PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

sexta-feira, 30 de junho de 2017

ILUMINAÇÕES

Este caminho muito me apraz,
poetas lhe sulcam a face,
bom anjo através
do espelho,
diabinhos atiradores
também aparecem,
e o brio da moldura
vira bruma e pintura.

Este caminho solar que
das crateras lunares
bem quis calor com frio,
e os haustos do coração
que fundam a poesia
no dom e na epifania.

Poesia sincera, destas de explosão,
e que liquidam o tema
com um bom choque
ou colisão.

Este caminho deserto que a alma sofre
é a poesia em busca de seu sol,
tais crateras lunares se encontram
nos esforços deste nascimento
que sonha e labora
como um azougue
que se ilumina
e se faz
poeta.

30/06/2017 Gustavo Bastos

LIVRO DE BOLSO

Não vejo nada com o que me dizer
nestes poemas sulfurosos,
Hades retilíneo
e harpas angelicais
no campo de sarça.

Breviário, bestas no inferno
de fauno, lepra dos odores,
o hino é o fausto e a glória
dos retos que sucumbiram.

Eu havia feito este elenco
no livrinho de bolso
de uma campanha bem boba,
flores de sol no livrinho
com badulaques
e memória de
prazeres,

eis, o poema no fim da linha
era mais um bobo destes
que flutuava como anjo
na mão de uma fada
que também era boba,

o milagre do vinho
então cantou o poema
em toda a plenitude
que o livrinho tinha,
apesar dos enfeites.

30/06/2017 Gustavo Bastos

HORA MEDIDA

Com uma clava de sol na praia deserta,
o coração em fúria,
os sentidos de acordo
com a bebedice,

ferve o arrulho, breve o tempo
em âncoras sulcadas
de labor fremente,

na caixa de som os segredos
que dormitam nos mares,

como uma lepra o poeta
vira câncer,

como um milagre a meta solar
lhe dá novo sopro,

o coração se cura
na dança,

verte teu silente campo poeta!
frêmito nas rosas rosas,
ventos sopros
que lhe cobrem
a alma,

cândido o grande idiota,
poeta a esta hora.

30/06/2017 Gustavo Bastos

O VENTO

Quem descobre o sentido do vento
lhe decifra os ares que ali
sopram,

ignição dos poetas,
ventos sonhados
e delirados,
ventos de poemas.

Quem se orienta em seu curso
pela estrada, no vento
tem seu hausto, o sopro
ou bafo ou lufada,
éolo e seus pulsos
de vida,

quem com o vento vira ventania,
quem do vendaval
se torna
ciclone
qual
furacão.

30/06/2017 Gustavo Bastos

NOITE VORAZ

Dentro desta noite primeira,
rés-do-chão e pé-direito
dos castelos que caem.

Nesta primeva estrela,
neste ser de queda.

Vento sentido no coração,
como todo poema
que na lida
vivifica,

com esta noite ardida como pimenta,
com este páramo bonito,
leve e escultórico,
com estrelas vertidas
nesta noite
voraz,
deliro.

30/06/2017 Gustavo Bastos

POEMA DA VINHA SOLAR

Em breve me releio, vejo novas
pontas edulcoradas, caminhos
de navios rotos,
papéis queimados,
litros de cerveja.

Em pouco tempo delineio os contornos
de um que sonhava e outro
que era puro labor.

Leme em esguio serve à nave,
brota em fundos calcários
os risos de frascos mágicos,
os putos poetas
que bebem
licor.

Me releio neste verão torto,
e nunca mais me visto
de funcionário,
nunca mais jogo bilhar
nas lamúrias,
nunca mais aposto meu sangue,
e nem tenho pacto
com este diabo
que habitava
meu verso.

Ah, coisa boba,
este poeta-bomba!

20/06/2017 Gustavo Bastos

CORTE SELVÁTICA

Nesta nota o rei das cortes
toca uma canção familiar,
lullabies.

Ferro da estrada, me dá sonho
de lufada, poema que tudo
em nada de braçada,
este som bem querido
de rock´n´roll
detona.

Ah, que música mais anarquia
se tem punk e metal
em delícias,

e não mais sofro, como aos meus papéis
com estas notas surradas
de um livro poeirento,

busco outras loucuras,
mais delírios,
novas canções,
e ventos que sopram
selvagens
pelas
veredas.

30/06/2017 Gustavo Bastos

AURORA

Ao abrigo dos que sentem frio,
o afago dos que sentem fome,
a fartura e o aninho
sopram os tempos ocos.

Lembre-se, cavaleiro,
destes tempos de glória,
uma moenda ruminava
seus touros selvagens.

Lembra-te, corsário,
daqueles ócios e épocas fúrias
que o vinho do inverno
quebrava no mar
e sorria,
lembra-te!

