PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

SOBRE MENTIRA E POLÍTICA


Por que as pessoas mentem? Para quê as pessoas mentem? O que significa uma pessoa mitomaníaca? E não adianta ser hipócrita e mentir que nunca mentiu! Seria um paradoxo trágico, tal como o clássico “Epimênides, o cretense, diz que todos os cretenses são mentirosos.”

E o contrário, quando um diz só a verdade, devemos acreditar? Ora, a propaganda pode trabalhar só com a verdade e passar uma mensagem mentirosa, tal como a filosofia nazista de Goebbels da repetição de uma mentira à exaustão até que tal mentira se torne uma verdade, não é perigoso isso?

O contrário, dizer a verdade para afirmar uma mentira também tem sua eficácia e é terrível quando não sabemos realizar a distinção cartesiana de separar o verdadeiro do falso. Mais terrível ainda é quando a mentira vem sob a forma indecente da dissimulação. A dissimulação é um fingimento que tem eficácia para seus fins, ou seja, a mentira mais eficaz é aquela que vem junto com a dissimulação. Pois a dissimulação é um disfarce da hipocrisia que tem uma má intenção visando somente o benefício próprio ou um meio de evitar constrangimentos que a mentira da dissimulação oculta.

Portanto, temos dois tipos principais de mentira, a mentira do dissimulado e a mentira do mitomaníaco, a primeira com má intenção e a segunda constituindo uma patologia. Quando falo da diferença do dissimulado e do mitomaníaco, falo que o dissimulado é um psicopata e o mitomaníaco um psicótico. A diferença é que o dissimulado mente com má intenção e que o mitomaníaco mente por impulso fantasista, o dissimulado mente para obter vantagens e o mitomaníaco mente para preencher seu vazio existencial. Ou seja, a mentira do dissimulado possui uma maldade pragmática que o mitomaníaco desconhece, o mitomaníaco mente mal e o dissimulado mente bem, o mitomaníaco é ó único que acredita na própria mentira, portanto, ele não mente deliberadamente, mas de forma inocente e inconsciente, enquanto que o dissimulado mente de forma persuasiva, já que todo psicopata é inteligente e consegue ludibriar as melhores cabeças, o dissimulado é um psicopata perigoso, ao passo que o mitomaníaco é objeto de compaixão por viver iludido, o dissimulado ilude os outros, o mitomaníaco ilude a si mesmo.

Mas, voltando à pergunta inicial: Por que as pessoas mentem? Para quê as pessoas mentem? Muitos mentem para fugir da dor, outros mentem para impressionar, nem todos são, então, dissimulados ou mitomaníacos, existem muitos que mentem que não são nem uma coisa e nem outra, essas duas categorias principais de mentirosos são apenas as mais evidentes. “O buraco é mais embaixo”.

Muitos dizem: Os políticos mentem! Ora, mas o fato é que todo mundo sem exceção já mentiu, é tipo o cara falando da sua primeira vez na cama, todo homem na sua primeira vez é um furor, já viu? Enfim, mentiras e boatos, o boato é uma mentira pública. E agora? O boato é a forma política da mentira, a mentira pública do boato pulula em épocas de eleição, é o fulano pego de calças curtas, é o desmentido do direito de resposta, e quem está com a verdade? Quem é honesto nesse jogo todo? Vamos pedir piedade dessa gente careta e covarde?

O conluio da política com a mentira e com a sua forma popular do boato impera na mídia, o vermelho diz que o azul é pilantra e vice-versa, pergunta-se: A favor de quem? Para beneficiar quem? Voltando agora novamente às duas categorias: O boato é objeto da dissimulação, a mitomania não tem eficácia persuasiva, a mentira do político é a mentira do dissimulado, a política é um meio de gente digna entre alguns ou muitos psicopatas, tenham cuidado ao votar, o sistema é foda e não perdoa!



