“O QAnon inaugura um método contemporâneo de teorias da conspiração”
O QAnon se funda na teoria da conspiração baseada numa
narrativa em que o ex-presidente norte-americano, Donald Trump, herói deste
movimento, estaria travando uma guerra oculta envolvendo o combate de redes de
pedofilia, com adoradores de Satanás.
Parte do alto escalão do governo democrata, da imprensa,
empresas e artistas de Hollywood. Os ativistas do QAnon se consideram como
amantes dos Estados Unidos e encarregados de salvar o país do mal oculto
representado pelos democratas e pela esquerda.
O QAnon opera com o vaticínio de que terá um ajuste de contas
um dia, isto é, líderes democratas, como Hillary Clinton, serão presos e
executados, e existe mais uma miríade de listas e teorias entre os adeptos do
movimento que, muitas vezes, existem teses contraditórias entre si.
Entre os adeptos do QAnon temos, na produção de suas teorias
da conspiração, apelos à numerologia, fatos históricos distorcidos, eventos de
notícias que são subsumidas por fake news e demais mistificações que formam a
gororoba de mentiras e boatos, e demais prestidigitações para idiotas que
formam o movimento do QAnon. As ilações malucas e rebuscadas são o sumo deste
movimento de imbecis.
A origem do QAnon, no que hoje se forma como um mistifório de
mistificações, tem base num fenômeno específico que se deu na rede social 4chan
que, atualmente, está povoada por perdedores, os chamados incels e red pills,
dentre outros seres frustrados e equivocados, indo até terroristas e psicopatas
perigosos.
Foi, portanto, no 4chan que tudo começou para o QAnon. Isso
se deu quando um usuário anônimo desta rede assinou como “Q”, em outubro de
2017, afirmando que tinha um nível de segurança dos Estados Unidos conhecido
como “autorização Q”.
Em seguida, por sua vez, as mensagens deste usuário anônimo
ficaram conhecidas como “Q drops” ou “breadcrumbs”, que eram posts de teor
enigmático, com slogans pró-Trump, além de temas e promessas ligadas à figura
do ex-presidente dos Estados Unidos.
As teorias propagadas por este usuário “Q” logo ganhou
adeptos. Como efeito, por sua vez, o tráfego sobre os temas levantados a partir
deste usuário “Q” se espalharam por redes sociais como Reddit, Youtube, Twitter
e Facebook, viralizando e tendo a sua explosão a partir de 2017, com uma
expansão ainda maior durante a pandemia do coronavírus.
Pouco antes de surgir o QAnon, já tivemos o chamado
“Pizzagate” em 2016, durante as eleições norte-americanas, e foi quando se deu,
primeiramente, a tese conspiratória sobre uma rede de pedofilia do Partido
Democrata. O fato do Pizzagate se vincula a uma pizzaria de Washington chamada
Ping Pong, em que alguns acreditavam, segundo boatos, haver abusos e rituais
satânicos.
Um homem invadiu esta pizzaria com uma escopeta e atacou o
local a fim de desmascarar estes supostos abusos e rituais. A invasão da
pizzaria não teve mortos e nem feridos, mas o homem que atacou esta, que tinha
28 anos, foi condenado a quatro anos de prisão. O invasor da pizzaria se
entregou depois de constatar que não havia nada no local além de farinha,
tomates e mussarela.
Uma das consequências da expansão das teorias da conspiração
do QAnon, por sua vez, foi a de que em diversas redes sociais e pela internet
houve a reação de grandes empresas de mídia social no sentido de derrubar
vídeos e postagens do movimento com o endurecimento de regras sobre conteúdos
ligados a estes adeptos, o chamado conteúdo QAnon.
Contudo, ainda que haja um combate firme contra o QAnon
dentro das redes sociais e na internet, temos milhões de adeptos e crentes de
suas teorias malucas. A popularidade do QAnon não foi abalada, mesmo com
alertas e desmascaramentos sistemáticos.
Uma das teorias propagadas pelo QAnon, por sua vez, se baseou
numa investigação sobre a interferência russa nas eleições norte-americanas de
2016, encampada pelo procurador especial Robert Mueller, o que o movimento
alegava que a investigação era, na verdade, um acobertamento de uma
investigação sobre pedofilia.
