PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

terça-feira, 30 de abril de 2013

SORRIR

A mim, os fatos ruíram
o coração.
Despedaça-me, amor fatal!

Para os outros,
morri enquanto
vivia.

Para mim, a canção se espalha.
Eu tive todo o coração
exposto em dança,
o fundo musical macabro
quis me morrer,
e eu vinguei na praça pública
o poema para sorrir.

30/04/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

SOBREVIDA DOS POEMAS

O trabalho do tear
traz sete camadas
de loucura.
A caixa de ferramentas
sobra no fim do armazém.
Utensílios, a faca e o parafuso
para cortar e pregar,
os poemas desencontrados
para costurar,
os dias perdidos pelos
cantos imaginários.

Aperto o peito contra a parede,
vejo o muro e pulo,
meu peito contra o muro,
meu peito na parede,
meu peito batendo no teto.

Uso a faca para fatiar
as estrofes,
não sobra muita coisa
em minhas mãos,
todo o fardo da tragédia
foi derramado,
o solo está inundado,
e a relva cresce
nos poemas
que sobreviveram.

30/04/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

CORPO ILUDIDO

Descansa, reta, a pena.
O elmo e o disco
rodando na mão
do poeta,
ao fundo o castelo,
nos olhos o limo,
flor astuta corrói
o tempo, ele já findo
faz outrora.

Doce aurora.
Que mais no ritmo da dança?

Farta espora.
Das mãos adoecidas
de pães ázimos
o luto e a solidão.

Caem os ossos nas carnes,
o espírito imundo flutua,
das coisas poucas
que ele enumerou,
uma fada no sonho
se abriu.

30/04/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)

ENTRE A PROVOCAÇÃO E A AGRESSÃO

   Homens e mulheres têm suas diferenças entre uns e outros, isso é até óbvio de dizer, como estas diferenças de gênero também se refletem no termo de competição entre cada gênero em particular. O homem tem inveja do outro homem que "se dá bem". A competição entre homens é agressiva, pode terminar em luta corporal, é algo atávico e, para os fracos, irresistível, a violência gera prazer para os brutos, e quando isso vai na competição de caça, ou seja, na boate os homens imaturos disputando numa corrida insana quem "pega mais mulher" numa noite, é algo terrível para as mulheres e ridículo para os homens. A imaturidade amorosa, o ridículo da falta de sentimentos, reflete-se numa ideia oca de falsa libertinagem em que o campeão pega todas, come algumas, mas não conhece nenhuma. O vazio está aí: um homem odeia o outro que "pegou" alguma mulher na "night". Infantilismo é o que reina no mundo dos machos. Fora os mentirosos que multiplicam por dez seus feitos eróticos. E os piores de todos: os que puxam as mulheres pelo cabelo relembrando o tempo das cavernas, e que depois de tomarem todas, brigam feito gladiadores, se arrebentam ou arrebentam alguém, e correm o risco de pegar o carro e aí já viu. O sangue corre na luta de playboys duelando na night como se não houvesse amanhã, e as mulheres mais espertas fogem deste tipo típico da night que é roubada na certa!
   A competição entre as mulheres, por sua vez, não vai tanto pela agressividade erótica ou da luta corporal, vai pela provocação, que é o belicismo inerente da competição entre mulheres. A moça bem nutrida sai no estilo "fatal" para a rua. Saltos altos, saia colada na bunda, seios empinados, batom de preferência vermelho. Eu gosto, não vou mentir, acho um espetáculo para os olhos. Os homens ficam loucos, a natureza é uma força irresistível, ainda que isso fique só nos músculos oculares, não levando todos os homens a serem estupradores potenciais, ainda bem. Mas, como muitos dizem por aí, a mulher fatal que sai nas ruas não se veste para os homens, mas para provocar inveja em outras mulheres, o belicismo entre as mulheres é estético, a agressividade entre os homens é disputa de força, uma coisa mais hobbesiana. A competição entre as mulheres, por sua vez, não tem esta violência atávica presente na competição entre homens, o belicismo estético é a guerra entre as mulheres, não uma disputa de força mais, mas uma disputa de humilhações, ou seja, de poder por si mesmo, não há agressividade, luta corporal, há provocação, o corpo não é instrumento da violência, como entre os homens, mas instrumento provocador que humilha o oponente através do erotismo e da beleza. A luta das mulheres é metaforicamente corporal, a dos homens é de fato corporal e violenta. A disputa pela força seduz os homens, a disputa via humilhação estética é o objetivo de toda mulher fatal. E então ela sai, a saia levanta e ela dá aquela abaixadinha, num paradoxo maravilhoso entre exibicionismo e pudor.
   As mulheres são bélicas na estética, os homens são agressivos num complexo de "macho" que tem que afirmar a cada segundo como se é forte e como se é "pegador". A competição entre os homens é o consumismo de fêmeas, a competição entre as mulheres é a luta entre fêmeas para ver quem tem mais poder, é uma coisa muito mais sutil e maquiavélica que o mundo hobbesiano dos homens. A mulher fatal, ao sair para a rua enfeitada, mata dois coelhos numa cajadada só: provoca as outras mulheres, humilhando-as,  que é o objetivo principal, e de lambuja comanda os olhos de vários homens babando hipnotizados. Mas como é bom olhar para elas!

