PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

sábado, 16 de abril de 2011

BULLYING, DESARMAMENTO E O MASSACRE DE REALENGO

"Sendo necessária à segurança de um Estado livre a existência de uma milícia bem organizada, o direito do povo de possuir e usar armas não poderá ser impedido."


(Segunda Emenda da Constituição dos EUA)



Começo este artigo pela ordem de fatores estabelecida no título, portanto, começo falando do Bullying, quem nunca o cometeu ou sofreu que atire a primeira pedra. Bom, o Bullying, na maior parte dos casos, parte da agressão dos mais fortes e populares sobre os mais fracos e tímidos. Esse é um princípio que nutre a covardia de muitos contra poucos. Ou seja, o Bullying, normalmente, é o mais forte contra o mais fraco, a maioria contra a minoria, é sempre uma relação de forças desigual e é por esta mesma desigualdade que se perpetua e se retroalimenta.

Aí vêm questões sobre preconceitos, covardias diversas, maldade humana, necessidade de autoafirmação pelo constrangimento alheio, falta de compaixão pelo próximo, dentre várias outras chaves de compreensão do fenômeno Bullying. O certo é que agora isto vem à tona, mas isto já existe há um tempo, não sei quanto, pois perguntei sobre isso à minha avó e ela disse que no seu tempo de juventude e infância isso não existia. Será então que estamos falando de um fenômeno contemporâneo? Desde o tempo dos filmes americanos de “nerds” sendo humilhados por “populares”? Bom, se minha avó nunca sofreu ou viu Bullying no seu tempo, é que isso é algo talvez novo, um efeito de distorções sobre a intolerância com o diferente, já que odiamos o diferente.

Portanto, uma ótima chave de reflexão sobre o Bullying pode nascer deste ódio ao diferente, coisa que pode ser bem caracterizada em preconceitos contra negros, gordos, homossexuais ou virgens, tem pra todo gosto. Então o Bullying nasce do preconceito? E o preconceito, é justamente o ódio ao diferente? Bingo! Então temos uma exacerbação de conflitos sociais que emerge na palavra Bullying com força jamais vista e que se consubstancia na internet com o famigerado Cyberbullying, que não é nada mais que a humilhação dos “nerds” por uma máscara anônima de um avatar fake que “trolla” suas vítimas impunemente, uma bela sacada para um covarde que some na nuvem do ciberespaço, bem legal.

E para identificar a raiz do Bullying ela é nada mais que o preconceito que tira proveito do que é vulnerável, o Bullying se alimenta da fraqueza, o Bullying é a covardia que sabe que é uma ação sem reação. Bom, este é o princípio, pois quando se tem a reação ela pode ser trágica, como no caso do perturbado Wellington do massacre de Realengo, que, pelo visto, sofreu Bullying, erro de outros que não justifica esse massacre. Só uma pessoa tão louca como o Wellington para dizer que ele é vítima das circunstâncias, pois não se trata de um coitado que sofreu Bullying no passado, mas de um assassino cruel do presente e que perdeu seu futuro ao matar e morrer a troco de nada, talvez em nome de um delírio de pureza religiosa que só existia em sua cabeça perturbada.

Então, vendo isso tudo nos últimos dias, Wellington não é vítima, é algoz, não merece pena, mas sim condenação, se todos os que sofrem preconceito ou Bullying fizessem o que ele fez, não sobraria mais escolas em lugar algum, pois é na escola o lugar em que a crueldade do Bullying deve ser combatida e isso só pode ser feito com a famigerada palavra “conscientização”, que é nada mais que incutir sentimentos de compaixão que são a única via para escapar da loucura deste mundo.

O caso Wellington pode ter se inspirado em ideias distorcidas da realidade via fundamentalismo religioso misturado com “espelhos” como os garotos de Columbine e junto com isso misture insanidade e isolamento sociopata e temos um assassino cruel que consuma o seu ato e se torna célebre em toda a mídia. Pronto, está feita a receita do “sucesso” de Wellington, ele conseguiu o que queria, e nós não podemos fazer nada. E agora não adianta o Sarney querer um novo referendo ou plebiscito, já que no referendo de 2005 a população brasileira foi bem clara ao votar não à proibição de venda de armas de fogo, o que quer dizer que cidadãos devem se defender de criminosos independente da proteção do Estado que é insuficiente. Wellington é um caso psiquiátrico e criminológico, mas não é por causa dele que deve haver uma nova votação como quer Sarney, temos é que contar os mortos e incentivar o desarmamento com indenizações a quem se desarma, esse é o único caminho sensato e nada de sensacionalismo midiático, já cansamos de ver a cara do Wellington nos jornais.



