PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

sexta-feira, 9 de outubro de 2020

SUICÍDIO : TEORIAS DOS MODELOS COGNITIVOS

"Uma ideia importante sobre o ato suicida, segundo a terapia psicológica, é a incapacidade de resolver problemas" 


Os modelos cognitivos sobre o suicídio se detêm aos aspectos ambiental e aos acontecimentos que contribuem para o ato. Na teoria cognitiva clássica, tem-se a contribuição de Aaron Beck, que coloca os termos numa tríade cognitiva, de esquemas e distorções.

No aspecto cognitivo, é registrado o fenômeno da negatividade, que envolve uma visão negativa sobre o futuro, sobre si mesmo, e uma visão pessimista sobre o mundo, uma combinação que pode levar a uma situação de ideação suicida e, geralmente, estas três visões são fruto de uma mesma tendência, que pode ser colocada como a negatividade em si.

No aspecto de esquemas, há uma condição em que existem comportamentos de certa forma estáveis, que reúnem noções sobre si próprio, sobre os outros e ao meio em que a pessoa vive. Por sua vez, as distorções envolvem erros de interpretação, uma visão que decorre de sensações catastróficas, dicotômicas, ou ainda uma inferência arbitrária.

Na década de 1970, época em que se desenvolveu a Escola de Beck, foram utilizados instrumentos psicométricos que produziriam as Escalas de Desesperança e de Intenção Suicida, o que é bem curioso, ao fazer uma escala métrica de sentimentos subjetivos, isto é, colocar em termos objetivos as condições subjetivas da ideação suicida.

A ideia de rigidez cognitiva aparece então ligada à incapacidade do suicida de encontrar alternativas para a resolução de seus problemas, e têm noções como a de Roy Baumeister, que coloca o suicídio como escape de uma dor psicológica intensa. A fuga vem da tentativa de sair de afetos negativos, e que Roy define como desconstrução cognitiva.

No fenômeno do que se chama borderline, por sua vez, há a desregulação emocional, por exemplo, na sua definição, a terapia comportamental dialética, que vem da proposta de Marsha Linehan.

Nesta abordagem do borderline, esta terapia de Linehan tenta trabalhar os aspectos dialéticos da mente, em que se pode conhecer os déficits nas aptidões para a resolução de problemas, e uma falta de validação da esperança como fonte de mudanças. E a ideação suicida, neste contexto, tem fatores ambientais e comportamentais, pois nos fatores ambientais, são observados os modelos suicidas e nos fatores comportamentais, os aspectos afetivos e cognitivos.

Na teoria dos modos, que foi desenvolvida primeiro por Beck em 1996, e depois estendida por Michael Rudd, que é a teoria dos modos suicidas, estes que são unidades de estruturas cognitivas que se contêm os esquemas. Tais esquemas são suborganizações que tentam elencar a personalidade, e nesta se encontram aspectos cognitivos, afetivos, e também as motivações. Nestes esquemas temos convicções, crenças, que estão ligados à memórias, experiências de vida, condutas e a tão repetida capacidade para resolver problemas.

Thomas Joiner, em sua teoria interpessoal-psicológica, coloca o desejo de morrer numa perspectiva que envolve sentimento de não pertencimento, que seria um deslocamento do sujeito em relação a seu ambiente, e também a noção de o sujeito se sentir um fardo dentro da família, passando também por uma ausência de medo da morte. O suicida pode estar em isolamento social, num estado de desconexão e alienação social.

Outras concepções também passam por relações de estresse em que o suicida se encontra sem saída, numa espécie de ratoeira em que se mistura a desesperança e, mais uma vez, a incapacidade de resolver problemas. Há também o suicida que não consegue mais evocar razões para continuar vivendo, e que pode estar ligadas a traumas de infância ou de adolescência.

Por fim, uma ideia importante sobre o fenômeno suicida, nos modelos cognitivos da terapia psicológica, é a da incapacidade de resolver seus problemas, uma ausência de recursos que o coloca numa situação de vulnerabilidade em que fica sem saída e sem alternativa, numa espécie de circuito fechado delineado por sua incapacidade de discernir uma saída para a sua situação.


Gustavo Bastos, filósofo e escritor. 

Link da Século Diário : https://www.seculodiario.com.br/colunas/as-teorias-dos-modelos-cognitivos-de-suicidio


domingo, 4 de outubro de 2020

DESCARTES E A MACONHA – PARTE II

“o autor narra a figura de um filósofo errante e ligado a figuras políticas”

A primeira partida de Descartes para a Holanda foi em 1618, e foi para se iniciar nas artes militares. A Holanda, na época, tinha as melhores academias militares do mundo, em Breda, por exemplo, se destacava a figura de Maurício de Nassau. Descartes, depois de alguns meses, partiu para a Guerra de Trinta Anos na Alemanha. Ele volta depois para Paris em 1622, mas logo volta para a Holanda, depois de uma misteriosa viagem para a Itália.