Crônica. 30/04/2013 (Gustavo Bastos)
  

domingo, 28 de abril de 2013

ORWELL E DISTOPIA DE 1984

"O GRANDE IRMÃO ESTÁ DE OLHO EM VOCÊ. "

  Eric Arthur Blair foi um escritor e jornalista inglês, mas escrevia sob o pseudônimo de George Orwell. Ficou muito conhecido, sobretudo, por duas obras literárias: A Revolução dos Bichos, e pelo romance distópico 1984, que foi a sua última obra antes de morrer em 1950, aos 46 anos. O livro 1984 foi publicado em 1949, e se tornou um dos mais famosos romances ingleses do século XX.
   1984 se passa numa Londres do futuro, já como principal cidade da chamada Faixa Aérea Um, terceira mais populosa das províncias da Oceânia. O mundo orwelliano de 1984 consistia em três superpotências isoladas entre si: Oceânia, onde se passa todo o romance, e as outras duas, Eurásia e Lestásia.
   Winston Smith é o personagem principal do romance 1984. Ele trabalha no Departamento de Documentação, vigiado por um sistema totalitário em seu último grau de poder pelo poder, o chamado poder puro do Partido, onde o Grande Irmão, pelas suas teletelas, vigia os passos de todos, e pôsteres colados por toda parte, mostravam a imagem de um rosto de bigode negro a olhar para baixo, e o letreiro escrito como uma voz de coerção: O GRANDE IRMÃO ESTÁ DE OLHO EM VOCÊ.
   Pois era assim que o Partido, entidade onipresente em Oceânia, exercia seu poder. Winston Smith escondia em pensamento sua contestação a tal ordem das coisas. Mas é exatamente no pensamento que o Partido e sua personificação no Grande Irmão tomam para si o poder, o que será chamado de poder puro. Não havia um projeto de sociedade, os "proletas" (proletariado) não tinham ideias políticas, eles viviam no seu mundo, quem dominava tudo era o Partido, a coletivização era em função de um projeto de poder, o viés social não existia, toda estratificação era reflexo deste mundo do Partido como poder puro.
   Winston buscava uma saída, ele estava atrás de algo que o libertasse daquilo, ouvia dizer numa tal de Confraria, onde as ideias de um ficitício Goldstein circulava como promessa de libertação do pensamento. Já que, no mundo particular de Oceânia, o Partido manifestava seu poder sob a face do Grande Irmão, enquanto o rosto de Emmanuel Goldstein, o Inimigo do Povo, surgia na tela como exemplo do que não crer. O Grande Irmão e suas teletelas vigiavam o trabalho e a rotina da população, só escapava de tal controle alguns guetos dos proletas, lugares nos quais Winston se refugiaria e conheceria Julia, uma refratária do sistema do Partido, e que simbolizava uma liberdade sexual que tinha sido esmagada pelo Partido em sua onipresença e onisciência brutal.
   O Socing (abreviação para Socialismo Inglês), a filosofia vigente da Oceânia, atuava como o agente ideológico para dominação do pensamento da coletividade. Em seu fundamento de destruição ou modificação do passado, em que toda a História anterior ao domínio do Partido é apagada, todas as informações que constituam uma espécie de memória são manipuladas pelo princípio do Socing de deformar tal memória, criando uma realidade de acordo com os objetivos do Partido. Tudo o que era pensado não pertencia aos indivíduos, tudo era pensado pelo Partido, culminando na deformação da realidade de toda ideologia, que vai resultar numa ferramenta excelente de domínio do pensamento através da linguagem: a Novafala, a qual consistirá na redução do vocabulário de Oceânia a novas palavras ideologicamente adequadas ao Partido, e na eliminação de palavras supérfluas e de outras que possam levar alguém a cometer o que se chamava de "pensamento crime".