16/04/2011 Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

TRABALHO SOBRE HEIDEGGER DA PUC-RIO

TRABALHO DE FENOMENOLOGIA




TEMA: O SER-PARA-A-MORTE NO LIVRO SER E TEMPO DE HEIDEGGER

PROFESSOR: FABIANE MARQUES

ALUNO: GUSTAVO VERVLOET DE MEDEIROS BASTOS

CURSO : FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA



INTRODUÇÃO



Martin Heidegger edifica no seu projeto filosófico uma busca pelo sentido do ser em geral. O que faz com que ele tenha que elaborar uma ontologia fundamental, mas, para isso, ele deve esclarecer, antecipadamente, o ser da presença segundo uma analítica existencial da presença, entendendo-se presença como o ente existencial que denominamos homem, mas que, em Heidegger, não se fundamenta como sujeito, o que demanda outra questão que não cabe aqui discutir no presente trabalho.

Uma vez que nós humanos, enquanto os únicos entes que se dão como presença, também somos os únicos entes para os quais se dá a morte, ontologicamente compreendida, somos então tal presença singular como um ser-para-a-morte. Não cabe aqui neste trabalho levantar todas as hipóteses e categorias tematizadas em Ser e Tempo, mas sim nos concentrarmos no sentido possível que pode ser dado à presença a partir das definições do ser-para-a-morte, dadas por Heidegger no primeiro capítulo da segunda seção de Ser e Tempo, que é: O possível ser-todo da presença e o ser-para-a-morte. Portanto, não vou me aprofundar na questão do ser-todo da presença, e sim no ser-para-a-morte e sua possível interpretação.



CAPÍTULO I – A MORTE DA PRESENÇA COMO MORTE SINGULAR



Quando Heidegger pergunta pela totalidade do ser da presença, ele está também e ao mesmo tempo perguntando pelo fim deste ser ou pela morte como fim deste ser, ou seja, uma vez que a presença é o único ente que se dá num mundo ou como ser-no-mundo, ela, uma vez que pode antecipar seu ser-para-a-morte no anteceder-se-a-si-mesma que determina o seu ser, está diante da possibilidade extrema de sua existência, e que define a sua existência como finita, para além de sua constituição ôntica ou bio-fisiológica.

A morte da presença é uma morte existencial, é a impossibilidade de todas as possibilidades, ou a possibilidade extrema da impossibilidade. Toda a existência da presença se determinará neste limite de seu fim no seu ser-para-a-morte.

“No centro dessas considerações acha-se a caracterização ontológica do ser-para-o-fim em sentido próprio da presença e a conquista de um conceito existencial da morte” (Heidegger, Ser e Tempo, 2006, p.311). Portanto, Heidegger, ao tematizar a morte, considera que há a necessidade de uma compreensão existencial do fenômeno, uma vez que, para Heidegger, a morte está eivada de concepções difusas que não chegam ao cerne ontológico da questão, limitando-se, quando muito, no seu aspecto ôntico ou, por outro lado, numa metafísica da morte segundo teodicéias ou teologias da morte.

Heidegger, ao analisar a morte da presença, constata que, para si mesma, a presença não pode fazer uma experiência concreta de sua própria morte. No entanto, a presença pode ter acesso objetivo em relação à morte dos outros, onde o findar de uma outra presença é experimentada por nossa presença, uma vez que toda presença tem uma de suas determinações como ser-com os outros.

“Contudo, o fim de um ente, enquanto presença, é o seu princípio como mero ser simplesmente dado” (Heidegger, Ser e Tempo, 2006, p.312). No entanto, “o ser ainda simplesmente dado é mais do que uma coisa material, destituída de vida. Nele encontra-se algo não vivo, que perdeu a vida.” (Idem).

Portanto, a presença que deixou de existir no mundo ainda é mais do que um ser simplesmente dado, já que, no mundo circundante e passível de ocupação, tal presença que deixou a existência ainda está em relação com outras presenças, no culto que lhe é devido como um modo de uma preocupação reverencial dos que a presença morta deixou no mundo. Isto quer dizer que o ser-com os outros ainda está vigente, mesmo com a morte desta presença. Pois é “a partir do mundo que os que ficam ainda podem ser e estar com ela.” (Heidegger, Ser e Tempo, 2006, p.312).

