“no ressurgimento do shoegaze, este se deu sobretudo com o
retorno oficial do My Bloody Valentine”
O shoegaze é um estilo de rock que surge do meio para o fim
da década de 1980, inicialmente como um fenômeno britânico, com bandas
praticando uma música que combinava uma muralha sonora e distorcida (que tem
origem no produtor Phil Spector), em uma música altíssima, com vocais etéreos e
suaves, fazendo um som sem o fundo esquemático habitual de refrãos e solos,
como um barulho contínuo que vem de bandas pioneiras como a The Jesus and Mary
Chain, a primeira fase do Sonic Youth e muito do que fazia o Cocteau Twins, e com
origem mais remota no caos sonoro do The Velvet Underground.
Podemos dizer que no shoegaze a parte suave e a melodia vinham
dos Cocteau Twins, e a parte do “wall of sound” (muro de som) tinha inspiração
no álbum Psychocandy do The Jesus and Mary Chain. Também podemos situar outra
influência para o estilo que foi a banda de space rock alternativo, a Spacemen
3, banda que daria origem, depois, ao bem-sucedido Spiritualized.
O shoegaze teve então seu ápice no início dos anos 1990, e um
de seus marcos pode ser o lançamento da música “Isn't Anything" do My
Bloody Valentine, em 1988, desta que viria a ser a maior banda do gênero
shoegaze, marco inicial que também pode estar no som hipnótico que já praticava
a banda Loop.
O nome do gênero shoegaze, por sua vez, vem da postura dos
músicos destas bandas no palco, como figuras tímidas ou alheias ao burburinho
comum dos shows de rock, sem interagir com o público, olhando para baixo, ou
melhor, para os próprios sapatos, daí o termo em inglês para definir o estilo
musical, isto é, não pelo som, mas pela figura que fazia os músicos destas
bandas no palco ao vivo.
Das bandas que surgiram no gênero shoegaze, temos, além da
icônica My Bloody Valentine, bandas como Lush, com destaque para seu segundo
álbum, o Split, de 1994, a banda Slowdive, que depois de seu debut, Just For a
Day, de 1991, se destacou com o Souvlaki, de 1993, seguindo a linha do debut,
com a junção dos climas do dream pop e da sujeira psicodélica do shoegaze, como
um álbum que levava adiante o ápice da experiência shoegaze que foi o álbum
Loveless, de 1991, do My Bloody Valentine, este que é considerado a maior obra
do gênero shoegaze. O álbum Souvlaki, do Slowdive, que, por sua vez, contou com
a colaboração do mestre da música ambient e produtor de renome, Brian Eno.
O Chapterhouse, por sua vez, outra banda shoegaze, se destaca
com seu debut de 1991, o Whirlpool, banda esta que ainda lançaria o bom álbum
de 1993, o Blood Music, para depois ser dissolvido. O Ride, por sua vez, tem
seu debut em 1990, o Nowhere, álbum que deu início ao movimento que daria no
Loveless de 1991 do My Bloody Valentine, e também de trabalhos de outros grupos
que se desenvolveriam na década de 1990.
Nowhere que era também um álbum que bebia na fonte dos primeiros
anos do Sonic Youth, bem como de outras bandas da cena de Nova Iorque, banda
Ride que também se destaca com seu segundo álbum de 1992, o Going Blank Again.
Temos também bandas como a Medicine, grupo norte-americano que criou os
parâmetros do shoegaze nos Estados Unidos, que tem o debut Shot Forth Self
Living, de 1992, e que se consolida com seu segundo álbum, o The Buried Life, de
1993.
E temos também bandas que começaram suas carreiras sob a
influência e fazendo o som shoegaze, para depois seguirem outro caminho, que
são bandas como a Lilys, que bebeu na fonte do My Bloody Valentine em seu
debut, o In The Presence of Nothing, depois indo para o dream pop, e também o
começo da banda psicodélica Brian Jonestown Massacre. E ainda podem ser citadas
bandas como o Catherine Wheel, que lançou o álbum Ferment de 1992, o
Swervedriver, com o álbum Mezcal Head de 1993, o Curve, com o álbum
Doppelgänger de 1992, e por fim, também podemos citar bandas como The Verve,
Moose, The Radio Dept. e The Boo Radleys.