Ao abrigo dos frios famélicos,
dos sinos que são gritos,
dos ecos que são sons
do desespero,
lembra-te, fauno,
dos choques teatrais
depois de uma temporada
no farol,

ah, mas me dá um pouco de sol,
senhor dos ventos
que cultiva auroras.

30/06/2017 Gustavo Bastos

DELÍRIO AZUL

A inteligência sem rachaduras
do diamante, este duro labor
que se arma marmóreo,
pétreo o silente e cáustico.

Bem podado o campo,
serpenteia o poema
com lados da esfera,
um pouco de nuvem
e tantos de pó.

Eu passei na liquidação da poesia,
nela estava o registro
dos quintais e suas frutas,
pontes de liga, estruturas
de romances rotos,
fuzil e suor.

A base da poesia do retirante,
"immigrant song",
leva em mim este petardo,
como um sonho azul.

30/06/2017 Gustavo Bastos

PINTANDO O VÁCUO

Fresta que abre rústica,
as portas e suas reentrâncias,
ermo o passo e a madeira,
sem fundo e oco
o querer das horas.

Bem alinhado com os sóis,
este querer fundo e cheio
do querer dos tempos,
bem fundo na paisagem,
sem fundo para as tristezas.

Bordado que sai incólume,
vitral e brocado, pintura
de formas, de cantos silvestres
com as cordilheiras do som.

Frente bem heráldica que no púlpito
se recobra de pedra em monte,
mil léguas de sonho
no corpanzil da máquina,
o leme de sapiência,

tais sóis que acordam de suas luas
pintadas nesta fresta
em que se vê o vácuo
das estrelas.

30/06/2017 Gustavo Bastos

domingo, 25 de junho de 2017

POR QUE LER OS CLÁSSICOS – ÍTALO CALVINO – PARTE V

A CIDADE-ROMANCE EM BALZAC

Balzac, na visão de Ítalo Calvino, foi um romancista que realizou a operação literária de transformar a própria cidade em romance, pois o escritor tinha a capacidade e a intenção de colocar os bairros e as ruas como verdadeiros personagens dotadas de caráter e diversos entre si, e que, para Calvino, Balzac era capaz de “evocar figuras humanas e situações como uma vegetação espontânea que germina do calçamento desta ou daquela rua ou como elementos de tão dramático contraste com elas a ponto de provocar cataclismos em cadeia;”, e que aqui é feito no momento em que Balzac começa a escrever Ferragus, e que o escritor então faz com que a sua obra literária tenha como protagonista a cidade viva, Paris em sua faculdade monstruosa, como algo praticamente biológico.
E um fato curioso é que Balzac tem em mente, inicialmente, fazer um ciclo romanesco que juntasse a ideia de sociedades secretas com a de indivíduos à margem da sociedade que tivessem uma espécie de faculdade onipotente, no que Balzac tinha a ideia de retratar o domínio que era efetivado por personagens numa rede que se colocava invisível no contexto que era comum às sociedades secretas. Só que tal plano muda de figura, e Balzac será, na verdade, o inventor dos mitos que serão a forma própria da narrativa culta e popular que lhe deverão o mérito por mais de um século.
Um desses mitos fundamentais do romance em Balzac e que dará norte em parte das narrativas na literatura mundial subsequente é o do Super-Homem que é prejudicado pela sociedade que o cerca e que retorna como um vingador implacável, e que, com as feições proteiformes de Vautrin, a qual terá presença nos tomos da Comédia humana, terá eco, como nos diz Calvino “em todos os Montecristos, os Fantasmas da Ópera e talvez os Chefões que os romancistas de sucesso hão de colocar em circulação.”
Em Ferragus ainda estamos sob influência do romantismo byroniano, num enredo bem urdido que mantém o mistério e o suspense em doses precisas, e isso entre cenas com golpes inesperados. O personagem Ferragus que dá nome ao romance é um nome que tem em si este caráter de batalha, um ser tenebroso com tal nome ariostesco, que tem papel central, e que é descrito por Balzac em seu declínio.  
Balzac tinha como fundo principal do cenário de seus romances o poema topográfico de Paris, e coloca de forma inovadora a cidade como a própria linguagem dos romances, e que tem ainda caráter de ideologia, ou ainda como fonte que condiciona cada pensamento, palavra e gesto. E sua obra pode se constituir como uma espécie de enciclopédia parisiense, e que tem dentro deste pacote o registro fidedigno da fala de várias categorias sociais e de personagens, com conhecimento do autor das afetações e neologismos da moda e mesmo a entoação das vozes, e também em situações normais da declamação habitual do cotidiano comum.
Balzac com A História dos Treze realiza o que podemos chamar de atlas do continente Paris, e o escritor concluiu Ferragus, e nesse momento escreve mais dois episódios para completar o tríptico que se configuram como romances diversos entre si e do próprio Ferragus. Aqui nesses dois novos episódios Balzac coloca um ponto comum, pois em ambas as estórias temos protagonistas numa aura misteriosa, mas que tem como outro ponto mais relevante a digressão de amplitude que cobre várias outras vozes do escopo que virá a ser denominado por Calvino como a “enciclopédia parisiense” de Balzac: em La duchesse de Longeais, que se trata de um romance de natureza passional que ganha a verve de um transbordamento autobiográfico, e que no segundo capítulo que se constitui como um texto que vai influenciar  a cultura francesa que culmina em fenômenos como Sade e tudo o que veio após este, com uma apresentação antropológica das classes sociais parisienses.
Balzac não fica, no entanto, nesta base de digressões, pois investe também na sua escritura na experiência psicológica intimista, e isso sobretudo na relação conjugal, que é uma das colunas do autor. Aqui em Balzac temos uma dupla função dentro de seu romance que se dá entre o meio psicológico e a aventura, e tais duas frentes são a função romanesca completa da inspiração balzaquiana.  
A densidade romanesca em Balzac ainda tem rostos particulares na escritura que se configura como mitologia da metrópole, pois ainda não foi alcançada a multidão anônima que veremos em Baudelaire, por exemplo, já que em Balzac temos a psicologia individual ainda em relevo. E os mistérios ainda rondam o romance urbano de Balzac, tal que nos conduz num emaranhado de coisas, em que a análise das personagens é de tal riqueza descritiva que as revela em suas singularidades.  E Balzac faz tal revelação de mistérios com uma verve sociológica, psicológica e por fim com um lirismo que o coloca no clímax dos grandes autores.

