PEDRA FILOSOFAL

"Em vez de pensar que cada dia que passa é menos um dia na sua vida, pense que foi mais um dia vivido." (Gustavo Bastos)

segunda-feira, 17 de junho de 2019

O SOL DA NOITE

O termo da luta se dá
na paz da vitória,
prenhe o sorriso
encanta a nuvem
e não mais sonha,
já tem o mundo
para si,

depois de toda a luta renhida,
o conquistador do mundo
finca a sua bandeira
e depõe sobre a
sua aventura
repleta de
porres homéricos
e vívidos campos
de juventude
ébria,

ah, sempre vivo este
canto brumoso
que ecoa sol
no silêncio
da noite.

16/06/2019 Gustavo Bastos

DOIDO VARRIDO

Lâmina cega que corta a canção,
revira meus olhos de lágrima
e me arranca o peito do peito,
poema roto de febre e delírio,
me arranca o coração
do coração,

poema torto, me revela o riso
do sorriso que chora e ri
como um labirinto
que no andar claudicante
depois ganha vigor,

me leva do meu peito que
do coração arranca
o próprio peito,

me leva embora da canção
do coração que sai do peito
que me arranca de mim mesmo
como um doido varrido.

16/06/2019 Gustavo Bastos

O EREMITA

Na gruta morava um ermitão
que dormia e meditava
o tempo todo,
seu sonho de menino
era sair do corpo,
seu transe místico
poderia ser embuste,
e seu corpo exangue
um simulacro vívido
que ele nunca
conheceu, dentro
de seu casulo,
ele viveu pobre
e iluminado,
como um anjo roto
que medita e dorme.

16/06/2019 Gustavo Bastos

FLORES NAS RUAS

Batia o sino, o dobre dos monges
levitava em bom tom,
ressoava a vida santa
em acédia de vícios
exangues,

lutavam os renunciantes
com suas canções delirantes,
e as trevas enegreciam
suas rezas com vultos gozosos
como demônios de virações
em tempestades,

oh, um poeta ali passava,
e sorria no mundo da vida
por estar em plenitude
e vigor de suas faculdades,
como o sábio que fugiu
das rezas e dos incensos
e decidiu pintar
flores nos muros
das ruas.

16/06/2019 Gustavo Bastos

PALÁCIO DO CREPÚSCULO

Prenhe a nuvem desliza
entre os poros da poesia,
eu li no jornal da manhã
febres d`aurora,
e os risos aos montes
faziam risos de sorrisos
em meus vinhos
que sorriam,

a nuvem flutuava
em meu sonho infante
como um terrível canto
de rouxinol,

leve estava o sol nas
formas de um corpo dourado,
o sol e seu palácio
real de seres de luz,
o sol que da nuvem
lhe dá a cor do crepúsculo
e de arrebol.

16/06/2019 Gustavo Bastos

FLÂNEURS

O que ressoa no silêncio das dores?
Vem um tempo imóvel em que
o coração congelará,
o frio da noite aportará
como um corvo
nos sentidos
do triste
que sucumbe,

mas, com certo sol virado,
alguns loucos de hospício
pensarão ser deuses,
e farão revoluções
usando asas imaginárias
numa pletora
de artistas
embriagados,

neste novo vício será
gerada a virtude,
canções de roda
e brilhos brocados
como deambulações
de infantes flâneurs.

16/06/2019 Gustavo Bastos

GALHOFA

No fogo-fátuo dos risos
de comédia bufa
morria o espelho
quebrado dos
trágicos insossos,

Aristófanes ria
nas nuvens socráticas,
e uma luta renhida
temperava em Eurípedes
uma certa sede
que nascera
de Téspis,
que pensava
ser um fauno,

no teatro arborizado
o proscênio
encantava
e mais uma vez
Aristófanes
fazia galhofa
dos austeros.

16/06/2019 Gustavo Bastos

RIOS DE MARES

Que ritmo de lua lhe
intumesce o peito?
Feroz como lua de absurdo
e ventre potente
em certa vida solar.

O poeta reflui no rio rio,
mar de oceano que lhe
acende os olhos da água,
verte como águia
rios de rios
de mares,
mares rios
como oceanos,

a lua se embrenha
em seu caudal de topázio,
e acorda em senda
germinada
em luta.