Gustavo Bastos 24/10/2010 (Pensamentos Livres)

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Sobre o novo álbum do Alice In Chains


A NEW BEGINNING




O novo álbum do Alice In Chains (Black Gives Way To Blue) é o primeiro da banda sem o grande vocalista Layne Staley, lembrando que a sua voz era a marca registrada das músicas da banda, salvo algumas exceções com o guitarrista Jerry Cantrell nos vocais (lembrando que o guitarrista é o cérebro da banda, o principal compositor, que até então dividia as letras com Layne).

Bom, Layne Staley morreu de overdose de heroína e cocaína em abril de 2002, e sua voz faz muita falta tanto para o Alice In Chains como para o rock como um todo, sua voz, vale dizer, é incomparável, na minha opinião ele foi o melhor vocalista da era efêmera do grunge. Mas, já que os mortos não voltam, a banda se desmantelou durante os anos posteriores à morte de Layne.

Só que nos dias atuais tem uma “modinha” de renascimento de bandas mortas, e isso é visto com muita desconfiança por alguns e com entusiasmo por outros. Sinceramente, quando anunciaram a volta do Alice In Chains com um novo vocalista, minha primeira atitude foi torcer o nariz, eu dizia: “É uma piada de mau gosto.” Porém, quando o novo álbum foi lançado no ano passado (2009) a curiosidade falou mais alto e então eu decidi baixar um MP3 do álbum para ouvir, e as músicas me agradaram.

Então, embora o vocal do Layne seja insuperável, nós temos ainda o Jerry Cantrell, a grande cabeça por trás do Alice In Chains, e é preciso dar um crédito a ele por tudo o que ele já fez pelo rock.

A formação do Alice conta agora com William DuVall nos vocais, cujo timbre de voz é muito parecido com o de Layne Staley, mas para por aí, são duas coisas diferentes, e a maioria das composições do novo álbum são de Jerry Cantrell, entretanto podemos afirmar sem medo de errar que se trata de um verdadeiro álbum do Alice In Chains, mesmo sem o Layne, o que eu achava impossível, mas como fã da banda eu decidi não ser conservador ou uma “viúva” do Layne, precisamos ter desprendimento e ouvidos abertos em matéria de música.

Os destaques do álbum são os petardos “Check My Brain” e “A Looking In View”, mais a balada “Your Decision”, com direito ao piano de Elton John na última música do álbum que dá o nome ao mesmo “Black Gives Way To Blue”. É só ouvir e conferir, sem preconceito e sem chorar pela morte de Layne Staley.

SOBRE O NOVO ÁLBUM DE JIMI HENDRIX “VALLEYS OF NEPTUNE”


Posso dizer que sou um grande fã de Jimi Hendrix, e sempre fui fascinado pelo seu som vibrante e repleto de alucinações sonoras de pedal wah-wah e de efeitos que só o nosso mestre foi capaz de realizar magistralmente com uma guitarra elétrica.

Neste ano de 2010 fomos brindados com mais um lançamento do espólio deste gênio incomparável chamado “Valleys Of Neptune”. Quando fiquei sabendo de tal lançamento, fui correndo para uma loja de CDs para comprá-lo, mesmo sem tê-lo ouvido antes, já que em se tratando do maior guitarrista de todos os tempos, e sendo tal lançamento oficial (da Experience Hendrix, que é administrada pela irmã de Hendrix), apostei cegamente no álbum, comprei e fui escutá-lo morrendo de curiosidade.

Depois de lançamentos dos 3 LPs de quando ele era vivo remasterizados (Are You Experienced? + Axis: Bold As Love + Electric Ladyland), além dos póstumos (Live At Woodstock, este duplo, First Rays Of The New Rising Sun + South Saturn Delta + Band Of Gypsys) veio este “Valleys Of Neptune”. Posso dizer que ao ouvi-lo pude ver que ele veio com três músicas que eu ainda não conhecia do repertório inesgotável do grande guitarrista, são elas: a segunda do álbum chamada “Valleys Of Neptune” que dá o nome do álbum (Gostei muito dessa música, e tem agora o novo clipe dela rodando por aí), e as duas últimas chamadas respectivamente “Lullaby For The Summer” e “Crying Blue Rain” (Também legais, mas não diria extraordinárias, Valleys Of Neptune é melhor).