CHARLES DICKENS, “OUR MUTUAL FRIEND”

Dickens tem aberturas de romances marcantes, e isso ganha grande relevo no seu primeiro capítulo de Our mutual friend, que é o penúltimo romance que ele escreveu, e último que concluiu. Aqui temos o barco do pescador de cadáveres, e no segundo capítulo há uma mudança brusca, pois já estamos no contexto de uma comédia de costumes e de caracteres, e eclode o mistério de um homem afogado que iria herdar uma fortuna e que recompõe a tensão do romance.  
E Calvino nos esclarece: “A grande herança é a do falecido rei do lixo, um velho avarento que deixou na periferia de Londres uma casa ao lado de um terreno cheio de grandes monturos de lixo.” E o herdeiro é seu ex-burro de carga, Boffin, que é uma das grandes personagens cômicas de Dickens, e que é um simplório de uma ignorância infinita, e que de súbito está rico, e passa a querer a adquirir cultura, mas sem base nenhuma para tal, no que é ensinado por Silas Wegg, um vagabundo com perna de madeira que ele contrata, e então o analfabeto Boffin junta oito volumes do Declínio e queda do Império Romano de Gibbon e depois vai atrás da vida de avarentos famosos na ânsia de não perder a sua fortuna.
Em meio ao ambiente de lixo, em que circulam figuras de caráter de clown ou ainda que atuam como espectros, temos que Dickens antecipa de certo modo o que virá a lume na obra de Samuel Beckett, sobretudo quando se trata da verve de humor negro que já vemos em Dickens. No autor Dickens temos o contraste entre luz e sombra, em que se confrontam a escuridão e a virtude, e também na qual esta virtude está imersa numa situação trevosa. Mas temos que tal virtude em Dickens para nós, modernos, nos parece um tanto postiça.  
Temos que, na análise do romance em Dickens, o domínio da mentalidade vitoriana ganha fidelidade e também um fundo que cria toda uma mitologia. Uma vez conhecido bem o típico Dickens modernamente considerado, que é o do humor negro de personagens calcados na maldade e também como caricaturas grotescas, não nos tira isto a apreciação analítica e necessária de suas personagens inundadas de angelitude e que podem atuar como grandes consoladores, pois são estas presenças da virtude que dão sentido ao bem e ao mal no romance de Dickens, no equilíbrio que fazem no jogo com o lado escuro.  
Em Our mutual friend temos também a trama urbana e de comédia de costumes e que, por outro lado, guarda espaço também para personagens complexos e trágicos, tal como vemos na figura de Bradley Headstone, que nas palavras de Calvino “ex-proletário que uma vez tendo se tornado professor se deixa dominar por uma ânsia de ascensão social e de prestígio que se transforma numa espécie de possessão diabólica.”  
Para nós, Our mutual friend se configura como uma das obras-primas de Dickens e da literatura mundial, tanto no seu quesito criativo, como também pelo fato de se encontrar como exercício de escrita no topo do conceito literário. E temos neste romance a riqueza descritiva dos grandes cenários urbanos com grandeza e profundidade que podem figurar em qualquer antologia de paisagem urbana. E a obra de Dickens, Our mutual friend, também ganha seu caráter de grande obra por conter nela o cenário complexo de um quadro social em que aparecem as classes em conflito.  