16/06/2019 Gustavo Bastos

CÉU INFINITO

Traça a reta o lindo pássaro
que voa com volúpia,
seu norte é um céu
portentoso com
a chama que lhe
acende o peito voador,

vai, e diz aos que ficam
na terra que não há
lugar como nuvem
e sol, que não existe
brilho maior
do que voar,
e solta tuas
asas com
força e a sabedoria
de anjo que
mora na alma
deste céu
infinito.

16/06/2019 Gustavo Bastos

MUNDO LOUCO

O bispo gritou no santuário
que os pecadores terão
seus atavios julgados
por um juiz de várzea,
diabolus in musica
aqui ressoará
as trombetas,
e os anjos descerão
contra os idólatras
e seus bezerros de ouro,
uma lamúria tomará
o cenário repleto
de almas penadas,
e os santos renascidos
farão milagres
como pastores
de fancaria
nos rincões
do mundo.

16/06/2019 Gustavo Bastos

NUVEM AZUL

No fim do cosmos estará
a voz divina
como uma entropia
que geme em seus
estertores,

toda a história do mundo
voltará a um casulo
que não tem mais
serventia, as estrelas
entrarão em colapso,
e os poetas desaparecerão
numa nuvem azul.

16/06/2019 Gustavo Bastos

CONTINENTE

O continente acorda em mim
como um grande sonho descoberto,
meus caminhos se abrem
diante do mar singrado
que me revela as entranhas
do mundo profundo,

o continente que mora em mim
se vê diante de um mar
profundo e misterioso,
e as águas revoltas
da ressaca caem
sobre a areia de
minha praia,
na tormenta do sol
que arrebenta
as minhas
retinas.

16/06/2019 Gustavo Bastos

O PRESTIDIGITADOR

Os truques do prestidigitador
lhe denunciam o ardil,
seu espasmo de tartufo
engana os néscios,
mas perde seu intento
diante dos sábios,

o porte austero dos
velhos vetustos
lhe colocam em
palco nu,
o seu ardil exangue
tem a estreiteza
do estelionato,
sua astúcia primária
cai como uma tragédia
quando seu truque
vira caricatura
e seu ridículo
adormece no chiste
dos que lhe riem
como uma nêmesis
brutal.

16/06/2019 Gustavo Bastos

MAPA DA VIDA

O mapa se abria neste astrolábio
de um deus-atlas,
geometria precisa das penínsulas
e o atol que guardava
as chaves do vale profundo,

venho deste canto pastoril,
a ver o mapa sobre a
minha mesa, traçando
a estratégia certa como
um Erastótenes viciado
em rotas infinitas,

o mapa de um atlas forte,
traçando seu intento
com o esquadro e a
diagramação que
desenha sobre o
relevo todo
um certo ar
de desbravador
das terras incultas,
como um conrad
no coração das trevas,
ou um Rimbaud
em Aden depois
das iluminuras.

16/06/2019 Gustavo Bastos

MORFINA

Por entre os dentes
uma fúria famélica
acordava o sonhador
depois de seu delírio
de rosas,

os bosques lhe davam
um ar de mandrião,
ele dormia o tempo
todo na grama
e fumava qual
um celerado,

seu dito de sábio
era de névoa,
e sua linha de razões
era produto
de seu insano
sono de morfeu.

16/06/2019 Gustavo Bastos

ARQUITETURA DO PASTOR

O pasto levanta com ar de floresta
certos veios cinzelados
da pintura, o poeta-pintor
pressente a flor na lótus
que vira os olhos
em seus sóis de lua,

o pasto refunda a vida do rebanho,
balidos ecoam na aura do dia,
os uivos dos lobos morrem
frente à luz que gerava
tais poetas-pastores,
poetas-pintores
com cajados
e pinceis,
poetas-escultores
com goivas e cinzeis,

certa pedraria
e capiteis dóricos
sob a frondosa
barroca e religiosa
canção das
santas ceias,
floreios que
dão em rococó
depois de um
delírio pré-rafaelita.

16/06/2019 Gustavo Bastos

OS NOVOS POETAS

Os fardos dos ébrios não
ecoam na poesia,
ah, vamos à luta
com brios vertidos
em sons metálicos,

a miséria dos miseráveis
não ecoa na poesia,
o ardil e a porfia
não nascem na poesia,
os hipócritas morrem
com a poesia,
os enormes castelos
de poetas giram
sobre os cadáveres
e as sombras
da terra arrasada,

ah, os fardos são de feno
e não de suicidas,
os poetas novos
não nascem mais
para morrer ou
matar,
mas para
brilhar.