A decadência do shoegaze, no entanto, ainda ocorreu neste
mesmo meio da década de 1990, pois tudo seria transformado pela explosão
grunge, que teve como primeiro brilho o álbum Facelift de 1990, da banda Alice
In Chains, e que veria o estrelato mundial com o estouro da música “Smells Like
Teen Spirit” e o álbum Nevermind de 1991 do Nirvana, e depois viria a onda
inglesa do brit-pop, com destaque para a disputa entre o Oasis e o Blur.
O My Bloody Valentine entra num hiato a partir de 1995, o
Slowdive tem prejuízos numa autofinanciada turnê norte-americana, país que
abrigou, além do Medicine, somente a banda Galaxie 500, como nomeadamente banda
shoegaze, sendo este sempre um estilo discreto, fora do mainstream, e de cara
britânica mais do que outra coisa.
E temos também, nesta queda do shoegaze, o fato curioso de
que em 1993 é o ano em que foi lançado o último sopro do shoegaze nos anos
1990, o Souvlaki do Slowdive, coincidindo com o debut da banda Suede
auto-intitulado, este já transformando o cenário musical britânico em direção à
eclosão do brit-pop, eclipsando de vez o shoegaze, com bandas como o Ride indo
até 1996, quando acaba, o Slowdive dando origem ao Mojave 3, o Lush durando até
1998, e o The Verve, banda do último ciclo do shoegaze, que viria a criar um
dos hinos do brit-pop, a música “Bittersweet Symphony”, como uma sobrevivente
do movimento, abraçando o outro movimento que surgia.
O shoegaze, mesmo com toda a sua discrição no cenário da
música, nunca foi do mainstream, não deixou de ser influência para bandas que
surgiriam depois do eclipse do movimento, com bandas que viriam a constituir o
que seria chamado de post-rock, no fim do século XX, como os Islandeses do Sigur
Rós, o Mogway, o Mono e o Explosions In The Sky, e, de outro lado, os M83, da
França, que dariam uma versão mais eletrônica a partir desta influência.
Tendo o shoegaze também influenciado bandas como os Smashing
Pumpkins, o The Cure, como no álbum Wish de 1992, e o pós-grunge do Bush, do
Garbage e do Deftones, e o U2 do álbum Zooropa de 1993. E temos também hoje
bandas como a Beach House, que está situada no dream pop, mas que pode evocar o
clima shoegaze mais refinado e menos sujo, na versão vocal suave. E temos
também o que pode ser chamado de “newgaze”, como a banda Asobi Seksu, que fica
entre My Bloody Valentine, Cocteau Twins e o J-Pop.
Em 2014, por sua vez, temos o lançamento do documentário
norte-americano Beautiful Noise, que retrata a história do shoegaze, a partir
das histórias de bandas como Cocteau Twins, The Jesus and Mary Chain, My Bloody
Valentine, Ride, Chapterhouse, Curve, dentre outras. Um som que tem origem em
experimentações que já eram feitas, de outro modo, por bandas das décadas de
1960 e 1970, como os 13th Floor Elevators, Pink Floyd, Blue Cheer, Country Joe
and the Fish, The Creation, Music Machine, o já citado The Velvet Underground e
até o pré-punk Stooges, e também Jimi Hendrix e até mesmo a fase psicodélica
dos The Beatles.
No Brasil, por sua vez, a influência do shoegaze se deu em
bandas como a de São Paulo, dos anos 1990, a Pin Ups, com fontes em The Jesus
and Mary Chain, Telescopes e Loop, além de The Stooges, e a Second Come, do Rio
de Janeiro, juntando o som sujo shoegaze, com Black Sabbath, também The
Stooges, e temos também uma banda de Piracicaba, que parte de Sonic Youth e tem
um lado grunge, que é a Killing Chainsaw, além do shoegaze também influenciar
muito do que está sendo feito atualmente aqui no Brasil como lá fora.
E falando na volta ou no ressurgimento do shoegaze, este se
deu sobretudo com o retorno oficial do My Bloody Valentine com o novo álbum
lançado em 2013, o profundo, sonoro e climático, MBV, com um som ainda mais
cascudo em comparação com as suas origens, e temos também o álbum novo do
Slowdive em 2017, este homônimo, e também, ainda mais, a volta do Ride, do Swervedriver
e a nova excursão do The Jesus and Mary Chain com a execução do Psychocandy.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário : http://seculodiario.com.br/36867/14/a-volta-do-shoegaze
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