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário : http://seculodiario.com.br/34644/17/italo-calvino-por-que-ler-os-classicosij5

           

    

WILLIAM BLAKE, O CASAMENTO DO CÉU E DO INFERNO (1790)

“Se as portas da percepção se desvelassem, cada coisa apareceria ao homem como é, infinita.”

APRESENTAÇÃO

O aprimoramento endireita os caminhos, mas as sendas rudes e tortuosas são as do Gênio.
(William Blake)

William Blake nasceu em Londres, a 28 de novembro de 1757, e seu pai, seguidor do visionário Swedenborg, não o educou de modo tradicional, e o poeta, então, recebeu uma educação alternativa e mística, lendo figuras como Swendeborg, Jacob Boheme, Paracelso e livros de ocultismo, e resolveu assim tornar-se um pintor, mas os altos custos desta arte fizeram-no optar pela técnica da gravura.
Passa, em seguida, a ler Spencer, os Elizabetanos, Locke, Bacon e Winnckelmann. Frequenta o estúdio de Basire, onde inicia-se na arte da gravura. E em 1787, desenvolve um método totalmente novo de prensagem que, além de outras inovações, permitia utilizar todos os matizes de cor possíveis. Este insólito processo, denominado “Impressão iluminada”, foi realizado inspirado numa visão do espectro de seu falecido irmão Robert, que revelou-lhe então o bizarro engenho.
Em 1800 desenvolve o poema “Milton”, depois continua a escrever “Jerusalém” e modifica o título do poema “Vala” para “os Quatro Zoas”. Em 1812, exibe seus trabalhos na Associação dos Aquarelistas e, entre graves problemas financeiros, sobrevive graças às ilustrações que faz para o catálogo das porcelanas Wedgwood.
O poema “Jerusalém”, finalizado em 1812, é muito bem recebido nos meios culturais e, cercado pelos amigos e jovens artistas admiradores de sua obra, passa seus últimos anos, morrendo em 1827, quando iniciava a impressão de seu “Dante”.

O CASAMENTO DO CÉU E DO INFERNO (1790)

Escrito em 1790, O casamento do céu e do inferno é uma das obras centrais para a compreensão da obra do poeta. William Blake era vidente e como Swedenborg, vislumbrava diretamente o mundo espiritual. Seu conhecimento não advém de preceitos ou codificações religiosas, mas da observação direta. Em O casamento do céu e do inferno, William Blake, com suas visões de iniciado druida denuncia o engano das concepções religiosas correntes, que, em seu redutor sistema binário, insistem em opor Céu e Inferno.

POEMAS:

O ARGUMENTO : William Blake é o poeta das visões, o poeta místico por excelência, sua aura misteriosa ganha o espírito de um visionário, que ele tal é em seus poemas, que vêm: “Rintrah ruge & vibra suas flamas no ar carregado;/Nuvens vorazes pairam sobre as profundezas./Uma vez submetido e na senda perigosa,/O homem justo manteve seu curso através/Do vale da morte.”. E o poema segue: “Foi então plantada a senda perigosa,/Um rio e um manancial/Sobre cada penhasco e tumba,”. A senda perigosa, que leva mesmo até o homem justo, também é a senda do poema, que vai: “Até que o vil deixou o suave caminho,/Para trilhar sendas perigosas e impeliu/O justo até as estéreis paragens.” . O justo é impelido para tal zona estéril, e Blake evoca seu mestre, Swedenborg: “Trinta e três anos após o surgimento do novo/céu, o Eterno Inferno ressurge. Mas veja! Swedenborg/é o anjo sentado sobre a cripta: Seus escritos são as/vestes de linho dobradas.”. E o poema ganha agora fundamentação filosófica, na famosa alusão aos contrários, ao modo de Blake e suas concepções, que aqui são bem fortes, e que culminam nas ideias precípuas de Bem e Mal: “Sem Contrários não há evolução. Atração e/Repulsão, Razão e Energia, Amor e Ódio são/necessários à existência Humana./Destes contrários nasce aquilo que o religioso/denomina Bem & Mal. O Bem é o passivo que/obedece a Razão. O Mal é o ativo que surge da Energia./Bem é Céu. Mal é Inferno.”. Tem uma visão espiritual e teórica bem sofisticada contida neste poema. 