“Esse ser-com o morto não faz a experiência do ter-chegado-ao-fim do finado. A morte se desvela como perda e, mais do que isso, como aquela perda experimentada pelos que ficam. Ao sofrer a perda, não se tem acesso à perda ontológica como tal, sofrida por quem morre. Em sentido genuíno, não fazemos a experiência da morte dos outros.” (Heidegger, Ser e Tempo, 2006, p.313). A questão que se coloca é sobre o sentido ontológico da morte de quem morre. Temos que, então, para tal, nos voltarmos para a nossa própria presença, “ninguém pode retirar do outro a sua morte” (Heidegger, Ser e Tempo, 2006, p.314). “Cada presença deve, ela mesma e a cada vez, assumir a sua própria morte. Na medida em que é, a morte é, essencialmente e cada vez, minha. E de fato, significa uma possibilidade ontológica singular, pois coloca totalmente em jogo o ser próprio de cada presença.” (Heidegger, Ser e Tempo, 2006, p.314)

Então, a presença não pode compreender ontologicamente a morte dos outros entes dotados de presença, tal experiência ontológica está reservada no seu próprio ser-para-o-fim ou ser-para-a-morte que é inalienável de si mesma, a morte é de cada presença e não pode, portanto, ser compartilhada, uma vez que, em Heidegger, a morte é o fenômeno pelo qual a presença se singulariza e toma a morte como a morte dela e não de outros.

Heidegger, a partir desta constatação, parte para o seu objetivo precípuo quando tematiza a morte, qual seja, a possibilidade de uma interpretação ontológica da morte. “O que cabe é buscar na própria presença o sentido existencial de seu chegar-ao-fim e mostrar que esse ‘findar’ pode constituir todo o ser desse ente que existe.” (Heidegger, Ser e Tempo, 2006, p.316).

Através da morte, Heidegger, quer chegar à totalidade do ser da presença, e o que ocorre é que com a analítica da presença como ser-para-a-morte chega-se à singularidade de cada presença, pois a morte é uma experiência única e da qual não se pode escapar. “O chegar-ao-fim encerra em si um modo de ser absolutamente insubstituível para cada presença singular.” (p.316) Esta é a conclusão lógica de Heidegger, como presença que sou, só posso ter a morte como a minha morte.



CAPÍTULO II – O SER-PARA-A-MORTE COMO ESSÊNCIA DA PRESENÇA



“Há na presença uma ‘não-totalidade’ contínua e ineliminável, que encontra seu fim com a morte. Mas será que se deve interpretar como pendente o fato fenomenal de que esse ainda-não ‘pertence’ à presença enquanto ela é?” (Heidegger, Ser e Tempo, 2006, p.316) Ora, para Heidegger, o ainda-não da morte da presença não é necessariamente uma pendência, uma vez que o ser-para-a-morte define ontologicamente a própria presença no seu ser próprio. Então, somente podemos dar este ainda-não como pendência numa concepção imprópria do ser-para-a-morte da presença, o que se vê na cotidianidade que oculta a morte existencial.

“A falta enquanto o que está pendente, não proporciona, de forma alguma, a determinação ontológica do ainda-não que, como morte possível, pertence à presença.” (Heidegger, Ser e Tempo, 2006, p.317). “Esse ente não possui, absolutamente, o modo de ser do que está à mão dentro do mundo. ... A presença sempre existe no modo em que o seu ainda-não lhe pertence.” (Idem).

A presença, segundo o que diz Heidegger acima, não se determina tal qual um ente à mão no mundo circundante das ocupações, portanto, não pode ser objeto de coisificação, nem ser tomado como ser simplesmente dado, interpretando-se erroneamente a sua morte como um ainda-não pendente e não como uma essência do ser da presença.

Será que a morte, a que chega a presença, é uma completude? Com a morte a presença completou o seu curso? Mas terá a presença com a morte esgotado suas possibilidades específicas? Não lhe terão sido justamente retiradas estas possibilidades? A presença, na maior parte das vezes, finda na incompletude ou na decrepitude e desgaste. “Findar não diz necessariamente completar-se.” (Heidegger, Ser e Tempo, 2006, p.319). Então, vem a questão: “Em que sentido a morte deve ser concebida como findar da presença?” (Idem).

Heidegger afirma que a morte não é uma completude do existir do ser da presença, ou seja, ela não é um arremate de tudo o que se viveu enquanto presença, não há relação de necessidade entre a morte e a completude ou plenitude de uma determinada vida do ser da presença. Não há um fim do caminho percorrido pela presença, já que tal fim do ser-para-a-morte da presença se dá o tempo todo na sua existência. “Na morte, a presença nem se completa, nem simplesmente desaparece, nem acaba e nem pode estar disponível à mão.” (Heidegger, Ser e Tempo, 2006, p.320).

