. A peça
em si é bem construída, se vista de modo global. As cenas se sucedem consequentemente
e se encaixam umas às outras à perfeição. O ápice é encaminhado depois de
vários golpes sucessivos. Assim como nos templos de Ésquilo, a tragédia
permanece ligada ao destino na peça do autor alemão. O mundo de Schiller, no
entanto, é judaico-cristão e é a justiça divina que acaba por vencer ao final,
restaurando a ordem – um tanto vaga – depois do sacrifício. O eco da tragédia
grega também aparece em Schiller aqui como catarse, o que pode também ser
entendido com a palavra terror. Tempestade e ímpeto, por sua vez, tem tudo a
ver com a ideia antiga de Aristóteles de catarse como objetivo do teatro
trágico.
TEXTO DE SCHILLER SOBRE
OS BANDOLEIROS
O AUTOR AO PÚBLICO
(por ocasião da primeira encenação)
Obs: texto do próprio Friedrich Schiller sobre a peça, na
íntegra.
“Os bandoleiros ... a pintura de uma alma grandiosa e perdida
.. armada com todos os dons para a excelência e com todos os dons ... perdida.
O fogo desenfreado e as más camaradagens deterioraram seu coração, levando-o de
vício a vício até que, por fim, ele se encontrava à cabeça de um bando de
incendiários assassinos. Atrocidades se juntavam a atrocidades, despencava de
abismo em abismo, vivendo todas as profundezas do desespero ... Mas elevado e
venerável, foi grandioso e majestático na desventura e através da desventura
melhorado, trazido de volta à excelência ... Um homem desses haverá de ser
chorado e odiado em Moor, o bandoleiro, amado e detestado.
Franz Moor, um tipo sorrateiro, pérfido e hipócrita ...
desmascarado e dinamitado em sua próprias minas.
O velho Moor, um pai demasiado fraco e concessivo, por
intermédio de seus mimos fundou a perdição e a desgraça de seus filhos.
Em Amália as dores do amor exaltado e as torturas da paixão
dominadora.
Não será sem horror que as pessoas haverão de lançar olhos na
economia interna do vício e reconhecer que nem mesmo as tentativas de dourar a
pílula da sorte, são capazes de matar o verme interno da consciência ... e ver
como o terror, a angústia, o arrependimento e o desespero trabalham pesado às
suas costas, picando-lhe nos calcanhares ... Que o espectador chore hoje ante o
nosso palco ... que trema ... e que aprenda a dominar sua paixões sob o jugo da
religião e do entendimento; que o jovem acompanhe com horror o fim de uma vida
dissoluta e desenfreada; que também o homem não parta sem a lição da peça, ou
seja, de que até o malvado faz uso da mão invisível da cautela como instrumento
de suas intenções e juízos e que até o mais confuso nó do destino pode ser, por
incrível que pareça e para espanto de todos, desatado.”
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário: http://seculodiario.com.br/29340/17/osbandoleiros-de-friedrich-schiller-tempestade-e-impeto-no-teatro
Nenhum comentário:
Postar um comentário