Seguindo a minha audição do álbum me deparo com versões que eu diria serem secundárias de suas versões mais conhecidas tais como “Stone Free” e “Fire”, e ainda temos uma versão do blues mais clássico de Hendrix “Red House” que eu diria não ser nenhuma novidade. Então, vem ainda a grande “Hear My Train A Comin” (gostei, mas também não soa como novidade), a quinta com o título de “Mr.Bad Luck”, que não é nada mais que uma versão pior da grande “Look Over Yonder” do álbum “South Saturn Delta”, que é seguida por nada mais que a clássica do Cream “Sunshine Of Your Love” em alto e bom som, versão alongada de uma música que já está em meu DNA rockeiro.

Por fim, tenho como os grandes destaques deste álbum “Valleys Of Neptune” e “Hear My Train A Comin”, é só conferir e ver que eu não minto.



Gustavo Bastos

terça-feira, 16 de novembro de 2010

BLOWING (QUANDO CAI A CHUVA)


Quando chove o meu amor desmaia,

quando chove na minha nuca

e a água toma a minha cabeça

no mergulho das horas.

Horas passadas ao relento,

musgo do chão e a ponte

para as estrelas do infinito.



Quando chove na mão do tempo,

quando chove o frio sedento,

quando cai o tempo no seu socorro

de pontas e devaneios,

quando o chão se abre no vulcão,

quando as nuvens

se perdem no nada,

e o tempo dobra o espaço

quão longíquo o meu segredo,

têmporas e a tonitruante tempestade

que morde a lâmina

que corta o meu coração na selva.



O meu amor desfalece

qual brilho púrpuro

no sal e na areia,

no sol que vem depois

do aguaçeiro

em que chorava

a minha paixão,

torrente de amorosa liberdade.



06/12/2008 Gustavo Bastos

DIATRIBE



Seu momento veste negro, tal efeito mórbido que me desejava. Atacar a obra maldita dos encarnados, decretar a fúria do karma de ser Homem. O teatro que me permeia é o canto dramático dos salteadores, uma repentina reunião de marginais, entre as multidões possuídas pelo demônio do trabalho. É muito natural jogar a mocidade na arena, que brigas mais memoráveis! Santo é declarado o poeta-abismo. Sempre antro de desonras, em seu féretro cor de sangue. Profeta do extraordinário, o verso Amor inunda a morte.

O vinho poderia trazer Baco ou a prece dos que dançam pelas ruas, certamente uma revolta. Nas garras do fel estou entre a dor e a paixão. Me vence o traidor que se matou, uma filosofia sem tamanho tomará os espíritos, estupros coletivos. Era um bruto que se dizia fiel ao que é virtuoso, e que mentia na febre de um cínico depravado.

Estou em luta, diatribe que rasga o tempo, que dizer dos filhos desgarrados? Terão uma noite bem longa até aceitarem a luz. Não obedeço aos que se calam, sou mesmo alma sem rumo, procurando cinzas de inimigos. Pelos flancos em que as vagas caíam, uma sonata prometia dons eternos. Estava então o pedinte nas cortesias de mãos apressadas, um ódio em sua fisionomia, trazia o peso do amargor.

O público quer ver a polêmica, quem provoca os ânimos. Vamos ver uma catedral em que os anjos dormem. Mas quem me feriu de morte? O silêncio da hipocrisia fala em moralismo, vou mostrar o que é fatal. Um destino universal de gritos e demência. Que diziam os vultos? Eles eram o oráculo que me viram possuído pelo Mal, um maldoso ser de escárnio num túmulo grosseiro.