16/06/2019 Gustavo Bastos

FEBRE MALLARMAICA

Apollinaire brincava de dados,
fundou seu vinho de Mallarmé
com muita mestria,
e Cummings em seu devaneio
era mais doido
que um dadaísta
pretensioso,

nas horas valentes
eu via Apollinaire
com certa fúria
desregrada,
um cubismo de verso
arrancado
à fórceps,
seu Mallarmé
ali ecoava
como o primeiro
revolucionário
da poesia.

16/06/2019 Gustavo Bastos

O TOUREIRO DE MADRI

Surge o toureiro de Madri,
o touro valente lhe
dá a chifrada mortal,
seu peito jorra o vermelho,
o toureiro está
todo vermelho,
o vermelho que lhe
cai de seu intento,
colhendo seus rubros
que jorram vermelho
ao ver seu touro
de olhos vermelhos
com a fúria rubra
de seu sangue
que luta
como um animal
que faz justiça.

16/06/2019 Gustavo Bastos

ALMA DENSA

A alma densa tem este
corpo esférico,
adensa como liga de aço
o coração maduro,

a alma densa tem o rigor
da pedra edificada,
tem a dureza de diamante
que irradia ternura,

a alma vitoriosa
toda densa,
a alma gloriosa
toda densa,

seu peito não é mais vitral,
ali reside seu aço de força
como um soco nas
entranhas dos idiotas.

16/06/2019 Gustavo Bastos

domingo, 16 de junho de 2019

SACRIFÍCIO CORPORAL

Feliz o corte entre as entranhas,
revela o corpo nu sob
a reta do bisturi
sua operação de fêmur
e a omoplata
combalida,
gera o poeta
com adendos
em seus ritos
estomacais,

ferve seu tecido muscular,
tendões e artérias
se enrijecem no
mistério deste
corpo perdido
e seu cérebro
trepanado,

sua lobotomia tira
de seu crânio
sua astúcia,
sua sabedoria
vira um farelo
que sangra,
e seu peito grita
em seus átrios
explodidos.

16/06/2019 Gustavo Bastos

DISCURSO REITERADO

O ponto de vista tenta
seu registro com preciso
tema, o elenco das ideias
vem  entremeado de impulsos
atávicos, certa certeza
enumera a si mesma,
sofisma e pleonasmo,
revira com petição
de princípio e redundância
e um leitmotiv que
repete como uma tautologia,

o poeta, estudioso dos odores
do discurso, se perde na
racionalidade deste sistema
de engrenagens, sugere
um fim simbólico, e de
outro lado o espírito de sistema
penteia os conceitos
com uma fúria hegeliana
de ímpeto dialético,
dorme o sol,
dorme a lua,
o poeta perde
sua vista
e o leitmotiv
lhe inferniza
as têmporas.

16/06/2019 Gustavo Bastos

BRUMAS FLORADAS

Vento que acorda as monções,
o minarete treme
em seus arabescos,
linhas de geômetras
e desenhos de artistas
se movem na alucinação
de uma lufada,

eu vou neste sinal de monte
e de profecia, abrir no
oliveiral um azeite
silente que se gira
em bruma,

levanto minha capa de pirata,
meu tesouro rutila
por entre estas
campanhas de
morte e de vida,
e os laranjais
também crescem,
e as macieiras
entumescem
como corações.

16/06/2019 Gustavo Bastos

ILUMINAÇÃO

Uma mirra enfurece o campo,
tem um certo jasmim nas entranhas
do bosque, e uma flor de lótus
que bombeia o coração
do lago,

leve teu passo de poeta
em paisagem, conclama
teus asseclas como
um grande grito
de dor,
e verte teu sangue
que vira lágrima,

no bosque em que dormem os jasmins
a mirra acorda as lutas
depois de uma sapiência
que vivia na fumaça,
e o faquir desperto
já não lida com a dor,
mas com a iluminação.

16/06/2019 Gustavo Bastos

CANTIGA DE RODA

A menina brincava com o menino
nos jardins das delícias,
passava ali um filósofo
e via todo aquele cenário
verde e encantado,
e via os sinais naquelas
crianças como um sol
desde o verde das plantas
até o azul do céu,

ele via todo o mistério
naquelas cantigas de roda
e lendas populares
e de tradição oral
que os recreadores
que ali chegavam
faziam sorrindo,

uma trupe mambembe
então apareceu nos
jardins, o menino
saltou e deu uma pirueta,
a menina rodou a
sua sainha rosa
e fez meneios
como uma borboleta.