Com o fim das investigações, sem nenhum escândalo revelado, o
foco do QAnon mudou, impulsionando hashtags e coordenando ataques contra
inimigos, entre políticos, celebridades e jornalistas, que o movimento QAnon
acredita ser um grupo de pessoas que acobertam redes de pedofilia.
O efeito, além das ameaças online, são atos também no mundo
offline, o mundo real. Logo alguns adeptos do QAnon começaram a ser presos. Em
2018, por exemplo, um homem bloqueou uma ponte sobre a Represa Hoover. Matthew
Wright se declarou culpado de acusação de terrorismo. E o movimento foi
ganhando feições de crimes reais, para além dos crimes virtuais.
O QAnon é uma fusão da letra Q com a palavra “anônimo”, em
inglês, e Q é tomado por um pseudônimo ou codinome do profeta secreto deste
movimento, que os adeptos do movimento supõe ter feito parte do núcleo do
governo feito pelo ex-presidente Donald Trump.
Com mensagens enigmáticas, este usuário Q deu azo a diversas
interpretações tanto enviesadas como delirantes para formar a grande gororoba
conspiratória que deu projeção ao QAnon. A partir de slogans em inglês como
“WWG1WGA! (Para onde vamos, vamos todos), a popularidade do QAnon virou uma
realidade.
Dentre
as teorias da conspiração que circulam no QAnon estão as de que, por exemplo,
John Kennedy está vivo, que os Rothschild dominam o mundo das finanças globais,
a loja de móveis WayFair vende crianças em seu site.
Kim
Jong-un, presidente da Coreia do Norte, por sua vez, deu lugar a um dublê, pois
tinha sido colocado no posto pela CIA e liberado em 2018 por Donald Trump, que
então mandou colocar este dublê. O QAnon defende ainda que atualmente vivemos a
época do Grande Despertar, a véspera do que será a Tempestade em que Trump irá
prender os vilões democratas do Estado Profundo em Guantánamo.
O
QAnon inaugura um método contemporâneo de teorias da conspiração. Pois, quando
falamos das versões clássicas de teorias da conspiração, estamos nos referindo
a narrativas que tentam explicar algo que parte de algo ligado à realidade das
notícias, tais como o assassinato de John Kennedy ou a ida do homem à Lua.
O
QAnon, por sua vez, não demonstra qualquer preocupação em fundamentar suas
teorias da conspiração, as tirando do nada, aleatoriamente, num modus operandi
mais perverso do que eram as teorias clássicas, no que é chamado agora de Novo
Conspiracionismo.
Ramón
Nogueras, que escreveu o livro “Por Qué Creemos en Mierdas?”, ainda inédito no
Brasil, é um psicólogo que tematiza sobre as teorias da conspiração, levantando
a tese de que a falta de referências e um empobrecimento da experiência com a
realidade abre caminho para as fantasias representadas pelas teorias da
conspiração, pois estas podem oferecer um horizonte aparentemente firme no meio
de um ambiente niilista.
Num
cenário em que certezas são constantemente abaladas, as teorias da conspiração
ganham terreno como referências em que seus adeptos se sentem especiais,
detentores de informações privilegiadas e com a sensação de que a maioria está
sendo manipulada por grandes organizações do mal.
Outro
ponto que favorece o crescimento em popularidade de tais teorias da conspiração
se deve ao que chamamos de infodemia, que é o excesso de informações
circulantes, dificultando o discernimento entre o que é confiável e verificável
e o que é manipulado e falso.
Ou
seja, o maior acesso à informação, ao invés de nos dar melhores instrumentos
para filtrá-las, provoca o seu oposto, e a responsabilidade de filtro pelas
plataformas digitais se torna cada vez maior e com demandas de
instrumentalização cada vez mais sofisticadas, sobretudo com a chegada, agora,
da inteligência artificial no cenário tecnológico e no mundo real online e
offline.
Gustavo
Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário : QAnon - final - Século Diário (seculodiario.com.br)
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