PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

sexta-feira, 25 de junho de 2010

ENIGMA

__ Quem acordou agora? Uma palavra basta para a minha cama, quem está agora na linha do horizonte contemplando o nada? Sempre foi festa em dia de sol, e a arma do meu tempo é a nuvem posta sob o fogo da manhã. Eu estava nu com uma dourada cascata de mentiras, eu nasci do ovo esmagado dos cintilantes querubins ... uma e a mesma volta em torno de mim mesmo num arroubo superssônico de palavras chulas como o meu tempo inútil.

__ O que é o enigma da vida? O que é enigma? Tudo se responde?

Não sei de nada, não vou para lugar algum ... o que vai a contento não é o meu feliz dia da miséria, mas sim a riqueza do ócio, o vinho temperado de carne e vadiagem, a terra bandida e banida de meu asfalto sob o impuro servo do verso, inverso e controverso, controle absoluto do desejo, uma fuga total dos nervos da ira, uma canção contra a gula, e uma cicatriz filha da chuva.

__ O que é o enigma? O que é vida, pois? Ora, não sei o certo das horas em que fui queimado pela ordem dos céus, uma hierarquia de anjos, arcanjos e querubins, almas e deuses, e no inferno a horda dos demônios e dos gênios da floresta, uma visão entorpecida me deu tal revelação. Eu não sei como isso aconteceu, eu estava correndo de madrugada na praia sob um temporal e um frio intenso, eu subia nas ondas e esquecia o meu nome, até mesmo a poesia eu já não sabia guardar, era só um sonho maluco de revolução individual e solitária, queria me jogar da janela?! Ora, o tempo é a imprecisão de um vagar niilista e estúpido.

__ O que é resposta? O que é pergunta? O sentido da vida num mero momento de letargia, augúrio de músicas celestiais, proscrito deveras pela velhice e pela morte, eu tentei o suicídio apenas na terrível veneração da morte, holocausto, máquina e poder!

__ O que é o enigma da morte? Quem veio do além para nos dizer que é vida o que lá fora emana? Tempestade e corro para sobreviver a um ataque nuclear ... tenho que dizer que um dia o meu delírio foi o crepúsculo na aurora da noite quando morre ... um dia só para solucionar o enigma, para o claro dia e a morte na madrugada eterna de massacres noturnos.

__ O sentido do enigma é a corrosão do tempo, o velho jogador dos números desvenda tudo numa fórmula matemática, esse é o novo mistério do conhecimento, tudo se decifra por uma máquina mortal da alma que se quer imortal mas não é ...

__ O acidente é o instante imprevisto, tudo o que a necessidade ignora e teme, o princípio da não-contradição morre no acidente ... o que se desvela então na modernidade já não é mais a essência, nem mesmo a identidade, e passa longe do autoconhecimento, é apenas a existência crua do acaso, a falta de escrita fatalista e peremptória, o fim das profecias, a especulação se perde agora e é engolida pela loucura absoluta, o amor não nos faz mais imortais, o mundo de carne e espanto é a única fonte de terra e chão chamada realidade material, nada de almas superiores, nada mais de hierarquia e respeito, nada de honra e glória, nada de sentido, o enigma se faz mais profundo ... o enigma se faz mais ao fundo, e a existência é a grande incompreendida, só silencia e nada mais quer saber, por ser enigma e não ter resposta, o espírito não nos revela nada, e a matéria silencia quanto à sua feição, não temos nada em mãos, o ser humano é filho do segredo.

__ O que é vida e morte? Duas fronteiras extremas da existência, o tecido do próprio enigma que pergunta sempre porquê.



25/06/2010 Gustavo Bastos (Pinturas Pagãs – 139) poema 1149 dos cadernos