Eram muitos os que mentiam, logo os parasitas se multiplicaram, não aguento tal miséria. Os fantasmas sumiram de vez, me sinto liberto das maldições que me rogaram. Um criminoso se fartou até se ver morto. Logo a loucura tirou a sua máscara e atirou.

Breve memória dos sonhadores que vivem vanglórias, eram pássaros sem asas e que voavam mesmo assim. Flores em tua vida, ó piedade! Vou lembrar do teu socorro. Que dizer? Quero os rituais de feitiço, sou um bruxo soturno. Em tais sangrias se faziam os homens e hoje o sacrifício é de poetas bêbados! Em coração tão puro não pode haver injustiça, o sábio que me guiava me disse: “Não caminhe como um humilde, seja o mestre da tua vida.” Não guardava em mim tal ímpeto, o que me dominava era o inferno delirante, via os carrascos com suas línguas profanas.

O beijo da volúpia me tomava, estava desgraçado. Quando o inverno chegou, começou o frio da pele morta, navegavam os zumbis do meu sono acordado, era um vulto. Me digam? Serei o Fausto? Minhas magias ainda não me livraram do dilema, ser a Eternidade ou o nada. Ser o pêndulo que leva aos confins dos antepassados. Bem nas fronteiras do que é real e delírio, onde se fez a oferta. Minha alma vira um cálice, meu sangue continua vivo. Se afastaram os rumores, a sorte mostrou os caminhos, ser então um verso trágico.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

O CERTO


As coisas idas, já se foram
com o tempo que mudou.
O apreço pelas pessoas queridas
é sem preço,
um prazer imenso.

O amor, muitas vezes escondido,
é aberto à felicidade
de encontrar
sempre uma boa conversa,
e o vento que bate em volta
nos apraz.

Talvez o certo, ao se amar
amigos e família,
seja a paciência de não se importar
com o que possa estar errado,
de erros se faz a vida,
o que é certo é consertar,
e não olhar para a escuridão,
é preciso ver luz em cada olhar.

15/11/2010 Poemas de Amor e Outros Verões
(Gustavo Bastos)

OS RÉUS DO VINHO


(soneto decassílabo sáfico)

Os corpos vão ver nas manhãs dos céus
auroras férteis de bordéis antigos,
como mortais cantorias más de risos,
em que sonhar seria ganhar troféus.

Dos dias sonhados, eu vou morto e mórbido,
conhecer tórridas paixões de vícios,
como estrela da vida astral em lírios
que acordam vozes do mistério do óbito.

A vida desta descoberta é nada
para os que vão sempre viver leveza,
além do dia negro do fundo d`alma.

Eu serei vítima do resto em vinho
que embebedar todos os réus da mesa,
para onde vários estarão no exílio.

11/11/2010 Sonetos da Eternidade

A ESPAÇONAVE


Numa espaçonave
vou viajar o universo
em busca da felicidade.

Vamos desenhar nuvens
do infinito
com meus lápis de cor,
marcando com um giz
o dia da alegria
quando brincamos
de tudo
sem hora
para nada.

A espaçonave vai
para os planetas
e as estrelas,
veremos outros mundos
neste imenso
desenho do universo,
a vida será um sonho
colorido para brincar.

11/11/2010 O Poema Azul
(Gustavo Bastos)