“Da mesma forma que a presença, enquanto é, constantemente já é o seu ainda-não, ela também já é sempre o seu fim. O findar implicado na morte não significa o estar-no-fim da presença, mas o seu ser-para-o-fim. A morte é um modo de ser que a presença assume no momento em que é.” (Heidegger, Ser e Tempo, 2006, p.320). “Enquanto ser-para-o-fim, o findar reclama um esclarecimento ontológico haurido no modo de ser da presença.” (Idem). “A caracterização do fenômeno em questão (ainda-não ser, findar, totalidade) só terá êxito em se orientando, de forma precisa, no sentido da constituição ontológica da presença.” (Heidegger, Ser e Tempo, 2006, p.321). “A interpretação analítico-existencial positiva da morte e de seu caráter de fim deve obedecer ao fio condutor da constituição fundamental da presença” (Heidegger, Ser e Tempo, 2006, p.321).

Como dito acima pelo próprio Heidegger, para se ter uma ideia ou uma compreensão adequadas da morte existencial da presença ou de seu ser-para-a-morte, é necessário que, para tal, tenhamos em conta uma analítica ontológica do modo de ser da presença, que é, por sua vez, fundamento para a compreensão de si mesma no sentido dado pelo findar ou pelo ser-para-a-morte como sua essência e totalidade. Tal afirmação não constitui petição de princípio, uma vez que o próprio Heidegger nos alerta em Ser e Tempo da circularidade dos raciocínios de seu empreendimento, não há, portanto, qualquer contradição em dizer que o ser-para-a-morte se compreende numa analítica existencial da presença e vice-versa, o modo de compreensão é unificado.



CAPÍTULO III – A DELIMITAÇÃO DA ANÁLISE EXISTENCIAL DA MORTE



“No sentido mais amplo, a morte é um fenômeno da vida. Deve-se entender a vida como uma espécie de ser ao qual pertence um ser-no-mundo.” (Heidegger, Ser e Tempo, 2006, p.321). “No âmbito da ontologia da presença ... a análise existencial da morte subordina-se a uma caracterização da constituição fundamental da presença.” (Heidegger, Ser e Tempo, 2006, p.322). Temos aí, novamente, a relação do fundamento da presença como o seu ser-para-a-morte, a essência da existência em Heidegger se define, portanto, na morte existencial.

“A interpretação existencial da morte precede toda biologia ou ontologia da vida. É ela que fundamenta qualquer investigação histórico-biográfica e psico-etnológica da morte. (Heidegger, Ser e Tempo, 2006, p.322). Temos aí, então, que, a ontologia da presença como uma interpretação existencial da morte precede toda cognição acerca de seu conteúdo ôntico. Ou seja, a morte existencial precede na compreensão heideggeriana as suas implicações cotidianas ou da natureza de um conhecimento constituído.

“Caso se determine a morte como fim da presença, isto é, do ser-no-mundo, ainda não se poderá decidir onticamente se, ‘depois da morte’ um outro modo de ser, seja superior ou inferior, é ainda possível.” (Heidegger, Ser e Tempo, 2006, p.323). “Interpretando-se o fenômeno meramente como algo que se instala na presença enquanto possibilidade ontológica de cada presença singular, a análise da morte permanecerá inteiramente ‘neste mundo’.” (Idem). “A interpretação ontológica da morte ligada a este mundo precede toda especulação ôntica referida ao outro mundo.” (Ibidem). “A análise existencial precede as questões da biologia, psicologia, teodicéia e teologia da morte.... A morte é uma possibilidade privilegiada da presença.” (Ibidem).

Nas citações heideggerianas acima fica evidente que o pensamento de Heidegger é anterior no sentido ontológico do termo, sua análise existencial antecipa-se em relação aos significados ônticos ou cognitivos possíveis, sendo então uma analítica ontológica radical da presença e sua relação constante com a sua morte existencial.

“Por outro lado, a análise não pode ater-se a uma ideia da morte, cogitada ao acaso e arbitrariamente. Somente uma caracterização ontológica prévia do modo de ser em que o ‘fim’ se instala na cotidianidade mediana da presença é que pode guiar este arbítrio.” (Heidegger, Ser e Tempo, 2006, p.323).