Descartes via a Holanda como o lugar das novas técnicas e dos novos saberes, onde ficavam as universidades mais avançadas, foi para Leiden, que era uma espécie de Stanford ou Harvard. Depois, Descartes teve um percurso errático, passando por Franeker, Amsterdã, Deventer, Amsterdã de novo, Utrecht, Leiden, Santpoort, Egmond aan den Hoef, Harderwijk, Endegeest, perto de Leiden, Egmond Binnen.

Para Tobie, não tinha outra, Descartes era um nômade porque era um traficante, e se mudava de endereço para despistar. Descartes procurava a tranquilidade, e, em 1628, se tornou célebre em toda a Europa, Paris já percebera que se tratava de um gênio.

Como está no livro de Pagès : “O boato se espalhou por toda a Europa intelectual, que não era tão grande assim. Um homem de apenas trinta anos havia encontrado um método revolucionário, a chave de um tesouro, um saber novo. Muito antes que ele se dignasse a pegar uma pluma, sem ter escrito uma só linha, já era disputado. Daí sua partida para a Holanda, para longe “dos importunadores e dos curiosos”.”

Contudo, esta tranquilidade poderia ser um mito, pois a Holanda cheirava a pólvora nesta época, numa tensão entre católicos e protestantes que só aumentava, em correntes protestante vindas do calvinismo, com uma Holanda bicéfala, governada por um “stathouder” e um grande pensionista. E foi aí que o “stathouder” Oldenbarnevelt foi decapitado por seu rival Maurício de Nassau, e, em 1628, quando Descartes chegou, a guerra contra a Espanha havia recomeçado.

Uma curiosa vida tranquila, no mesmo país que, trinta anos depois, um filósofo que também buscava a tranquilidade, de nome Spinoza, escolheria uma pousada fixa. Descartes, contudo, não era um eremita, travou contato com os chefes protestantes.

Pagès nos descreve : “Através de sua correspondência com a princesa Elizabete, ele estava em contato com a corte – exilada – de Frederico, o eleitor palatino, efêmero rei da Boêmia. Quando a rainha Cristina da Suécia reavivou a chama huguenote, encontrava-se na sua corte um certo Descartes ... Uma coisa é certa, o “Seigneur du Peron” se interessou muito pela política do seu tempo.”

Pagès segue a sua narrativa : “Quando cheguei no segundo dia à casa de Descartes, não sobrava mais nada do argumento da “tranquilidade” geralmente admitido pelos comentadores. Em 1618 e 1628, o que Descartes procurava e encontrou naquele país eram a euforia e a excitação. Já em Breda, o encontro com Isaac Beeckman tinha livrado de sua indolência este jovem brilhante, mas desocupado.

Se ele retornou sete anos mais tarde, foi para mergulhar em êxtase num caldo de cultura, que reunia sábios holandeses e intelectuais emigrados. A vanguarda liberal da Europa estava lá e em nenhum outro lugar. Quando Roma condenou Galileu em 1633, a Holanda protestante, adepta de suas teorias revolucionárias, propôs asilo ao matemático de Pisa.”

Pagès continua : “no início do século XVII, é naquele país plano que se encontravam as melhores universidades da Europa. Descartes as “experimentou” todas como um aprendiz acompanhante que faz seu “passeio”. Só que ele era o mestre. Ele detinha um novo saber e precisava de discípulos, saídas, aplicações, aliados.

Longe de viver solitário, ele frequentava a elite do país, os maiores sábios, os homens de influência, tal como Constantin Huyghens, secretário do príncipe de Nassau. Sua correspondência testemunha a extensão de sua rede. Como diríamos hoje : ele “se comunicava”. Aquele jovem que gostava mais de guerra do que de tranquilidade conduzia sua própria guerra, de movimento e posição.”

Aqui neste livro Descartes e a Maconha de Frédéric Pàges, o autor narra a figura de um filósofo errante e ligado a figuras políticas, um misto de gênio e aventureiro, alguém que descobrira uma nova chave para o conhecimento, e que, na Holanda, encontrava uma vida movimentada. Tal tranquilidade mítica talvez estivesse no fato de ele ter encontrado um país de pensamento avançado, em harmonia com a sua intuição e seu conhecimento filosóficos.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Link da Século Diário : https://www.seculodiario.com.br/cidades/descartes-e-a-maconha-parte-ii