"Não temos como regular a internet de forma rígida”
A questão da pirataria digital, se é que se trata tão somente
de pirataria, ganhou corpo e ficou na ordem do dia quando se estabeleceu a
tentativa polêmica do Congresso dos EUA de coibir tais práticas com dois
projetos de lei anti-pirataria chamados pelos acrônimos SOPA e PIPA.
O SOPA (Stop Online Piracy Act) com tradução livre por “Pare
com a pirataria on-line” e o PIPA (Protect IP Act) que é o ato para proteção da
propriedade intelectual, acabaram sendo arquivados pelo Congresso americano, o
que se deveu às manifestações ou interrupções de serviços de sites importantes
como Google e Wikipedia (este que ficara 24 horas fora do ar), e após protestos
de centenas de sites, sendo então decidido por alguns parlamentares a retirada
de apoio a essas propostas.
O SOPA é um projeto de lei com regras mais rígidas contra a
pirataria digital nos EUA. Ele prevê o bloqueio no país, por meio de sites de
busca, por exemplo, a determinado site acusado de infringir direitos autorais.
Logo após o SOPA, o fundador do Megaupload, Kim “Dotcom” Schmitz, foi preso em
sua mansão na Nova Zelândia, e o site foi fechado pelo FBI. Logo, outros sites
similares também fecharam as portas ou excluíram arquivos que pudessem
infringir direitos autorais. E o pior, algumas pessoas foram presas por
download ilegal.
Outro projeto mais ambicioso, o ACTA (Anti-Counterfeiting
Trade Agreement), acordo internacional que promete limitar a internet, quer
implementar propostas semelhantes às do SOPA e PIPA no mundo inteiro, e alguns
países já aderiram a este projeto. O foco do ACTA não é só a internet e a
pirataria digital, pois cobre também a pirataria física, e estipula regras
duras sobre direitos autorais.
Aqui no Brasil temos a APCM (Associação Antipirataria de
Cinema e Música), criada em meados de 2007, que foi responsável pelo fechamento
da maior comunidade de compartilhamento de músicas do extinto Orkut, a
Discografias, comunidade esta que representou uma "era de ouro" de
downloads e uploads, da qual eu tive o prazer de participar. Outras comunidades
foram criadas após este ataque da APCM, mas nunca com o sucesso da finada
Discografias, restando agora o Google como fonte de links para downloads.
Bom, voltando ao SOPA, a proposta era ter penas de 5 anos de
prisão para os condenados por compartilhar conteúdo pirata por 10 ou mais vezes
ao longo de 6 meses. Sites como Google e Facebook, por exemplo, também poderiam
ser punidos pela acusação de “permitir ou facilitar” a pirataria. Ferramentas
de busca como o Google teriam que remover dos resultados das pesquisas
endereços que compartilhem conteúdo pirata. O SOPA tinha apoio de emissoras de
TV, gravadoras de músicas, estúdios de cinema e editoras de livros, como, por
exemplo, Disney, Universal, Paramount, Sony e Warner Bros.
Contra o projeto estavam empresas de tecnologia como Google,
Facebook, Wikipedia, Craiglist, WordPress, entre outros. Estes eram contra os
projetos de lei SOPA e PIPA, alegando que, caso aprovados, eles teriam menos
liberdade da internet e dariam poderes excessivos para quem quisesse tirar
endereços do ar, prejudicando o funcionamento da web em todo o mundo.
Por fim, a Casa Branca também se manifestou contra os
projetos, afirmando que eles podem atentar contra a liberdade de expressão na
internet. A Casa Branca afirmou em mensagem publicada em seu blog que “os projetos
de lei reduzem a liberdade de expressão, ampliam os riscos de segurança na
computação ou solapam o dinamismo e inovação da internet global”.
O fato é que desde que surgiram os programas P2P (ponto a
ponto, computador a computador) como Napster, AudioGalaxy, Soulseek, eMule e os
arquivos Torrent, que facilitavam a troca de arquivos de músicas e filmes, além
dos sites em que você podia tanto armazenar conteúdo quanto fazer download,
como o extinto Megaupload, além de Fileserve, 4shared, Rapidshare, Filesonic,
Mediafire, dentre outros, começou esta briga entre grandes corporações ou
empresas, e esta nova forma de compartilhamento de conteúdo que, diziam,
infringiam regras de direitos autorais.
Mas, numa perspectiva histórica, esta briga se parece muito
de quando surgiram os hoje obsoletos VHS (que poderia ameaçar a indústria do
cinema, diziam) e as famigeradas fitas cassete (que, por sua vez, poderiam
ameaçar a indústria da música). E hoje é uma repetição dos mesmos problemas e
dilemas que, na verdade, não são verdadeiros. Uma vez que é a indústria
cinematográfica ou fonográfica que têm que se adaptar aos novos tempos, pois,
assim como o VHS ou as fitas cassetes não destruíram a indústria da música ou
do cinema, também não acredito que o MP3 e os arquivos gratuitos de filmes vão
ameaçar tais indústrias. Sendo uma saída alternativa para o dilema os serviços
de streaming, que garantem alguns direitos ao autor.
Novas soluções aparecem para resolver esta briga entre a
indústria cultural corporativa e a propagação de arquivos gratuitos na
internet, que são os downloads pagos e o arquivamento em nuvem, além do
streaming como citei. Vejo aqui novas modalidades que estão adaptadas ao mundo
contemporâneo e que podem conviver, sem muita dificuldade, com a indústria cultural
tradicional.
Não temos como regular a internet de forma rígida, mas sim
colocar marcos mínimos de regulação que equilibrem a relação de forças entre
tradição e inovação, direitos autorais e liberdade, pois não há como ter um
controle absoluto sobre a internet, já que, ao invés de combatermos
ingloriamente os downloads, deveríamos sim, combater o verdadeiro problema
desta anarquia dentro da internet, que são os sites de pedofilia, neonazistas
ou de conteúdo racista ou preconceituoso, aí sim teremos um mundo civilizado de
fato e teremos a chance de ver também, não um marco regulatório rígido sobre a
internet, mas antes de tudo um marco civilizatório da internet para o mundo
real e físico.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Link da Século Diário : http://seculodiario.com.br/38190/14/sobre-downloads-ma-internet
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