domingo, 14 de novembro de 2010

TÉCNICA DAS COMBINAÇÕES INTENSAS

Primeira regra:
   O poema tem como matriz poética 4 palavras diferentes, cada palavra é um verso formando uma estrofe, então, de 4 versos. Tal regra limitadora de palavras para apenas 4 palavras se deve ao fato de que combinações mais complexas de 8 ou 16 palavras, por exemplo, seriam enfadonhas, e também que tais tipos de combinações seriam inexecutáveis, esta regra de 4 palavras é um princípio de economia e coerência.
   Uma vez definida a matriz poética de 4 palavras, sua combinação completa incluindo nisso todas as ordens e sequenciais possíveis dá um total de 24 combinações, tais combinações serão chamadas de intensas e deverão ter a mesma unidade de sentido independente da ordem ou sequência da combinação, tal princípio deve seu cálculo à análise combinatória e a unidade de sentido obedece a uma regra de clareza, pois aqui se trata de um minimalismo semelhante ao haicai, mas aqui as regras são diferentes, não tem métrica ou rima, o verso pode ser livre e branco, até pelo limite extremo de espaço de escrita aqui proposto. Por fim, então, um poema de combinações intensas terá 24 estrofes de 4 versos com 4 palavras combinadas de forma completa (nas diferentes ordens ou sequências), lembrando do respeito à unidade de sentido independente da combinação.

Segunda regra:
   O poema será composto das seguintes classes gramaticais: verbo, substantivo e adjetivo. Não se pode usar artigos por razões de dificultar a regra de concordância. Dentre as 4 palavras que compõem o poema de combinações intensas, uma é verbo, uma é substantivo e uma é adjetivo, sendo o quarto elemento ou palavra facultativo entre essas três classes gramaticais, dando-se preferência a um segundo verbo. Lembrando-se que o guia principal de sentido do poema de combinações intensas é o verbo, é ele que vai determinar a concordância das 4 palavras das estrofes, sendo que o substantivo e o adjetivo devem concordar em gênero entre si e em número com o verbo e entre si também.
Observação: é mais fácil usar poemas com palavras no singular, mas isto não é uma regra.
(ESTA É A INSTRUÇÃO NECESSÁRIA PARA UM POEMA DE COMBINAÇÕES INTENSAS)

Segue abaixo a regra numérica que é só substituir por palavras:
1/2/3/4
1/2/4/3
1/3/2/4
1/3/4/2
1/4/2/3
1/4/3/2
2/1/3/4
2/1/4/3
2/3/1/4
2/3/4/1
2/4/1/3
2/4/3/1
3/1/2/4
3/1/4/2
3/2/1/4
3/2/4/1
3/4/1/2
3/4/2/1
4/1/2/3
4/1/3/2
4/2/1/3
4/2/3/1
4/3/1/2
4/3/2/1

Segue o poema-modelo que eu fiz evidenciando as regras acima:

Pressa

corpo
anda
ligeiro
correndo

corpo
anda
correndo
ligeiro

corpo
ligeiro
anda
correndo

corpo
ligeiro
correndo
anda

corpo
correndo
anda
ligeiro

corpo
correndo
ligeiro
anda

anda
corpo
ligeiro
correndo

anda
corpo
correndo
ligeiro

anda
ligeiro
corpo
correndo

anda
ligeiro
correndo
corpo

anda
correndo
corpo
ligeiro

anda
correndo
ligeiro
corpo

ligeiro
corpo
anda
correndo

ligeiro
corpo
correndo
anda

ligeiro
anda
corpo
correndo

ligeiro
anda
correndo
corpo

ligeiro
correndo
corpo
anda

ligeiro
correndo
anda
corpo

correndo
corpo
anda
ligeiro

correndo
corpo
ligeiro
anda

correndo
anda
corpo
ligeiro

correndo
anda
ligeiro
corpo

correndo
ligeiro
corpo
anda

correndo
ligeiro
anda
corpo

14/11/2010 Combinações Intensas

TRIBULAÇÕES E RECOMPENSAS


Rosas caem sobre as vestes do homem velho.

A lua conversa com as estrelas

numa canção da noite nua.



Eu vi nas malhas da lembrança

o delírio ventando nas naus e nas barricadas.

Como se fossem pássaros ou mísseis

desciam os degredados à terra formosa

chamada destino.



Degredados de poucas roupas e baixos salários,

homens valentes em canoas e montados em jumentos,

homens fortes como o aço.

Deram a eles trabalhos forçados

num vil propósito de edificar qualquer palácio.



E de noite entregam-se à beberagem.