A VOZ DO DEMÔNIO : O poema, em sentido bíblico, é como uma heresia, vai de encontro ao dualismo, e é monista, a divisão usual de corpo e alma é logo subvertida, o cânon aqui vira pó, e Blake não tem pena de tais códigos sagrados fundados na tradição teológica, e o poema é este contraponto que é produto da pena de um místico, que tem experiências diretas da espiritualidade, sem meios ou subterfúgios, ele vê o infinito, como prova em todos os seus poemas: “Todas as Bíblias ou códigos sagrados têm sido a/causa dos seguintes erros:/1 . Que o Homem possui dois princípios reais de/Existência: um Corpo & uma Alma./2 . Que a energia, denominada Mal, provém/unicamente do Corpo; E a razão, denominada Bem,/deriva tão-somente da Alma./3 . Que Deus atormentará o Homem pela/Eternidade por haver imantado suas Energias./Mas, por outro lado, são verdadeiros os/seguintes Contrários:/1 . O Homem não tem um Corpo distinto da/Alma, pois aquilo que denominamos Corpo não/passa de uma parte de Alma discernida pelos cinco/sentidos, seus principais umbrais nestes tempos./2 . Energia é a única força vital e emana do/Corpo. A Razão é a fronteira ou o perímetro circunfeérico/da Energia./3 . Energia é Eterna Delícia.”. O poema é de uma beleza e complexidade comoventes, eu fiquei extasiado como tal poesia de Blake em geral é esclarecedora e interessante, e o poema segue, agora em forma de uma pequena tese: “Aqueles que reprimem o desejo podem fazê-lo/Quando este é fraco e passível de ser refreado; e quem/o reprime, ou Razão, usurpa seu lugar & governa os/relutantes./Uma vez reprimido, ele se torna cada vez mais/passivo até não ser mais que mera sombra do desejo./Esta história se encontra escrita no Paraíso/Perdido & o Governador ou Razão chama-se/Messias./E o Arcanjo Primeiro, mentor das hordas/Celestiais, se chama Demônio ou Satã. Seus filhos/chamam-se Pecado & Morte./Mas no Livro de Jó, o Messias de Milton é/denominado Satã.” E o poema agora se fundamenta na visão miltoniana para erigir a sua teologia mística renovada e herética: “Na verdade, a Razão acabou achando que o/Desejo fora expulso. Mas a versão do Diabo pontifica/Que o Messias caiu e engendrou um Paraíso com o que/roubou do Abismo./Isto é revelado no Evangelho, onde ele roga ao/Pai que envie o Consolador ou Desejo, de forma com/Que a Razão tenha Ideias nas quais se fundamentar./O Jeová Bíblico não é senão aquele que habita o fogo/flamejante./Sabeis que após sua morte, Cristo tornou-se/Jeová. Mas em Milton, o Pai é o Destino, o Filho é o/Racionalismo dos cinco sentidos & o Espírito Santo/é o Vazio!”. A trindade tradicional, ao fim, com Milton, é erodida, a poesia é mais importante.

UMA VISÃO MEMORÁVEL : O poema se expande como as volúpias do Gênio, eis: “Enquanto errante cruzava as flamas do Inferno,/deliciando-me com as volúpias do Gênio, que aos/anjos transfiguram-se como Tormento e Loucura,/recolhi alguns dos seus Provérbios,” (...) “indicariam decerto a Sabedoria dos Vértices Abissais/melhor do que qualquer outra descrição de/Edificações ou Vestes./Ao voltar ao lar, sobre o abismo dos cinco sentidos/onde um precipício de escorregadias escarpas/franze seu cenho a este mundo atual, vislumbrei um/poderoso Demônio em negras nuvens envolto/pairando sobre os flancos dos penhascos, e com fogos/corroentes gravava a seguinte frase, agora captada/pelas mentes dos homens, e por eles à Terra revelada:/“Como sabeis, que cada Pássaro que irrompe a/ventania não abarca um imenso universo de delícias,/imerso em vossos cinco sentidos.”. Aqui as limitações dos cinco sentidos são denunciadas e subvertidas, e o Demônio dá a saber que o Pássaro só abarca as delícias do infinito fora da prisão dos sentidos naturais, numa nova vida e com liberdades infinitas e sobrenaturais.

SEM TÍTULO : O poema conta a história da progressão dos deuses, que tais aparecem como guardiães de nações, como espécies de Gênios, e que os poetas sopraram vida nas narinas de tais entidades, e que tais deuses e gênios eram associados com a natureza, e que tais poetas da Antiguidade poderiam fazer tais encantamentos pois viviam com os sentidos dilatados, num estado sobrenatural e permanente de êxtase:  “Os poetas da Antiguidade animaram todos os/objetos sensíveis com Deuses ou Gênios,/nomeando-os e adornando-os com as propriedades dos/bosques, lagos, cidades, nações e tudo o que seus/dilatados sentidos podiam perceber./Particularmente, estudaram o Gênio de cada/Cidade & país, colocando-o sob a égide de sua/deidade mental./Até que se formou um sistema, do qual alguns se/aproveitaram e escravizaram o vulgo, interpretando/e abstraindo as deidades mentais de seus respectivos/objetos. Então surgiu o Clero;/Elegendo formas de culto dos mitos poéticos./E proclamando, por fim, que assim haviam/ordenado os Deuses./Os homens então esqueceram que Todas as/deidades residem em seus corações.”. E, por fim, quando estas entidades naturais surgidas do transe poético de sentidos dilatados ao infinito são subjugados pelo espírito de sistema, temos o Clero e a ordem da tradição sedimentada como cânon e não mais a experiência espiritual direta que será tão fundamental quando nos debruçamos sobre a poesia de William Blake e sua biografia.