“A morte é uma possibilidade ontológica que a própria presença sempre tem de assumir. ... Nessa possibilidade, o que está em jogo para a presença é pura e simplesmente seu ser-no-mundo. Sua morte é a possibilidade de poder não mais ser presença. Essa possibilidade mais própria e irremissível é, ao mesmo tempo, a mais extrema. Enquanto poder-ser, a presença não é capaz de superar a possibilidade da morte. A morte é, em última instância, a possibilidade da impossibilidade pura e simples da presença. Desse modo, a morte desvela-se como a possibilidade mais própria, irremissível e insuperável. ... Essa possibilidade existencial funda-se em que a presença está, essencialmente, aberta para si mesma e isso no modo de anteceder-a-si-mesma. Esse momento estrutural da cura possui sua concreção mais originária no ser-para-a-morte.” (Heidegger, Ser e Tempo, 2006, p.326).

Heidegger deixa claro que há uma necessidade existencial da presença assumir o seu ser-para-a-morte como o único caminho possível para uma compreensão de sua essência e determinar, deste modo, como a presença deve lidar de forma adequada com esta possibilidade extrema da morte, uma vez que na cotidianidade isto é ocultado na impessoalidade.

Ser-para-a-morte: em existindo, a presença já está lançada nessa possibilidade, portanto, a morte não é algo suplementar ou ocasional. Ou seja, a existência autêntica e plena reconhece o fato da morte existencial como indispensável tanto para a compreensão do que é a presença como, uma vez compreendendo o ser da presença, nos encaminhemos, com isso, para a compreensão do sentido do ser em geral, já que tal é o grande projeto filosófico heideggeriano.



CAPÍTULO IV – A ANGÚSTIA E O SER-PARA-A-MORTE NA COTIDIANIDADE



“É na disposição da angústia que o estar-lançado na morte se desvela para a presença de modo mais originário e penetrante. A angústia com a morte é angústia ‘com’ o poder-ser mais próprio, irremissível e insuperável. O próprio ser-no-mundo é aquilo com que ela se angustia. O porquê dessa angústia é o puro e simples poder-ser da presença.” (Heidegger, Ser e Tempo, 2006, p.326 e 327). Ou seja, tal angústia é a própria certificação da morte como algo inexorável e, portanto, é como se a angústia fosse a chave para a compreensão do ser-para-a-morte propriamente dito. Isto é, com a angústia toda fuga da morte se desvanece.

“Que, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, muitos de fato não sabem da morte, isso não pode ser aduzido como prova de que o ser-para-a-morte não pertença de maneira geral à presença. Isso apenas mostra que, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, a presença encobre para si mesma o ser-para-a-morte mais próprio em dele fugindo.” (Heidegger, Ser e Tempo, 2006, p.327) (Obs: na decadência de um empenhar-se no mundo das ocupações anuncia-se a fuga da estranheza, isto é, do ser-para-a-morte mais próprio). “Existência, facticidade e decadência caracterizam o ser-para-o-fim, constituindo, pois, o conceito existencial da morte.” (Idem).

“Pertencendo originária e essencialmente ao ser da presença, o ser-para-a-morte deve também ser comprovado na cotidianidade – embora numa primeira aproximação, de maneira imprópria.” (Ibidem).

O próprio da cotidianidade é o impessoal, constituído na interpretação pública expressa na falação. ... O teor público da convivência cotidiana conhece a morte como uma ocorrência que sempre vem ao encontro, ou seja, como ‘casos de morte’. ... ‘A morte’ vem ao encontro como um acontecimento conhecido, que ocorre dentro do mundo. ... A fala pronunciada sobre a morte diz o seguinte: algum dia, por fim, também se morre, mas, de imediato, não se é atingido pela morte.” (Heidegger, Ser e Tempo, 2006, p.328) Ou seja, uma vez que a compreensão cotidiana do ser-para-a-morte encobre o seu sentido originário e cabal de fim existencial, temos que o impessoal invade tal reflexão e determina a morte como a morte de ninguém, não há um pensar na morte como algo irremissível, a morte é algo banal do qual não se tem o sentido, morre-se o tempo todo no mundo circundante mas isto não atinge a presença enquanto tal.

“O impessoal não permite a coragem de se assumir a angústia com a morte ... o que cabe é a tranquilidade indiferente frente ao fato de que se morre. A elaboração dessa indiferença superior aliena a presença de seu poder-ser mais próprio e irremissível.” (Heidegger, Ser e Tempo, 2006, p.330). Fica claro aqui o sentido alienante em relação à morte existencial da cotidianidade para Heidegger.