16/06/2019 Gustavo Bastos

OUROS E MEMÓRIA

A prata enuncia vertentes
novas da riqueza das nações,
o ouro que nestes rincões
explora a dor,
as serras e os montes
desmembrados em
seus sóis,
os donos do chão
de fábrica com seus
sonhos medidos
em pontes e edificações,

lá, onde o cobre e o bronze
fazem liga com o estanho,
mora um senhorzinho
que já viu de tudo
ou quase nada,
sua barba amarelada
de cachimbo,
e seus anéis de velho ladino,
ali estava ele ao olhar
todo este mundo,
e dizia que vira
o início destas
fábricas desde
a raiz do mundo.

16/06/2019 Gustavo Bastos

CANTO OPERÁRIO

Levantam acampamento os operários,
vigas, guindastes, toda uma
labuta das cidades,
seus rostos cinzas
e suados, suas forças
exponenciais como
vulcões nos dão
toda a estrutura
do mundo, atlas
modernos com carcaças
de aço,

eu os vejo nos dias,
nas auroras da manhã,
e sonham com os
braços e pernas,
sentem o coração
durante um registro
muscular, os verdadeiros
mestres da vida,
em obra tão potente.

16/06/2019 Gustavo Bastos

ERVAS MÍSTICAS

Pita um certo pango o sonho
espasmo e corpos em fera,
luzindo como meditação
seu sonho místico,
como um ar vinho
e um sopro ópio,
levita qual águia
e reluz,

uma fumaça sagrada
que registra em seu
transe de blackheart man,
soçobra um certo
bruto calor,
em meio ao mangue
e ao lixo dos
apátridas exangues.

16/06/2019 Gustavo Bastos

PEQUENA FILOSOFIA

Ouroboros ventila
como um esquadro mágico
sua cornucópia como
um anel de moebius,
volta e volteia,
sob o próprio karma,

ah, este mal de espírito,
que conhece e não é sábio,
não esgota nem o mínimo
átomo que não permaneça
enigma,

ah, vem este poema roto
ainda! elencar sua insciência
que vira verso!
oh, como poeta que diz
de tudo que desconhece,
e assim canta!

16/06/2019 Gustavo Bastos

O VOO DO CRISTAL

O cristal ecoa a vida
em sua luz diamantada,
tal uma cornucópia
que revira os átomos,
um canto silente
em pastos verdejantes,
tal o poema que se
funde ao mistério
e dele vê
toda a sua luz,

lá, no mistério da luz,
um cristal verte
templos de monges
em transe, verte uma
música lilás com
certos passos rubros,
verte seu tema com
versos que traduzem
esta luz como
um sopro d`alma,

ah, e eu não entendo
de onde vem este
santo espírito,
é como se fosse
o espanto que
levanta o coração
em voos.

16/06/2019 Gustavo Bastos

NARDO E VINHO

Nas músicas do nardo
mora a meditação,
as cores despertas
enunciam meu sol,

segue singrando o mar
meus atavios, tenho
por certo o coração
ventilado em novos
horizontes, certo com
os sentidos pairando
alto com a clareza
de meus intentos,

vai, poeta, como um
caçador de estrelas
diante da vida vivida
sem ser mártir,
sem ser profeta,
sem ser mestre,
apenas uma gota
de vinho
na vastidão
das galáxias.

16/06/2019 Gustavo Bastos

VERSOS NATURAIS

Nas longas asas do pássaro
vivia o sonhador,
eu lutei por anos neste
cinzel e goiva,
perdi meu senso
em batalhas campais.

Veste-te à labuta, o poeta
que nasceu do mármore
se funde ao nobre metal
e ao fundo de um tambor,
sua música tem melismas
de aço e de flores,

tenha em campo todos os odores
da rosa, uma certa exaustão
de sua força será mérito,
como um rouxinol e o albatroz
que faz rasante no mar,

resgates de memória, nuvens
passam, o caos se desmonta
nos versos pacatos
que sugerem
sua paz de lume,

ah, como são estes pequenos
versos um tanto de vitória
sem empáfia ou bazófia,
uma lufada natural.

16/06/2019 Gustavo Bastos