UMA VISÃO MEMORÁVEL : Este poema de William Blake é emblemático, e é uma trama bíblica em forma poética original, no que temos: “Os profetas Isaías e Ezequiel jantavam comigo./Perguntei-lhes como se atreviam a afirmar que Deus/falava com eles; e se não achavam que isto os tornava/incompreendidos & passíveis de perseguição./Isaías respondeu: “Jamais pude ver ou ouvir Deus/dentro de uma percepção orgânica e finita; Meus/sentidos descobriram o infinito em cada coisa, e como/desde então estivesse convicto & recebesse o sinal que/a voz da indignação sincera é a voz de Deus, alheio às/consequências escrevi.”/Então perguntei: - “A firme convicção de que/uma coisa é, assim pode torná-la?/Ele respondeu: - “Todos os poetas têm a certeza disto &/em épocas de imaginação, esta fé inquebrantável moveu montanhas.”. Os poetas, assim como os profetas, tinham as visões do infinito, os sentidos espirituais emancipados da limitação carnal, e o poema segue: “Ezequiel retrucou: “A filosofia do Oriente ensinou os princípios básicos da percepção humana. Algumas nações adotaram um princípio para a origem. Outras criaram versões distintas para explicá-la. Nós, de Israel, ensinamos que o Gênio Poético (como agora o denominam) foi o princípio básico e os demais não passam de meras derivações. Esta é a razão de nosso desprezo pelos Filósofos & Sacerdotes de outros países. Profetizamos, e disto não resta dúvida, que todos os Deuses são originários do nosso & tributários do Gênio Poético. Foi precisamente isto que nosso grande poeta, o Rei Davi, desejava mais fervorosamente & evocou de forma tão enternecedora, exprimindo que é assim que triunfa-se sobre os inimigos e governa-se os reinos. Tanto amamos nosso Deus que em seu nome desdenhamos todas as deidades das nações vizinhas, afirmando que elas haviam se rebelado: Daí advém que o vulgo acabasse por acreditar que todas as nações seriam submetidas pelos judeus.”. O Gênio Poético ganha em Israel autoridade religiosa, e aqui o seu Deus é colocado como fonte e os outros deuses são heréticos, a rebelião fica por conta desses deuses familiares, e o verdadeiro Deus será este do poeta e Rei Davi e o dos profetas bíblicos, nenhum mais: “Perguntei então a Ezequiel por que deglutira esterco & permanecera por tanto tempo deitado de lado direito & esquerdo. Ele respondeu: _ Para elevar os homens à percepção do infinito.” (...) “A antiga crença de que o mundo será consumido pelo fogo ao cabo de seis mil anos é real, como revelaram-me nas profundezas do Inferno./Pois foi ordenado ao Querubim com a espada de fogo que abandonasse a guarda da Árvore da Vida e quando isso ocorrer, toda criação será consumida e vislumbrar-se-á infinita e purificada, pois agora apresenta-se finita & corrompida.”. O advento trará de volta então a percepção espiritual original que é infinita, o desvelamento do universo tem este sentido para a percepção humana que quer de volta as suas faculdades sobrenaturais ou de ter a visão das coisas na sua essência tal qual é, infinita, no que temos um dos versos mais emblemáticos de William Blake, em meio de poções que fazem a potência da percepção normal se expandir, tais que são os venenos e corrosivos, e que Blake chama logo de métodos infernais, no que o poema segue: “Mas antes de tudo, a noção de que o homem tem um corpo distinto de sua alma será abolida. Isto conseguirei através do método infernal, cujos ácidos corrosivos, que no Inferno são saudáveis & terapêuticos, ao dissolver as superfícies visíveis, revelam o Infinito antes oculto./Se as portas da percepção se desvelassem, cada coisa apareceria ao homem como é, infinita./Pois o homem se enclausurou a tal ponto que apenas consegue enxergar através das estreitas frestas de sua gruta.”. Através destas poções potentes o mundo se rasga e se desvela em sua origem infinita, e o método de Blake, como o próprio nos diz, é como uma terapia que dissolve as fronteiras usuais e revela o infinito que estava até então oculto, e que a poesia também nos revela.

POEMAS:

O ARGUMENTO

Rintrah ruge & vibra suas flamas no ar carregado;
Nuvens vorazes pairam sobre as profundezas.