CAPÍTULO V – O PROJETO EXISTENCIAL DE UM SER-PARA-A-MORTE EM SENTIDO PRÓPRIO



“Numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, a presença se atém faticamente a um ser-para-a-morte impróprio. Como se haverá de caracterizar ‘objetivamente’ a possibilidade ontológica de um ser-para-a-morte em sentido próprio? (Heidegger, Ser e Tempo, 2006, p.336). “Ser-para-a-morte em sentido próprio não pode escapar da possibilidade mais própria e irremissível e, nessa fuga, encobri-la e alterar o seu sentido em favor da compreensão do impessoal.” (Heideggger, Ser e Tempo, 2006, p.337). O que Heidegger quer dizer nestes trechos é que a fuga para o impessoal da cotidianidade é inútil em relação ao sentido próprio do ser-para-a-morte, podemos postergá-lo mas não evitá-lo, podemos ignorá-lo ao máximo, mas um dia tal situação existencial tomará o que lhe é próprio e devido na sua irremissibilidade. Lembrando que“ a morte enquanto algo possível não é um manual e nem algo simplesmente dado possível, e sim uma possibilidade de ser da presença.” ( Heidegger, Ser e Tempo, 2006, p.338).

“ O ser para a possibilidade enquanto ser-para-a-morte, no entanto, deve relacionar-se para com a morte de tal modo que ela se desvele nesse ser e para ele como possibilidade. Apreendemos, terminologicamente, esse ser para a possibilidade como antecipar da possibilidade.”(Heidegger, Ser e Tempo, 2006, p.339). (obs: morte = possibilidade da impossibilidade da existência). “Enquanto antecipação da possibilidade, o ser-para-a-morte é que possibilita essa possibilidade e que a libera como tal.” (Idem).

“Ser-para-a-morte é antecipar o poder-ser de um ente cujo modo de ser é, em si mesmo, o antecipar. Ao desvelar numa antecipação esse poder-ser, a presença abre-se para si mesma, no tocante à sua possibilidade mais extrema. Projetar-se para seu poder-ser mais próprio significa, contudo: poder compreender-se no ser de um ente assim desvelado: existir. A antecipação comprova-se como possibilidade de compreender seu poder-ser mais próprio e mais extremo, ou seja, enquanto possibilidade de existir em sentido próprio.” (Heidegger, Ser e Tempo, 2006, p.339/340). Enfim, “a morte é a possibilidade mais própria da presença.” (Heidegger, Ser e Tempo, 2006, p.340). Portanto, é através desta antecipação que é possível para a presença se desgarrar do impessoal, é no seu sentido próprio de ser-para-a-morte irremissível que a presença supera a letargia existencial da ignorância do impessoal.

“A morte não apenas pertence de forma não indiferente à própria presença, como reivindica a presença enquanto singular. A irremissibilidade da morte, compreendida no antecipar, singulariza a presença em si mesma.” (Idem). Entende-se aqui então que, a presença se singulariza através de sua morte, é a sua essência como ser-para-a-morte que lhe dá uma identidade existencial diferente de todas as outras e imune da homogeneidade medíocre do impessoal.

“Ao se delimitar no projeto existencial o antecipar, tornou-se visível a possibilidade ontológica de um ser-para-a-morte em sentido próprio. Com isso, surge também a possibilidade de a presença poder-ser toda em sentido próprio, mas somente como uma possibilidade ontológica.” (Heidegger, Ser e Tempo, 2006, p.344). “Apesar disso, esse ser-para-a-morte existencialmente possível permaneceu, do ponto de vista existenciário, uma suposição fantástica. A possibilidade ontológica de a presença poder-ser toda em sentido próprio nada significa, porém, enquanto não se demonstrar, a partir da própria presença, o poder-ser ôntico que lhe corresponde.” (Idem).



CONCLUSÃO



No trecho acima fica evidente que o projeto filosófico heideggeriano, no que concerne à morte existencial, que é, por sua vez, um findar ontológico, precisa de uma confirmação ôntica, o que demanda uma outra reflexão que não cabe aqui demonstrar, uma vez que a própria reflexão heideggeriana não se esgotou na obra Ser e Tempo que, como muitos sabem, é um projeto inacabado, mas é a sua abertura existencial ou ontológica, sua obstinação por edificar uma ontologia fundamental, que torna tal obra indispensável para a reflexão da filosofia contemporânea.

Feita uma reflexão acerca do sentido do ser-para-a-morte na analítica existencial da presença em Heidegger, temos que, no modo em que ela se dá, ela é uma contribuição valiosa para que possamos ir além do ôntico e do cognitivo quando se fala de existência ou do que é humano como presença e não como sujeito cognoscente.

O grande avanço de Heidegger, no tocante aos seus questionamentos, é que ele vai além dos antigos e dos modernos no sentido ontológico, o que não quer dizer que Heidegger seja infalível, uma vez que seu projeto ficou por se completar, o que não é um demérito, mas um motivo para que não fiquemos satisfeitos com Ser e Tempo, já que o sentido do ser em geral, que era o projeto original de Heidegger, terminou no início do longo caminho de uma ontologia fundamental, qual seja, a analítica existencial da presença.



















