“a ideia de um tubarão como protagonista de uma estória nunca
poderia ter dado tão certo.”
Peter Benchley se
tornou mundialmente famoso ao lançar seu livro Tubarão em 1974, tal obra,
romance, vendeu 20 milhões de exemplares e virou filme pelas mãos de Steven
Spielberg, filme que logo se tornou um blockbuster em 1975, batendo recordes de
bilheteria, e que também teve a participação do escritor Benchley no roteiro.
Benchley, desde
criança, teve um fascínio por tubarões, passou seus verões em Nantucket, uma
ilha no Oceano Atlântico, pois nos anos 1940 e 1950, as águas desta região eram
ricas de tubarões de várias espécies: tubarões-areia, tubarões-azuis,
tubarões-makos e, finalmente, os conhecidos e temíveis tubarões-brancos.
O romance Tubarão, e
depois o filme, representam este fascínio de Benchley por tubarões. Admiração e
temor que também passam por toda a Humanidade. Um animal que vem desde a
pré-história, que passou pela evolução das espécies e que ainda habita o
inconsciente do medo ao mergulho no mar. Benchley, por volta de seus 20 anos,
leu uma matéria num jornal sobre um pescador que havia arpoado um grande
tubarão-branco de mais de duas toneladas na região de Long Island. Tal fato fez
Benchley imaginar se fosse possível um monstro desses chegar num balneário e
numa região de veraneio, e isto se tornou o embrião do que viria a ser o livro
Tubarão.
Benchley coloca esta
estória neste contexto, a vida de verão de um balneário, região de veraneio,
chamada Amity, em Long Island, e o conflito se estabelece logo que há o
primeiro ataque de tubarão na região. Há dois personagens principais que entram
num embate ético, o chefe de polícia Brody, e o prefeito Vaughan. Brody queria
interditar as praias da região logo ao primeiro ataque, e Vaughan queria manter
as aparências, pois sabia que uma notícia como aquela correndo por aí, teria,
como consequência, prejuízo financeiro para a região de Amity. O conflito ético
então se dá entre o dever do alerta no balneário para que não surjam mais
vítimas e o imperativo de manter as coisas funcionando em Amity, sobretudo por
se tratar da temporada de verão na região.
Até este livro de
Benchley, não se tinha muito conhecimento de um romance sobre tubarões, e tal
ideia deste escritor, por insólita, poderia parecer um projeto que não daria
certo, algo que passaria ao largo da literatura reconhecida pelo público, mas
deu certo, e mais, ao fim virou filme blockbuster pelas mãos do diretor Steven
Spielberg. Então, a ideia de um tubarão como protagonista de uma estória nunca
poderia ter dado tão certo.
Tubarão, livro e
filme, evocam o medo e o respeito por um animal mítico e real ao mesmo tempo. O
mito da morte, os dentes triangulares, o comprimento do animal, o monstro
sanguinário, e que tem na imagem da espécie tubarão-branco sua expressão
perfeita e mais poderosa. O mundo selvagem dos mares, tão perigoso como uma
selva africana, mar que também possui seus predadores, e que no maior deles
coloca no topo da cadeia alimentar um bicho que não come carne humana, mas que
se ataca por engano um de nós, teríamos que ter muita sorte para voltar e
contar a história.
Romance de ictiologia,
uma versão literária do fascínio dos tubarões, uma reunião ficcional de algo
que ocorre de fato nos mares. Tubarão consegue juntar algo que vem da mítica
oceânica, algo que poderia ter tudo para ser apenas uma boa estória de ficção,
mas que tem pé na realidade. Mesmo assim, por se tratar de uma obra literária,
as tintas são carregadas, o mesmo ocorre no filme. Tubarão é uma lente de
aumento de um perigo real, e a aparição do tubarão-branco, animal real, não um
objeto de mito ou uma quimera, assusta por ser real, por viver nos mares. O mar
e seus segredos, e a caixa de pandora aberta nesta estória chamada Tubarão, o
grande monstro que nos situa num romance de balneário, e que é, por sinal, uma
obra de terror.
O conhecimento sobre
como se comportam os tubarões, os movimentos dos corpos humanos no balneário de
Amity, os casos que se sucedem, tudo isso dentro de um conflito ético entre o
lucro obtido no verão, tal é a ideia do prefeito Vaughan, e o medo de mais
vítimas pelo chefe de polícia Brody. Não há, para além disso, uma garantia de
quem está com o domínio da situação, na verdade, o fato que controla todo o
enredo é o próprio tubarão, este animal que aparece misteriosamente tanto no
livro de Benchley como no filme de Spielberg.
Benchley disse que
não se interessava apenas por contar uma história de terror de uma nota só,
isto é, um tubarão que come gente. Benchley decidiu se concentrar na questão do
que realmente aconteceria se um predador gigantesco fechasse o cerco sobre um
balneário. Benchley se orgulhava de saber mais sobre tubarões do que a maioria
das pessoas, pois isto representava uma lenda, mas que, contudo, tinha base na
vida real, a grande cadeia de espécies que vivia nos mares, e que possuía na
imagem aterrorizante do tubarão sua perfeita tradução. O mar, já perigoso por
suas próprias águas agitadas, também tinha um habitante poderoso, o tubarão, e
sua versão mais perigosa, o tubarão-branco, herança dos gigantes pré-históricos
que um dia viveram na Terra, ou melhor, neste caso, nos mares.
Cada episódio ocorrido
no livro realmente aconteceu, pois os resultados demonstrados no livro de
ataques de tubarão havia, por conseguinte, um conteúdo real por trás. E este é
o grande lance do livro e do filme, Tubarão se coloca, a princípio, como uma
mera estória de terror, só que, diferente dos monstros imaginários da maioria
das estórias desta temática, nos apresenta um animal real, ou seja, Tubarão
mexe com medos reais, com algo que mistura a lenda do mar com a verdadeira
sensação de um ataque real de tubarão. Este animal existe, e os casos de corpos
humanos estraçalhados por este bicho também. Portanto, não se trata de um
terror imaginário, de uma fantasia, é a pura realidade, com o aumento dramático
pela pena do escritor e pela direção de um filme.
E neste conflito
entre Brody e o prefeito Vaughan, o único que não tinha dilemas éticos além da
caça era o tubarão-branco. Portanto, em Tubarão, enquanto os homens se
digladiavam pela administração de Amity, um animal, na amoralidade de seus propósitos,
apenas vivia sua vida biológica, certamente inconsciente do que provocava, pois
para o tubarão-branco, a vida consistia em detectar corpos agitados na água e
dar mordidas para ver se a carne era boa. No caso dos humanos, o tubarão-branco
mal sabia que tinha tanto impacto na vida em sociedade de um balneário de
verão.
Benchley não previu
o sucesso de seu romance Tubarão, mas sua ideia foi acertada, desde O Velho e o
Mar, até Tubarão, desde Mil Léguas Submarinas, até, novamente, Tubarão, agora a
história dos mares e de seus predadores ganhava contornos de um sucesso enorme.
Spielberg explorou tal mote e se deu bem, Benchley também. Tubarão foi um marco
do cinema hollywoodiano, tudo isto nascido de um interesse diletante de um
escritor que, ao invés de contar qualquer estória, se embrenhou nesta vida
selvagem, o tubarão-branco nunca deu tanto o que falar. Benchley e Spielberg
acertaram em cheio, e o mito do tubarão-branco, baseado em fatos reais, virou
peça de arte, isto é, filme e livro, sucesso na década de 1970.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário:http://seculodiario.com.br/22977/14/tubarao-1
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