Uma vez submetido e na senda perigosa,
O homem justo manteve seu curso através
Do vale da morte.
Há rosas onde crescem espinhos,
E na charneca estéril
Cantam as abelhas.

Foi então plantada a senda perigosa,
Um rio e um manancial
Sobre cada penhasco e tumba,
E sobre os ossos branqueados
A argila rubra emergiu;

Até que o vil deixou o suave caminho,
Para trilhar sendas perigosas e impeliu
O justo até as estéreis paragens.

Agora, a furtiva serpente desliza
Na dócil humildade
E o justo enfurece nos desertos
Onde vagam os leões.

Rintrah ruge & vibra suas flamas no ar carregado;
Nuvens vorazes pairam sobre as profundezas.

Trinta e três anos após o surgimento do novo
céu, o Eterno Inferno ressurge. Mas veja! Swedenborg
é o anjo sentado sobre a cripta: Seus escritos são as
vestes de linho dobradas. É chegado o domínio de
Edom & o retorno de Adão ao Paraíso. Ver Isaías
capítulos XXXIV e XXXV.
Sem Contrários não há evolução. Atração e
Repulsão, Razão e Energia, Amor e Ódio são
necessários à existência Humana.
Destes contrários nasce aquilo que o religioso
denomina Bem & Mal. O Bem é o passivo que
obedece a Razão. O Mal é o ativo que surge da Energia.
Bem é Céu. Mal é Inferno.

A VOZ DO DEMÔNIO

Todas as Bíblias ou códigos sagrados têm sido a
causa dos seguintes erros:
1 . Que o Homem possui dois princípios reais de
Existência: um Corpo & uma Alma.
2 . Que a energia, denominada Mal, provém
unicamente do Corpo; E a razão, denominada Bem,
deriva tão-somente da Alma.
3 . Que Deus atormentará o Homem pela
Eternidade por haver imantado suas Energias.
Mas, por outro lado, são verdadeiros os
seguintes Contrários:
1 . O Homem não tem um Corpo distinto da
Alma, pois aquilo que denominamos Corpo não
passa de uma parte de Alma discernida pelos cinco
sentidos, seus principais umbrais nestes tempos.
2 . Energia é a única força vital e emana do
Corpo. A Razão é a fronteira ou o perímetro circunfeérico
da Energia.
3 . Energia é Eterna Delícia.
*
Aqueles que reprimem o desejo podem fazê-lo
Quando este é fraco e passível de ser refreado; e quem
o reprime, ou Razão, usurpa seu lugar & governa os
relutantes.
Uma vez reprimido, ele se torna cada vez mais
passivo até não ser mais que mera sombra do desejo.
Esta história se encontra escrita no Paraíso
Perdido & o Governador ou Razão chama-se Messias.
E o Arcanjo Primeiro, mentor das hordas
Celestiais, se chama Demônio ou Satã. Seus filhos
chamam-se Pecado & Morte.
Mas no Livro de Jó, o Messias de Milton é
denominado Satã.
Pois esta história tem sido adotada por ambos
os lados.
Na verdade, a Razão acabou achando que o
Desejo fora expulso. Mas a versão do Diabo pontifica
Que o Messias caiu e engendrou um Paraíso com o que
roubou do Abismo.
Isto é revelado no Evangelho, onde ele roga ao
Pai que envie o Consolador ou Desejo, de forma com
Que a Razão tenha Ideias nas quais se fundamentar.
O Jeová Bíblico não é senão aquele que habita o fogo
flamejante.
Sabeis que após sua morte, Cristo tornou-se
Jeová. Mas em Milton, o Pai é o Destino, o Filho é o
Racionalismo dos cinco sentidos & o Espírito Santo
é o Vazio!

UMA VISÃO MEMORÁVEL

Enquanto errante cruzava as flamas do Inferno,
deliciando-me com as volúpias do Gênio, que aos
anjos transfiguram-se como Tormento e Loucura,
recolhi alguns dos seus Provérbios, considerando que,
assim como as máximas de um povo exprimem o seu
verdadeiro caráter, então os Provérbios do Inferno
indicariam decerto a Sabedoria dos Vértices Abissais
melhor do que qualquer outra descrição de
Edificações ou Vestes.
Ao voltar ao lar, sobre o abismo dos cinco sentidos
onde um precipício de escorregadias escarpas
franze seu cenho a este mundo atual, vislumbrei um
poderoso Demônio em negras nuvens envolto
pairando sobre os flancos dos penhascos, e com fogos
corroentes gravava a seguinte frase, agora captada
pelas mentes dos homens, e por eles à Terra revelada:
“Como sabeis, que cada Pássaro que irrompe a
ventania não abarca um imenso universo de delícias,
imerso em vossos cinco sentidos.”