Ó sabor inescrutável da delícia da preguiça!

Serão estes braços infinitos da ronda

os que veneram a vida atribulada?

Pois todos, sem exceção, passarão por tribulações.

Pois deste caldo é de que é feita a vida.

Não serão estes homens servis

a máquina dolorosa da sociedade?



Rosas são as miríades da terna companhia

de uma mulher inteligente,

o homem velho já fez a sua tribulação,

já passou pelos vários dias felizes

e por todas as desditas possíveis.



E os degredados serão como ele,

no fim da existência

que tem a paga de uma vida confortável.

Também serão eles homens felizes

como o velho que caminha para a sua morte

num túmulo coberto por rosas rubras

de um homem que se recusou

a viver na penumbra.



21/03/2009 Gustavo Bastos

PARA SENTIR O PERDÃO

Dei-me o sincero calor, obra póstuma

de que hei sentir, na vida como na morte

o céu e a terra furiosos.



Ali estava a semente das árvores

e aves planavam sobre o meu pensamento.



Donde vens estrela matutina?

Os corvos também comem a minha carne,

os abutres pegam os restos

e a pomba canta a paz.



Dei-me o sincero calor, sem lástima,

sem rancor, perdoando a todos

os que mentem,

perdoando como assim quer Deus,

vou jogando o passado às serpentes,

e o tempo da coragem acorda em mim

como sete espadas brandidas

do perdão cristão de setenta vezes sete.



Disse o ancião:

Tu és a tua própria aurora,

sangue de rio caudaloso

passando pelas montanhas e vales,

és o fim de tua violenta paixão,

és a nau sentimental

no calor que buscas em teu poema.

E assim se faz a música

de teu coração,

música da harpa de Davi.



18/03/2009 Gustavo Bastos

O FOGO POÉTICO


Calcinado e ferro em brasa

trago os ouropéis de poeta antigo

qual longe o abismo e o sol

estou em todos os relógios

que perguntam

por suas horas

perdidas



Calcinado e ferro em brasa

dou-me de todo ao meu verso

caindo sem resposta e navegando

vou entrando nos versos súbitos

da pena que não tem pena de ninguém

volteando as ideias e as parcas do destino

qual cozido e holocausto

figuras sintonizam a minha arca e o meu vento



Calcinado e ferro em brasa

vou à Europa decifrar Paris

vou à China falar mandarim

e perco as estribeiras

no vão da epopeia de comidas típicas

um desfile de filosofias e dúvidas carnais

sou o tempo em meu hausto e desespero

sou o homicida do homem racional animal

Aristóteles é o grande e a compilação máxima

e Sócrates é o pensador sem escrita

a maldita escrita dos escritores

eu sou poeta e me refiro ao mundo

eu sou poeta e canto as dores e as vitórias



Calcinado e ferro em brasa

vou embora numa ambulância

sou resgatado depois de rasgar

as minhas vestes porque hei pecado

e me arrependo

do batismo que me ungiu

poeta devastado



Calcinado e ferro em brasa

sou a fogueira desejosa sequiosa

arma e pedra e paus para barricadas

enfermo

deserto

sem eiras

devoto das colinas

eu sou a coisa pensante

o que pensa

e o que se faz poema



Calcinado e ferro em brasa

não temerei a existência

não ouvirei a tristeza

darei vivas para toda felicidade que existe

e num momento qualquer
vou com minhas asas voar


vou viver planando volteando insurgindo



Calcinado e ferro em brasa

serei a marca de minha época

o poeta e seus segredos

o poeta e sua canção

o poeta simplesmente poeta

o que é simplesmente poeta

o poema que poetiza a poesia

o poeta da montanha

o poeta do vale

o poeta da curva

o poeta da pele

o poeta do osso

o poeta do corpo

o poeta da alma

o poeta da morte

o poeta da vida

o poeta poeta

calcinado e ferro em brasa



16/03/2009 Gustavo Bastos