BIBLIOGRAFIA:



Heidegger, Martin, Ser e Tempo, Ed. Vozes, 2006.

Heidegger, Martin, Ensaios e Conferências, Ed. Vozes.

Heidegger, Martin, A Caminho da Linguagem, Ed. Vozes.

Heidegger, Martin, Marcas do Caminho, Ed. Vozes.

Heidegger, Martin, Os Conceitos Fundamentais da Metafísica, Forense Universitária, 2003.

Heidegger, Martin, Seminários de Zollikon, Ed. Vozes, 2001.

Heidegger, Martin, Meditação, Ed. Vozes.

Dubois, Christian, Heidegger – Introdução a uma Leitura, Ed. Jorge Zahar, 2004.

Figal, Gunter, Martin Heidegger : Fenomenologia da Liberdade, Forense Universitária.

Nunes, Benedito, Heidegger & Ser e Tempo, Ed. Jorge Zahar.

terça-feira, 12 de abril de 2011

A HORA DOS VIVENTES

Construamos os nossos destinos.

Tal é a intensa sombra com a qual

dizemos entrever futuros.



Tudo para que o nosso caminho

seja justo.

E que Deus nos acompanhe

nesta imensa senda,

de onde nós tiramos a seiva

que nos dá a força

de mais um dia e outros mais.



Sabe-se lá qual é a flor e o campo

em que as paixões renascem,

fortes como escudos

defendendo suas crenças.

Eu estive em mim como grande palco

de virtude, esperança e calor.

Pela beleza eu tenho o sangue

e a pele bronzeada do céu

que o sol invade.



Doce rumor de esmeralda,

tua maçã é da vida

e tua horta é da vida!

Eu não esqueço:

Um amor poderá viver

deste consolo,

e ser eterno como o fogo.



12/08/2009 Gustavo Bastos

A QUEDA E O SUPLÍCIO

Da encosta a minha queda é total.

Serve mim um pouco de estória

na bela conflagração dos dias.



Venho com este ar inconsequente

de jovem manhã,

desenhando a rosa tal qual

a sua própria fera,

domando esta fera tal qual

a rosa aberta.



Não sei do ocaso tanto quanto

sei da minha fera.

Não sei do canto tanto quanto

sei da morte.



Eu divaguei pelo sepulcro,

e a juventude gritava

no jardim da fome.



Entrevia nos faróis da ribalta

um ator destemperado

de minhas angústias,

e rosnava feito cão

pela água e pelo sal

que me davam o espírito

de letrado em febre.



Melhor ser o cantor da flâmula

e do mistério dos refinamentos.

Tenho uma sombra na qual dormir,

e num dia agreste qualquer,

desnutrido e exangue,

estarei pronto

ao massacre

do meu corpo,

estando livre de vaticínios.



Suplício, dor, exéquias, sevícias.

Todos os ventres fortes

e a mão do soco

em território de fogo

e redenção.

Eis que estou vivendo,

e a queda nunca me matou.



02/08/2009 Gustavo Bastos

MODO DE VIVER

Quem reclama da vida,

quem não ama a vida,

quem vacila a cada dia,

não tem o gosto da manhã,

nem o trabalho da tarde,

nem o descanso da noite.



Quem ama verdadeiramente a vida

não cultiva tolices em sua cabeça.

Quem vive para a poesia,

não quer saber de vãs solitudes.

Quem quer se desculpar

por não adorar o seu próprio ser,

não merece o título de ser humano.



Ora, tudo passa rapidamente

diante de nossos olhos,

o que nos cabe é aperfeiçoar

o modo de olhar,

e assim enxergar a vida.



26/07/2009 Gustavo Bastos

PLENITUDE

É breve a estrela,

pois ainda descansa na imensidão,

vem o dia e com ele o sol,

já desponta meu céu delicioso,

uma constelação vem depois,

o universo, eterno e infinito,

se faz de ramagens e cirandas.



Não tem mais ilusão,

o mistério cosmográfico

é a noite poetisa

de sonho bom e morno,

como uma flor que se abre,

noite de abóbada enfeitada

pelas mãos do demiurgo,

grande fermento

de desvario e canção,

eu sou o que contempla,

e a constelação é plena.



26/07/2009 Gustavo Bastos

O SENTIDO DA COISA

Sentido é o que procura a pena.