   Todas as possibilidades de elaboração de um discurso contra o Partido seriam minadas na sua origem, a linguagem, e na Novafala, até sua conclusão final, se tornaria impossível qualquer oposição ao poder total do Partido, que era o poder sobre o pensamento e não mais sobre os corpos, a mente era o objeto de domínio almejado pelo projeto de poder do Partido em Oceânia, e que se fundava também no chamado duplipensamento, que era nada mais que pensar uma coisa e seu oposto, uma alusão de Orwell aos projetos de poder totalitários que surgiram no século XX, em que a ambiguidade era uma regra de sobrevivência e até de conduta para a perpetuação do poder, era o fundo de cinismo de todo poder total.
   Winston Smith tenta lutar contra o domínio do pensamento do Partido, mas acaba sendo capturado pela Polícia das Ideias e é levado ao falso revolucionário no qual havia confiado, O`Brien, este que era o perfeito agente do Partido, o reflexo do Socing, o próprio discurso do Socing: "A realidade existe apenas na mente humana ... não na mente individual ... A realidade existe apenas na mente do Partido, que é coletiva e imortal. Tudo o que o Partido reconhece como verdade é a verdade." (p.292, Orwell, 1984). E continua: "O Partido não se interessa pelo ato em si: é só o pensamento que nos preocupa. Não nos limitamos a destruir os nossos inimigos; nós os transformamos." (p.297, Orwell, 1984)
   Era o equilíbrio mental o objeto do discurso de O`Brien, o que queria dizer a completa destruição da individualidade e a introjeção do Partido na mente para tornar o ser dócil, alienado e mais uma peça do poder puro. O Socing era o pensamento do Partido, e a Novafala era o Socing como o instrumento de dominação da mente individual pela limitação da linguagem, que impossibilitaria, por fim, a manifestação de um pensamento individual. Tudo era questão não de submissão, mas de capturar o âmago da mente, remodelar o herege. O equilíbrio mental era a aceitação do pensamento do Partido, e aí, da aceitação nasceria a convicção, e então não haveria mais resistência da individualidade ao Socing, todos se tornavam membros do poder puro do Partido, o Socing era a ideologia, o Partido o poder puro manifestado, o Grande Irmão uma entidade onipresente e onisciente, e o domínio do pensamento teria sua efetivação total na Novafala.
   Não era a disciplina dos corpos, como se vê no micropoder de Foucalt, a ideologia do Socing e o objetivo do Partido, mas um macropoder que é o poder puro, que é, para se tornar tal, o poder sobre o pensamento, um poder muito mais radical e eficiente que qualquer submissão ou coerção conhecida dos corpos dóceis. No fim, Winston Smith passa por uma lavagem cerebral e resiste ao máximo, seu corpo também sofre, mas é sua mente que capitula e ele passa a amar o Grande Irmão.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário: http://www.seculodiario.com.br/exibir.php?id=6189&secao=14

SOPRO DAS VELAS

A quem, no qual o vulto do coração dardeja,
semeia de um fato consumado
o poder das ilusões?

Se é de fogo a vinha da terra,
e a alma o cântaro imaginado.
Se foi com o corpo do covil da terra,
a flor no cadáver posto.

A quem arrendar a flor da terra?
Se do solo a urtiga conserva seu fogo,
e nas águas submersas o sonho foge.
Se o canto tropical os ossos quebra,
e a mancha da carne o sol congela.

Ver na noite a poesia,
quando ela anda
bêbada e perdida?

Sentir com o coração derrotado
a vitória da flama nas dores
ao vento soprado?

Ou urdir com drama toda a panaceia
da vida com o vigor de uma águia
a profunda unção
de que anjos caídos
são a sua sonora
marcha?

Vento e nada, pois a poesia
que mata e vive é qual sopro.

28/04/2013 Êxtase
(Gustavo Bastos)