SEM TÍTULO

Os poetas da Antiguidade animaram todos os
objetos sensíveis com Deuses ou Gênios,
nomeando-os e adornando-os com as propriedades dos
bosques, lagos, cidades, nações e tudo o que seus
dilatados sentidos podiam perceber.
Particularmente, estudaram o Gênio de cada
Cidade & país, colocando-o sob a égide de sua
deidade mental.
Até que se formou um sistema, do qual alguns se
aproveitaram e escravizaram o vulgo, interpretando
e abstraindo as deidades mentais de seus respectivos
objetos. Então surgiu o Clero;
Elegendo formas de culto dos mitos poéticos.
E proclamando, por fim, que assim haviam
ordenado os Deuses.
Os homens então esqueceram que Todas as
deidades residem em seus corações.

UMA VISÃO MEMORÁVEL

Os profetas Isaías e Ezequiel jantavam comigo.
Perguntei-lhes como se atreviam a afirmar que Deus
falava com eles; e se não achavam que isto os tornava
incompreendidos & passíveis de perseguição.
Isaías respondeu: “Jamais pude ver ou ouvir Deus
dentro de uma percepção orgânica e finita; Meus
sentidos descobriram o infinito em cada coisa, e como
desde então estivesse convicto & recebesse o sinal que
a voz da indignação sincera é a voz de Deus, alheio às
consequências escrevi.”
Então perguntei: - “A firme convicção de que
uma coisa é, assim pode torná-la?
Ele respondeu: - “Todos os poetas têm a certeza disto & em épocas de imaginação, esta fé inquebrantável moveu montanhas. No entanto, poucos conseguem ter essa firme convicção de qualquer coisa.”
Ezequiel retrucou: “A filosofia do Oriente ensinou os princípios básicos da percepção humana. Algumas nações adotaram um princípio para a origem. Outras criaram versões distintas para explicá-la. Nós, de Israel, ensinamos que o Gênio Poético (como agora o denominam) foi o princípio básico e os demais não passam de meras derivações. Esta é a razão de nosso desprezo pelos Filósofos & Sacerdotes de outros países. Profetizamos, e disto não resta dúvida, que todos os Deuses são originários do nosso & tributários do Gênio Poético. Foi precisamente isto que nosso grande poeta, o Rei Davi, desejava mais fervorosamente & evocou de forma tão enternecedora, exprimindo que é assim que triunfa-se sobre os inimigos e governa-se os reinos. Tanto amamos nosso Deus que em seu nome desdenhamos todas as deidades das nações vizinhas, afirmando que elas haviam se rebelado: Daí advém que o vulgo acabasse por acreditar que todas as nações seriam submetidas pelos judeus.”
“Isto”, disse ele, “como todas as firmes convicções, está prestes a se realizar já que todas as nações acreditam no código judaico e veneram o Deus dos judeus. Que maior sujeição poderia haver?
Ouvi assombrado & não pude deixar de confessar minha própria convicção. Terminando o jantar, pedi a Isaías que regalasse o mundo revelando suas obras perdidas. Ele respondeu que nenhuma obra de valor se perdera. Das suas obras, Ezequiel afirmou o mesmo.
Também perguntei a Isaías o que levara-lhe a vagar desnudo por três anos. Ele respondeu: _ “O mesmo que impeliu nosso amigo Diógenes o Grego.”
Perguntei então a Ezequiel por que deglutira esterco & permanecera por tanto tempo deitado de lado direito & esquerdo. Ele respondeu: _ Para elevar os homens à percepção do infinito. As tribos norte-americanas também utilizam esta prática & poder-se-ia dizer honesto aquele que, resistindo a seu gênio ou consciência, os troca pelo bem-estar e a satisfação imediata?
A antiga crença de que o mundo será consumido pelo fogo ao cabo de seis mil anos é real, como revelaram-me nas profundezas do Inferno.
Pois foi ordenado ao Querubim com a espada de fogo que abandonasse a guarda da Árvore da Vida e quando isso ocorrer, toda criação será consumida e vislumbrar-se-á infinita e purificada, pois agora apresenta-se finita & corrompida.
E isto ocorrerá mediante a sofisticação do prazer sensual.
Mas antes de tudo, a noção de que o homem tem um corpo distinto de sua alma será abolida. Isto conseguirei através do método infernal, cujos ácidos corrosivos, que no Inferno são saudáveis & terapêuticos, ao dissolver as superfícies visíveis, revelam o Infinito antes oculto.
Se as portas da percepção se desvelassem, cada coisa apareceria ao homem como é, infinita.
Pois o homem se enclausurou a tal ponto que apenas consegue enxergar através das estreitas frestas de sua gruta.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário :  http://seculodiario.com.br/34645/17/william-blake-o-casamento-do-ceu-e-do-inferno-1790