De tais e tais consolos

uma nau nua nas enseadas,

um amuleto de conchas

e um cinzel de nuanças chocantes.



Se é o poeta que diz certas coisas,

é o mesmo poeta que diz coisas incertas.



E num casco, num asco, num frasco,

todos os seus volteios e assopros.

Fumaça no céu, honra na cama,

já não sou o mesmo,

o que eu era já passou.



Eu tenho o coração aberto

às novidades extremas,

meu batismo é fiel à minha pena.

Deste amor invernal,

como absinto na troada

do silêncio e da névoa,

um dia úmido de uma cova sem refém,

estou vivo em crânio e desdém.



Sentido é o que procuras, trovador?

Qualquer será a composição do sentido,

se este já não estiver no verso que proclamas.



26/07/2009 Gustavo Bastos

DO CONTRADITÓRIO EM POESIA

Por que então chorar copiosamente

se és tu a felicidade?

Ó poema, tão escassa é a tua beleza

que eu mapeio seus horizontes que escapam

à bela forma!



Ó Deus das formas! Por qual vidente

esculpiste os teus versos?



Estou numa encruzilhada ilegítima

de ter escapado da morte,

e num reluzir do sonho

sou fauno e trovadoresco.



Nas antilhas dos delírios

tomaste a minha túnica

e me levaste ao mundo das formas.



Onde existe a lógica em poesia?

Seu degrau meticuloso ignora

a lei fundamental da não-contradição,

pois é não sendo o que é,

e continua sendo o que nunca será.



13/07/2009 Gustavo Bastos

ELOGIO AO NADA

Elegeram como pensador astuto

um qualquer de nome ignorado,

ele era um ser misterioso

e calvo.



Nas suas desditas não se corrompeu

e foi homem de sérias ambições,

ele é o artista,

não é o farsante.

Ele é o artista de uma arte demitificada,

arte sem obscurantismo,

um verdadeiro artista.



Ó nobre cavalheiro, que fazes agora?

Eu tenho tanto para compartilhar

com vossa senhoria,

mas por onde vais?



Ele diz: "Sou o artista sem nome,

não tenho palácios e não ergo castelos,

tenho apenas um verso simples,

da cor da relva no outono,

como a luz carmesim que deve

embalar os meus sonhos."



Eis que era de todo um ser espetáculo,

seus dizeres eram elencados

em tratados e apologias.

Seu modo de compreensão das coisas

era realmente profundo.



Fundou uma seita da Ordem dos Ignorados.

Pois é o que diz o ser artista,

ele quer ser o indecifrável enigma

de suas molduras,

é o sono da expectativa

de um poeta jovem.



Então, um jovem poeta se dirige

a este velho artista:

"Em que consiste sua arte?

Por que fundaste uma Ordem deste teor?"

Ao que o velho artista

já com a visão nublada

respondeu sem temor:

"Eu não sou deste mundo,

meu reino é a perdição

e o esquecimento,

como quem nasce novamente

e não se lembra do que fez

no eterno ontem da memória."



A Ordem foi fundada por este

que vos dá a sentença

de seu oráculo:

"Ignora-te a ti mesmo."



Era sua fundação do pensamento

oposto.

No cântico das asas ele fez

seu mistério maior.



Eis como era o cântico das asas:

"Leve a pluma flutua

em cada campo de miséria,

ela flutua como ave desconhecida

no alto de suas paixões enfeitiçadas,

desdém e asco

são fontes de sua filosofia da ignorância,

onde não há o que pensar,

nem tampouco verdade e sabedoria,

a única coisa que importa à ave

é o seu voo,

ela voa para o eternal das asas,

eis a delícia de ser inumana,

não se destina a qualquer amor,

posto que seu amor refulge

nas escadas do infinito,

ela ama o infinito,

delira com o infinito,

e jamais se arrepende de seu desígnio

de ser o sonho de que o homem é feito,

este ser que não tem asas,

e que desconhece os arcanos

da nobre ave,

o que resta ao humano,

depois de ser posto à terra,

é vagar sem direção,

ignorando-se a si mesmo,

como mandamento perpétuo

de seu doce esquecimento,

onde não há dor e nem pecado,

mas a libertação total de seu ser pensante."



O artista era agora o sacerdote,

e seu plano de voo

tinha como mandamento

o esquecimento.

Nunca mais as torturas da memória,

apenas o que finda

e a felicidade do inumano,

sobretudo das asas

e de seu canto eterno.



O infinito é o destino,

e a mística ensinada

pela nova Ordem é fatídica:

"O ser sofre, o não ser é a liberdade."



20/06/2009 Gustavo Bastos